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ACÓRDÃO N.º 731/2022

 

PROCESSO N.º 933-C/2021

Relativo a Partidos Políticos e Coligações 

Recurso para o Plenário 

Em nome do Povo, os Juízes, acordam em Conferência no Plenário do Tribunal Constitucional: 

I. RELATÓRIO

António Francisco Venâncio, com os demais sinais de identificação nos autos, vem, na qualidade de militante do MPLA, e ao abrigo das disposições combinadas dos artigos 6.º, 17.º, 23.º, 29.º, 72.º, 73.º, 175.º e 179.º da Constituição da República de Angola (CRA), dos artigos 5.º, 8.º, 24.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2 da Lei dos Partidos Políticos (LPP), da alínea j) do artigo 3.º e da alínea d) do artigo 63.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), interpor recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional do despacho de indeferimento liminar da providência cautelar não especificada, por si, impetrada, sob o Processo n.º 930-D/2021.

O Recorrente apresentou alegações, fundamentando, em síntese o seguinte:

  1. A Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (Lei do Processo Constitucional) não consagra formas de providências cautelares, mas apenas as formas ou espécies sujeitas à jurisdição constitucional, ex vi artigo 3.º do diploma legal mencionado. 
  1. As formas de providências cautelares são apenas e só as consagradas no Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 2.º da LPC. 
  1. No âmbito do CPC não se encontra nenhuma providência especificada que corresponda a qualquer das espécies de processo sujeitos à jurisdição constitucional, pois, a cada uma delas corresponde uma determinada forma de processo. 
  1. Não existindo nenhum procedimento cautelar adequado ou especificamente determinado na lei para impedir a realização de um congresso, no caso, do partido político MPLA, a única saída legal é a providência não especificada. 
  1. Andou mal a Juíza Presidente do Tribunal Constitucional, pois confunde critério legal da definição das competências de outros tribunais especializados, como o Tribunal Constitucional, de Contas, e Comuns, em razão das matérias, com a definição das formas ou espécies de processo. 
  1. A alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º da LPC, conjugada com o preceito da alínea j) do artigo 3.º do mesmo diploma legal é justamente a forma ou espécie de processo indicada pelo Requerente para a acção principal a ser intentada até 30 dias a contar da data de notificação da decisão que decretar a providência requerida, pois, não existe outra forma ou espécie de processo para impugnar o processo eleitoral de um partido, ou, dito de outro modo, impugnar a realização de um congresso electivo, como é o caso do VIII Congresso do MPLA que visa eleger os titulares e integrantes dos vários órgãos de direcção, singulares e colectivos. 
  1. Outrossim, equivoca-se ainda mais a Veneranda Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional, quando se refere a uma forma ou espécie de processo inexistente na Lei dos Partidos Políticos, até porque este diploma legal não define as formas ou espécie de processos, como acima ficou demonstrado, uma vez que, a impugnação é uma acção principal que se processa através da espécie de processos relativos a partidos políticos e coligações, previsto no artigo 3.°, alínea j), e não de uma providência, aliás, nunca foi intenção do Recorrente atacar qualquer candidatura, pois na sua apreciação não existem candidaturas para serem atacadas, mas sim, todo o processo eleitoral, por violação até dos próprios Estatutos e Regulamento Eleitoral do Partido, para não falar em violação da Constituição e das Leis do País, que sendo o MPLA um partido que sustenta a governação do País desde a proclamação da sua independência e que lidera o processo de democratização de Angola, tem, em consequência, responsabilidades acrescidas no cumprimento da Constituição e das Leis do País para servir de exemplo a todos os membros da sociedade angolana, incluindo para as demais forças políticas. 
  1. Por outro lado, o artigo evocado pela Veneranda Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional, mais concretamente, a parte final do n.º 3 do artigo 474.° do CPC, não se aplica ao caso em análise pelas razões atrás citadas, pois não há qualquer vício de forma do procedimento cautelar, e ainda que admitíssemos por mera razão académica a sua existência, deveria ela mandar seguir a forma legal e só se isto não fosse possível por incompatibilidade absoluta é que partiria para o indeferimento liminar, já que não atacamos nenhuma deliberação em concreto, mas sim, o processo eleitoral no seu todo, porque senão seria uma providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, pois as demais formas de procedimentos cautelares não se adequam, estes casos, além de que, pela natureza dos mesmos (procedimentos especificados, v.g., o arresto, o embargo de obra nova e outros) não seria da competência do Tribunal Constitucional. 
  1. Demonstramos nos nossos requerimentos do procedimento criminal que, determina o artigo 399.º do Código de Processo Civil que "quando alguém mostre fundado receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer, se ao caso não convier nenhum dos procedimentos regulados neste capítulo, as providências adequadas à situação, nomeadamente a autorização para a prática de determinados actos, a intimação para que o réu se abstenha de certa conduta, ou a entrega dos bens móveis ou imóveis, que constituem objecto da acção, a um terceiro, o seu fiel depositário". 
  1. Assim, como primeiro requisito desta providência surge a aparência dos seguintes direitos dos requerentes:                               a) O direito de eleger e de ser eleito, ex vi artigos 26. 27.° n.º 1, alínea d) e 103.° dos Estatutos e 7.º, 12.º, 13.° e 14.° do Regulamento Eleitoral do Requerido;                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                  b) O direito de ser tratado de forma igual aos demais militantes, ex vi artigos 26.° e 106.° dos Estatutos do MPLA;                                                                                                                                                                                                                  c) A garantia da inviolabilidade dos seus direitos e deveres expressos no Regulamento Eleitoral, ex vi artigo 9.°, alínea a);                                                                                                                                                                                                      d) A garantia de não ser prejudicado nas funções que exerce ou cargo que ocupa, ex vi alínea b);                                                                                                                                                                                                                                          e) A garantia que as eleições para os cargos eletivos do Partido, sejam realizadas sem que o eleitor sofra quaisquer pressões para votar num ou noutro candidato.                                                                                                                                           
  2. Como segundo requisito a lei exige que exista o risco de lesão grave e de difícil reparação do direito do Requerente, que, no caso concreto, se traduz na eminência de o Requerido, ignorar como tem feito até aqui e ainda hoje, assim procedeu no comunicado divulgado nos vários órgãos de comunicação social, em que reafirmam que o processo observou todas as normas legais estatutárias e regulamentares, as reclamações do Requerente, com o único fundamento de que não formalizou qualquer candidatura, quando, na realidade nenhum dos concorrentes o fez, face à ausência da Comissão Eleitoral, pois tudo não passou de uma simples encenação, atendendo as graves violações dos Estatutos e do Regulamento Eleitoral, como atestam os documentos para a preparação e realização do VIII Congresso, aprovados na 4.ª Sessão ordinária do Comité Central realizada no dia 29 de Outubro de 2020, em que foi convocado o Congresso, constituída a Comissão Nacional Preparatória e aprovado o seu Regimento e não foi eleita a Comissão Eleitoral, já juntos aos autos com o requerimento inicial.
  3. Aumenta o risco de lesão grave e de difícil reparação, o facto de que nas reuniões do Bureau Político e do Comité Central realizadas nos dias 25, 29 de Novembro e 07 de Dezembro do ano em curso, foi tornado público a aprovação da candidatura única "apresentada" a uma Sub-comissão coordenada pela actual Vice-Presidente do MPLA e integrada na Comissão Nacional Preparatória, que o Presidente cessante do Partido, que também é concorrente é quem preside ou coordena, deixando claro, a falta de imparcialidade, de transparência do processo e a concorrência desleal, pois, além de ter toda a estrutura do Partido ao seu serviço, o mesmo utiliza os meios da organização, e não só, a seu favor, em flagrante violação do preceito do artigo 34.º do Regulamento Eleitoral, cuja sanção é a rejeição da sua candidatura.
  4. Atendendo que as pessoas que coordenam todas as Sub - comissões da Comissão Nacional Preparatória estão em efectividade de funções e numa relação de supra-infra-ordenação com o candidato "natural" que só existe nos sistemas monárquicos, onde já se sabe por tradição e regras do mesmo (sistema), que o filho do Rei quando nasce, é o sucessor natural do trono e, como tal, é contrário aos sistemas democráticos, logo, esses actos, não só violam os Estatutos e Regulamento Eleitoral do Partido, mas também preceitos constitucionais e legais, ex vi artigos 6.°, 17.°, 23.°, 29.°, 67.°, n.º 1, 72.º, 73.º, 175.° e 179.° da CRA, 5.°, 8.°, alínea c), 24.°, n.º 2, 29.°, n.º 2 da Lei dos Partidos Políticos, 63.º, n.º 1, alínea d) da Lei do Processo Constitucional, conjugados com os preceitos dos artigos 26.º, 27.°, 99.°, n.º 1, 103.°, 104.º, 105.°, 106.° e 107.° dos Estatutos do Partido e artigos 1.°, 2.°, 3.°, 6.°, 7.°, 8.°, 9.°, 12.º, 14.º, 24.º, n.º 2, alínea d), 25.°, n.º 2, alínea a), 36.° e 57.° do seu Regulamento Eleitoral, situação que não só aumenta o risco de ver os seus direitos de ser eleito e de ser tratado em igualdade de circunstâncias com outros concorrentes, mas ficam numa situação de difícil reparação.
  5. Ao ser realizado o Congresso nos dias 09 a 11 de Dezembro do ano em curso, em que será eleito o Presidente do MPLA, cargo para o qual pretende ainda concorrer, já não será possível o Requerente, participar do processo eleitoral em curso, se este Venerando Tribunal não decretar com carácter de urgência a providência que, aqui e agora, se requer, como ficou expresso nos Comunicados saídos nas reuniões dos dias 25, 29 de Novembro e 1 e 7 de Dezembro do ano em curso, do Bureau Político e do Comité Central, respectivamente, no licere dos quais, se confirma a eleição antecipada do candidato "natural", a margem das leis, em sentido material, como atrás ficou provado, devendo apenas durante a realização do VIII Congresso, cumprir-se mera formalidade para legitimar a sua eleição.
  6. Quanto à subsidiariedade, o Requerente entende que nenhuma outra forma de providência cautelar especificada se aplica à situação jurídica em pauta.
  7. À guisa de conclusão, o Requerente considera que o decretamento da providência aqui requerida não violará a proporcionalidade, pois, ao não ser decretada agora e já, com carácter de urgência, face as flagrantes e graves irregularidades, será mais tarde impugnado o Congresso, constituindo-se num desperdício de meios para o próprio Partido que muita falta farão na preparação e realização da campanha eleitoral do próximo pleito, a ter lugar em 2022, pois, seguindo a jurisprudência firmada por este Venerando Tribunal através do seu Acórdão n.º 700/2021, será irremediavelmente declarado nulo, ao abrigo, não só das disposições gerais do direito positivo vigente, mas, essencialmente, à luz do artigo 15.° dos Estatutos do MPLA que diz claramente que, "são nulas as decisões e as deliberações tomadas por órgão, por organismo ou por organização do MPLA não competente, em razão da matéria, ou que violem orientações, decisões ou deliberações de órgãos, organismos ou organizações hierarquicamente superiores.
  8. Ora, os Estatutos são aprovados em Congresso, logo, sendo o Comité Central um órgão hierarquicamente inferior daquele, não deve deliberar em violação das normas estatutárias, muito menos, é sensato que um órgão que aprova o Regulamento Eleitoral, depois delibera em violação do mesmo Regulamento, o que de per si, confirma que todos os actos praticados a margem dos Estatutos e do Regulamento Eleitoral foram intencionais para inviabilizar qualquer outra candidatura, que não fosse a do candidato "natural", razão pela qual, enquanto o Estatuto e o Regulamento Eleitoral consagram mais do que uma candidatura sem estabelecer limites, na metodologia do processo de organização realização do VIII Congresso, em violação daqueles instrumentos legais hierarquicamente superiores, aprovaram num órgão sob a liderança do Candidato "natural", limitações a duas candidaturas, impedindo, desta feita, que outros camaradas pudessem concorrer, em flagrante violação da Constituição e da Lei.

Termina pedindo que seja o despacho recorrido revogado e, em consequência, que seja deferida a providência cautelar, intimando-se o Requerido a abster-se, suspendendo-se a realização do VIII Congresso, nos dias 9 a 11 de Dezembro, enquanto não forem corrigidas as irregularidades do processo eleitoral, bem como, que seja obrigado a recomeçar todo o processo orgânico do VIII Congresso e a conformar a composição da Comissão Nacional Preparatória com o artigo 36.º do Regulamento Eleitoral.

Além disso, e a título de questão prévia, o Recorrente deduziu um incidente de impedimento contra a Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional para decidir sobre a admissão da providência cautelar, alegando, em síntese, o seguinte:

  1. A Veneranda Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional está impedida de intervir neste processo, ao abrigo do preceito do n.º 1 do artigo 122.º, alínea c), na parte que diz que “(…) quando haja que decidir questão sobre a qual tenha dado parecer ou se tenha pronunciado, ainda que oralmente, uma vez que, na data da realização da 4.ª Sessão Ordinária do Comité Central do MPLA que convocou e aprovou os documentos reitores da organização e realização do VIII Congresso, objecto da providência cautelar em pauta, em 29 de Outubro de 2020, na qualidade de membro do Bureau Político do Comité Central do MPLA, participou na discussão e aprovação dos mesmos documentos que violam os Estatutos e o Regulamento Eleitoral, logo, tem interesse na causa.
  1. Razão pela qual, usou intencional e indevidamente os preceitos dos artigos 474.º, n.º 3 do CPC, 29.º, n.º 2 da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro, para sustentar o indeferimento liminar como expediente dilatório, no sentido de não ser decretada a providência cautelar requerida com carácter de urgência, face as evidências incontornáveis, atenta a jurisprudência firmada pelo Acórdão n.º 700/21 do Tribunal Constitucional.
  1. Por outro lado, confirma a situação de impedimento, com base no fundamento legal retromencionado, o facto de a mesma ter sido nomeada há bem pouco tempo pelo Presidente do MPLA até ao seu empossamento, anunciando a suspensão formal da sua militância naquela força política, sem que tenha cumprido um período de nojo, como garantia para agir com imparcialidade nos processos em que o MPLA seja parte, desligando-se, no tempo, da preparação e a tomada de várias decisões, objecto de eventuais impugnações.
  1. Assim, nestes termos e nos demais de direito, ao abrigo das disposições combinadas dos artigos 122.º e 123.º do CPC, aqui aplicáveis por força do artigo 2.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho (Lei do Processo Constitucional), que seja declarada impedida a Veneranda Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional na apreciação dessa providência cautelar e na acção principal a interpor, com todas as consequências legais, declarando nulo os actos praticados.

O Processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O presente recurso para o Plenário foi interposto nos termos e com os fundamentos do número 3 do artigo 5.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional – LPC, norma que estabelece a possibilidade de recorrer do despacho de não admissão do requerimento da providência cautelar não especificada, interposto no Tribunal Constitucional.

Pelo que, tem o Plenário do Tribunal Constitucional competência para apreciar o presente recurso.

III. LEGITIMIDADE

O Recorrente tem legitimidade para interpor o presente recurso para o Plenário, face ao despacho de indeferimento da providência cautelar, proferido pela Juíza Presidente do Tribunal Constitucional, como estabelece o n.º 3 do artigo 5.º da LPC.

IV. OBJECTO

O presente recurso incide sobre o despacho de indeferimento da providência cautelar, proferido pela Juíza Presidente do Tribunal Constitucional, pelo que, cabe ao Plenário, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º e do n.º 2 do artigo 8.º, ambos da LPC, analisar se a referida decisão viola o princípio da legalidade.

V. APRECIANDO

Delimitado que foi o objecto do presente recurso, cabe ao Plenário do Tribunal Constitucional apreciar o Despacho da Veneranda Juíza Conselheira Presidente, de fls. 106 e 107, que indeferiu o requerimento de interposição de uma providência cautelar não especificada interposta pelo Recorrente, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional, pelo que, cabe a esta Corte Constitucional decidir em última instância a manutenção ou não do indeferimento, bem como analisar se a Veneranda Juíza Conselheira Presidente estaria impedida de proferir tal despacho de indeferimento, conforme alega o Recorrente.

  1. Do Despacho de indeferimento liminar

Analisado que foi o despacho de indeferimento e o requerimento de interposição da providência cautelar, não deixamos de partilhar do entendimento da Veneranda Juíza Conselheira Presidente.

Resulta claro que o ora recorrente pretendia alcançar os desígnios próprios de uma acção principal, sob a capa de uma providência cautelar, quando a todo o tempo, bem saberá o ora recorrente, que as providências cautelares têm uma estrutura simplificada que, combinada com a sua natureza urgente propicia um processo célere, de modo a acautelar o direito em questão.

Logo, atentos a sua natureza instrumental, as providências cautelares não se destinam, a realizar, de forma directa e principal, o direito material, mas antes a assegurar que o processo principal atinja o seu objectivo, qual seja o de regular, de forma eficaz e definitiva o litígio e, porque assim é, é prossuposto da sua admissão, (entenda-se, para efeitos de autuação e tramitação processual) que os elementos que acompanham o pedido seja facilmente identificáveis, e directos o suficiente para permitir uma análise célere e superficial o suficiente para salvaguardar tão somente o efeito útil do pedido.

É flagrante que no requerimento ora indeferido, o pedido do Recorrente não se compadece com o âmbito de uma providência cautelar, por extrapolar o âmbito do que pode ser peticionado numa providência cautelar. Não sendo a pretensão atendível, adveio a consequência da parte final do n.º 3 do artigo 474.º do CPC.

Sendo essa consequência reservada para as situações em que a inviabilidade da pretensão do autor se apresenta de forma tão evidente, que torna inútil a própria autuação e instrução do processo por levar a um desperdício manifesto da actividade judicial.

A limitação ab initio de expedientes manifestamente ineptos visa no fundo, acautelar, como refere Abrantes Geraldes “que a concessão indiscriminada da protecção provisória, eventualmente com efeitos antecipatórios, possa servir para alcançar efeitos inacessíveis ou dificilmente atingíveis num processo judicial pautado pelas garantias do contraditório e da maior ponderação e segurança que devem acompanhar as acções definitivas.” In Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, 4.ª edição revista e actualizada, Almedina, 2010, pág. 108.

Destarte, o Plenário do Tribunal Constitucional considera que outro despacho não poderia merecer o requerimento apresentado, senão o de rejeição.

Dito isto, e ainda que, por mera hipótese, do entendimento desta Corte resultasse a anulação do despacho de indeferimento e a sua substituição por outro que admitisse o requerimento de interposição da providência cautelar não especificada, a análise do mérito da mesma seria de todo inútil, pois que, durante a fase de apreciação deste processo neste Tribunal, tomou-se conhecimento, oficiosamente, da realização, nos dias 9 a 11 de Dezembro de 2021, do VIII Congresso Ordinário do MPLA que o Recorrente pretendia, à final, suspender.

A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se “quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência requerida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, da impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio.” – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 3.ª Edição, 2014, pág. 546.

Está-se perante uma situação de impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, quando devido a novos factos, verificados na pendência do processo, não existe qualquer efeito útil na decisão a proferir, quando já não é possível o pedido ter acolhimento ou quando o fim visado com a acção foi atingido por outro meio – cf. José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, Coimbra, 1946, págs. 368-369.

Nesse sentido se tem pronunciado variada jurisprudência deste Tribunal, em que se consignou que a instância extingue-se sempre que se torne supervenientemente impossível, ou seja, sempre que a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento do objecto do processo, determinando impossibilidade de atingir o resultado visado. Neste caso, não subsistirá um interesse suficientemente relevante no conhecimento do pedido, nem sequer no que toca a tais efeitos, sendo suficientes outras vias ou iniciativas processuais (neste sentido, vide, entre outros, os Acórdãos n.ºs 422/2017, 485/2018, 544/2019, 549/2019, 683/2021).

Estando em causa o pedido de suspensão de um acto efectivamente realizado, o Tribunal não poderia conhecer do mérito da causa, pelo que, aí, limitar-se-ia a declarar a extinção da instância por inutilidade superveniente.

  1. Sobre a Questão Prévia de Impedimento da Juíza Conselheira Presidente

Afirma o Recorrente que a Juíza Conselheira Presidente deveria estar impedida de intervir no processo e, consequentemente, de ter exarado o despacho de indeferimento da providência cautelar, uma vez que, na data da realização da 4.ª Sessão Ordinária do Comité Central do MPLA que convocou e aprovou os documentos reitores da organização e realização do VIII Congresso, objecto da providência cautelar em pauta, em 29 de Outubro de 2020, na qualidade de membro do Bureau Político do Comité Central do MPLA, participou na discussão e aprovação dos mesmos documentos que violam os Estatutos e o Regulamento Eleitoral, logo, terá interesse na causa.

No que respeita ao exercício jurisdicional, é indubitável que, num Estado Democrático de Direito, a solução jurídica dos conflitos deverá fazer-se sempre com observância das regras de independência e de imparcialidade consagradas no artigo 179.º, n.º 1 da Constituição da República de Angola, e essa constelação normativa pressupõe que o desempenho do cargo de juiz esteja rodeado de cautelas legais destinadas tanto a garantir a sua imparcialidade como a assegurar a confiança geral na objectividade das decisões dos Tribunais. Face ao princípio do Juiz natural, em regra, o julgador só pode ser removido nas condições previstas para os impedimentos taxativamente previstos na lei, quando sobrevierem razões de escusa ou existam motivos relevantes de suspeição.

As causas de impedimento e suspeição estão previstas nos artigos 122.º a 136.º do Código de Processo Civil (CPC), incluídas no capítulo com a epígrafe “das garantias da imparcialidade”, e dizem respeito à imparcialidade do juiz no exercício da sua função.

O impedimento tem carácter objectivo, enquanto a suspeição tem relação com o subjectivismo do juiz. A imparcialidade do juiz é um dos pressupostos processuais subjectivos do processo. No impedimento há presunção absoluta ( juris et de jure ) de parcialidade do juiz em determinado processo por ele analisado, enquanto na suspeição há apenas presunção relativa ( juris tantum ).

As causas de impedimento do juiz funcionam “ope legis”, consistindo em circunstâncias cuja relevância é abstractamente reconhecida pelo legislador atenta a nitidez dos factos e a sua autossuficiência, do ponto de vista do seu potencial negativo sobre a imparcialidade (relação de parentesco ou afinidade, conjugalidade ou equivalente ou intervenção anterior no processo, na prática de actos certos e determinados), que não depende de matizes ou particularidades a verificar em cada caso.

Enquanto o impedimento afecta sempre a imparcialidade e a independência do juiz, a suspeição pode ou não afectar a sua imparcialidade e a sua independência. O juiz tem a obrigação de se abster (e as partes podem recusá-lo) se estivermos em presença de determinadas situações que o façam aparecer como parcial. Trata-se de casos nos quais aparece provável que alguma ocorrência pessoal (ligação com as partes ou com o objecto processual) possa ter sobrevindo sobre o dever de imparcialidade. Não é dito que em tal situação o juiz seja, em concreto, parcial; mas aparece “pouco credível” que um magistrado possa manter-se imparcial, porque nem sempre poderia conseguir dominar o próprio instinto ou pulsão inconsciente.

O impedimento constitui uma proibição absoluta de o juiz praticar a função em determinado processo, porque o legislador entende que só assim se garante a imparcialidade dos juízes, na medida em que as causas de impedimento constituem influências susceptíveis de afectar essa imparcialidade ou pelo menos a sua aparência aos olhos da comunidade.

Como refere Salvador da Costa “A exigência de imparcialidade é mais premente em relação ao juiz, certo que é a sua convicção, em cada caso que tem de resolver e decidir, que não pode deixar de ser formada com isenção e objectividade. Ele tem de estar acima e alheio aos interesses em causa no litígio, sob pena, por inidoneidade, de ficar incapacitado de julgar com independência e imparcialidade” In Os Incidentes da Instância, Almedina, 7.ª edição, 2014, pág. 322.

Alberto dos Reis refere que: Não basta que o magistrado tenha a cultura jurídica e a capacidade intelectual necessárias para interpretar e aplicar correctamente a lei; é indispensável, além disso, que a sua pessoa se encontre colocada fora e acima das paixões e interesses que no pleito se agitam e podem perturbar a retidão do seu juízo. In Comentário ao Código de Processo Civil, I vol., 2.ª edição, 1960, pág. 388.

O Recorrente refere como fundamento do alegado impedimento da Juíza Conselheira Presidente, o constante da parte final da alínea c) do n.º 1 do artigo 122.º do CPC, que dispõe o seguinte: Nenhum juiz pode exercer as suas funções, em jurisdição contenciosa ou voluntária: Quando tenha intervindo na causa como mandatário ou perito ou quando haja que decidir questão sobre que tenha dado parecer ou se tenha pronunciado, ainda que oralmente (o negritado é nosso), ao contrário do que ocorre na situação vertente.

O caso sub judice não se enquadra na primeira parte desta alínea no que diz respeito ao ter actuado/intervindo como mandatário, perito ou jurisconsulto. Por isso, cumpre apreciar, tão-somente, se cabe no segmento “se tenha pronunciado”, previsto na última parte do preceito.

A alínea c) do n.º 1 do artigo 122.º do CPC abarca circunstâncias de intervenção ou de pronunciamento (total ou parcial) sobre o objecto do processo, mas não na qualidade de juiz.

Alberto dos Reis, dá-nos conta das razões históricas que conduziram ao estabelecimento daquela causa de impedimento, referindo que o artigo 292.º, n.º 3, do CPC anterior ao de 1939, dizia que constituiria impedimento o facto de o Juiz ter intervindo na causa como agente do Ministério Público advogado ou perito; mas, nos estudos preliminares relativos a essa matéria no Código de 1939, entendeu-se que, ao intervir na causa como agente do Ministério Público, nem sempre o Juiz pronunciara-se sobre o objecto da acção, fazendo-o por vezes numa mera acção fiscalizadora, pelo que se substituiu, no correspondente artigo 122.º, n.º 3, a referência à intervenção do Juiz como Ministério Público pela expressão "se tenha pronunciado", visando-se assim apenas a hipótese de o Juiz, enquanto Ministério Público, se ter pronunciado sobre o objecto da causa.

Ensina dessa forma aquele Autor que as palavras finais do n.º 3 do artigo 122.º do Código do Processo. Civil de 1939, de redacção praticamente igual à do actual n.º 1, alínea c), do artigo com o mesmo número, - "se tenha pronunciado" -, visam o caso de o Juiz ter intervindo no processo como agente do Ministério Público, só existindo o impedimento, nos termos daquele n.º 3, quando haja de decidir questão sobre que se tenha pronunciado como agente do Ministério Público, e não quando, nessa qualidade, como delegado ou sub - delegado do Procurador da República, se tenha limitado a exercer um papel de simples fiscalização sem tomar posição quanto ao objecto da causa (In Comentário ao Código de Processo Civil, Ob. Cit, págs. 396 e segs.).

Lebre de Freitas entende, no entanto, que o que se visa com esse impedimento é “… vedar a intervenção do juiz que já comprometeu a sua opinião com os factos subjacentes à lide ou com a posição de um dos lados em conflito”. Assim, a questão não se coloca quando o juiz tenha dado parecer ou se tenha pronunciado no exercício da sua função uma vez que, nessa situação, não comprometeu a sua opinião com os factos subjacentes à lide ou com a posição de um dos lados em conflito, antes o fez de acordo com os ditames da justiça, portanto com imparcialidade, inteira isenção e objectividade na apreciação dos factos” In Código de Processo Civil – Anotado, vol. I, 2.ª Edição, Coimbra, 2008, pág. 222.

Depreende-se, portanto, que, de harmonia com este normativo legal, nenhum juiz pode exercer as suas funções quando tenha intervindo na causa como mandatário ou perito, ou quando haja de decidir questão sobre que tenha dado parecer ou se tenha pronunciado, ainda que oralmente, como particular dando parecer, consulta ou conselho a uma das partes.

É isto apenas que a lei visa evitar: não cabe nas funções de juiz intervir na causa como mandatário ou perito, nem se pronunciar sobre ela através de parecer, consulta ou conselho dado a uma das partes, actuação esta última que pressupõe manifestamente que não se é ou não se vai ser juiz na mesma causa, que não se vai decidir tal causa, caso contrário não haveria garantias de isenção e imparcialidade do juiz, porventura tentado a decidir da forma que previamente referira como particular mandatário, perito ou jurisconsulto. Daí que, não se verificando esse pressuposto, isto é, se quem actuou na causa como particular (mandatário, perito ou jurisconsulto) vier a assumir a posição oficial de julgador da mesma causa, terá ele de se considerar impedido para decidir a mesma. Mas tal não se verifica se a intervenção anterior do julgador ocorreu no exercício da sua função jurisdicional.

A interpretação da norma em causa não pode, pois, ter o alcance que o Recorrente pretende, sob pena de o sistema jurídico vir a impossibilitar, na prática, e em certos casos, – que não serão tão poucos – que um cidadão, que se julgue legitimamente prejudicado por outrem, possa recorrer à justiça, em violação do disposto no artigo 29.º da nossa Constituição.

Suponham-se os casos de um processo de fiscalização concreta em que está em causa uma norma de determinado diploma legal aprovado pelo Parlamento e que tenham participado da votação e aprovação parlamentares que posteriormente cessaram funções, sendo nomeados juízes.

Pela leitura que o Recorrente faz da norma em causa, pode-se chegar ao extremo de, em variadíssimos casos, não haver juiz do Tribunal Constitucional que não estivesse impedido por, já anteriormente, ter participado da aprovação de um diploma legal. Com essa interpretação conclui-se estar perante um legislador, no mínimo, insensato.

O invocado normativo que estabelece o impedimento do juiz não pode ter a leitura que o Recorrente dele faz. É manifesto que a situação alegada não cabe na previsão da norma ora identificada e que tal previsão não tem qualquer aplicação ao caso dos autos.

A Juíza Conselheira Presidente participou de uma reunião do Partido enquanto membro do Bureau Político, antes da nomeação como Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional. Ora, tal situação não pode de forma alguma se enquadrar na previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 122.º do CPC já que a participação num evento político não consubstancia certamente a emissão de um parecer e obviamente não determina que se tenha pronunciado sobre o objecto do processo ou noutra causa, ainda que conexa.

Com efeito, nos termos em que a questão *judicanda* é colocada, a esfera de protecção da norma restringe-se a abranger as actuações anteriores do agora julgador na qualidade de advogado, perito ou jurisconsulto, e a de ter intervindo na causa como particular dando parecer, consulta ou conselho a uma das partes. E este entendimento hermenêutico tem claro respaldo no comentário de José Alberto dos Reis emitido a propósito desta norma.

O preceito abrange as situações em que o juiz tenha intervindo na causa como particular dando parecer, consulta ou conselho a uma das partes, o que no caso concreto não ocorreu. O fundamento desta alínea é a normal predisposição para reproduzir um juízo já emitido.

O motivo sério e adequado a gerar a desconfiança do juiz há-de repousar mais do que de numa convicção subjectiva, mais ou menos intimista, num critério objectivo, com subordinação a factos concretos, geradores, analisados pelo cidadão médio, inserto na sociedade, à luz do bom senso e da experiência, daquela situação de parcialidade.

A par de não estar preenchido o conceito de impedimento, não se vislumbra qualquer razão minimamente válida para concluir que a Juíza tem algum interesse pessoal na causa ou que manifesta um preconceito sobre o mérito da acção.

E, assim, em conclusão, inexiste qualquer motivo sério, grave e adequado a gerar a desconfiança sobre a sua imparcialidade que justifique a subsunção da situação no impedimento invocado pelo Recorrente, conseguinte, não sobeja qualquer fundamento válido para proceder à substituição da Juíza Conselheira Presidente e à anulação do despacho exarado.

Assim, não se verifica o fundamento de impedimento invocado.

Face ao acima expendido, o Plenário do Tribunal Constitucional mantém o Despacho de rejeição da Veneranda Juíza Conselheira Presidente nos seus precisos termos, por não ter o mesmo ofendido a Constituição da República de Angola, mormente o princípio da legalidade, nem estava a Veneranda Juíza Conselheira Presidente deste Tribunal impedida de o proferir, ao abrigo do disposto no artigo 5.º da LPC.

Nestes termos,

DECIDINDO                           

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional, em:    

Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.o 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional.

Notifique-se.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, 5 de Abril de 2022.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente – declarou-se impedida)

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva 

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira (Relator) 

Dr. Gilberto de Faria Magalhães

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite Silva Ferreira 

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango

Dra. Maria de Fátima de Lima d´A. B da Silva

Dra. Victória Manuel da Silva Izata