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ACÓRDÃO N.º 737/2022

 

PROCESSO N.º 921-C/2021

Relativo a Partidos Políticos e Coligações 

Em nome do Povo, os Juízes, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Pedro Mocombe Dala, melhor identificado nos autos, veio a este Tribunal Constitucional pedir a nulidade do V Congresso da FNLA, que ocorreu de 16 a 18 de Setembro de 2021, e elegeu Nimi a Simbi como Presidente desta formação política, com fundamento nos artigos 2.º e 29.º da Constituição da República de Angola (CRA) e nos artigos 1.º, 3.º, 6.º e 63.º, n. º1, alínea d), todos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC).

Para tanto, alegou, entre questões de facto e de direito, o que, em resumo, se segue:

  1. O Partido, a nível interno, tem sido objecto de controvérsias e divisões que determinaram a assinatura de um Pacto de Unidade da FNLA, com vista à resolução dos assuntos internos, ou seja, com vista ao Entendimento, à Unidade, à Reconciliação e à Coesão Internas.
  2. O Pacto previa, entre outras regras, uma data para a realização do V Congresso Ordinário e impedia a recandidatura do presidente Lucas Benghy Ngonda à sua própria sucessão.
  3. O Comité Central, na sua IV Reunião Ordinária de 11 de Setembro de 2019, fixou a data do V Congresso Ordinário da FNLA que, por razões de ordem jurídica, técnica, logística e financeira, viria a ser sucessivamente remarcada, tendo, porém, sido definida a data de 16 a 18 de Agosto de 2021 para a realização do Conclave, de conformidade com o estabelecido no Acórdão n.º 681/2021 do Tribunal Constitucional.
  4. Na data prevista (16 a 18 de Agosto de 2021) foi realizado o V Congresso Ordinário que elegeu, por maioria qualificada dos votos, Pedro Mocombe Dala, Presidente da FNLA, sendo que, no mês seguinte, houve lugar à realização de um outro Congresso Ordinário, em que foi eleito outro suposto Presidente do Partido, Nimi a Simbi.
  5. Esta situação levanta questões que perturbam a ordem jurídica e ofendem o Estado Democrático de Direito, impondo-se saber qual dos Congressos é válido e quem é o legítimo Presidente da FNLA.
  6. O Congresso que elegeu Nimi a Simbi violou as normas estatutárias do Partido. Não foi validamente convocado, já que o Presidente carecia de autorização do Comité Central para o convocar validamente, conforme previsto na alínea s), do n.º 3 do artigo 26.º e da alínea r), do n.º 9 do artigo 34.º dos Estatutos da FNLA.
  7. O anúncio da convocação desse Congresso não foi feito em reunião do Comité Central, acompanhado da devida fundamentação, conforme previsto no n.º 3 do artigo 23.º dos Estatutos, tal como não foi, também, observado o disposto no n.º 1 deste mesmo artigo.
  8. O Congresso está, ainda, inquinado pelo facto de o Presidente cessante ter concorrido à sua própria reeleição, contrariando o disposto no n.º3 do artigo 33.º do Pacto de Unidade da FNLA, sendo que também não observou o estabelecido no Acórdão n.º 681/2021 quanto à data da sua realização, o que constitui crime de desobediência, por desacato deliberado e reiterado das decisões do Tribunal Constitucional, pelas personalidades partidárias promotoras do evento.
  9. O Tribunal Constitucional não pode deixar de invalidar o Congresso em questão, na medida em que as decisões dos Tribunais devem ser respeitadas, sob pena de colocar-se em risco o Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da CRA e sob ameaça os princípios da juridicidade, da constitucionalidade, da segurança jurídica e da confiança.

O Requerente termina pedindo que este Tribunal declare a nulidade do Congresso realizado em Setembro e que o Requerido, Nimi a Simbi, seja convidado a abster-se de utilizar o título de Presidente eleito da FNLA, em qualquer condição ou sob qualquer pretexto, de exercer qualquer actividade político partidária em nome da FNLA, sem autorização da legítima direcção do Partido, bem como seja convidado a desocupar e a entregar os imóveis do Partido à sua legítima direcção.

Citado o Requerido para contestar, este veio, por seu lado, dizer o que, em síntese, se descreve:

  1. O V Congresso Ordinário da FNLA, realizado em Setembro, obedeceu às normas dos Estatutos, aprovado no IV Congresso Ordinário do Partido, de 2015, e ao proferido pelo Tribunal Constitucional no âmbito do Acórdão n.º 681/2021, de 25 de Maio.
  2. O Pacto de Unidade da FNLA não foi assinado, nem assumido pela então “sensibilidade Ngola Kabangu”, da qual o Requerente fazia parte, sendo que também não foi assinado pelo Requerido, Nimi a Simbi, eleito Presidente da FNLA.
  3. Não foram verificados impedimentos que obstassem a que o militante Lucas Ngonda se candidatasse à sua própria sucessão, nos termos dos artigos 9.º, 11.º e 34.º dos Estatutos da FNLA, razão pela qual a Comissão Preparatória do V Congresso Ordinário admitiu e aprovou a referida candidatura ao abrigo das referidas normas e procedimentos e no quadro das recomendações do Tribunal Constitucional, expressas no Acórdão n.º 681/2021.
  4. O Congresso foi validamente convocado, na medida em que o Tribunal Constitucional validou a VI Reunião Ordinária do Comité Central, realizada de 10 a 11 de Setembro de 2019, que autorizou o então Presidente a convocar o referido Congresso, através dos Acórdãos n. º 619/2021, de 21 de Maio e 681/2021.
  5. A alteração da data do Congresso, de 16 a 18 de Agosto de 2021, para 16 a 18 de Setembro de 2021, obedeceu a um pedido prévio de comunicação, do então presidente do Partido, ao Tribunal Constitucional, por via do Ofício n.º 065/GP/FNLA/2021, de 5 de Agosto de 2021, que mereceu resposta favorável deste Tribunal, através do Ofício nº 022/GPP.TC/21, de 16 de Agosto de 2021.
  6. O V Congresso foi realizado de 16 a 20 de Setembro de 2021 e obedeceu à norma estruturante do artigo 17, alínea f) da Constituição da República de Angola, aos parâmetros e preceitos estipulados nas alíneas b) e c) do artigo 8. º da Lei dos Partidos Políticos e às regras e cânones estatutários estabelecidos no n.º 2 do artigo 20.º dos Estatutos da FNLA, conforme processo de anotação e aferição remetido ao Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 21.º da LPP.

O Requerido conclui pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos formulados pelo Requerente e que este seja convidado a abster-se de usar o título de Presidente Eleito da FNLA e a devolver os bens patrimoniais do Partido de que se apoderou indevidamente, bem como os recursos pecuniários com que se locupletou.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.

II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional tem competência para conhecer e decidir o presente processo, nos termos das disposições combinadas da alínea j) do artigo 3º, da alínea d), do artigo 63.º, n.º 1 do artigo 66.º todas da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, e do n.º 2 do artigo 29.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos (LPP).

III. LEGITIMIDADE

O Requerente, na sua qualidade de militante do partido FNLA, tem legitimidade processual para demandar, sendo que o Requerido tem interesse directo em contradizer.

Nos termos do artigo 26.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicado subsidiariamente aos processos sujeitos à jurisdição do Tribunal Constitucional, por força do artigo 2.º da LPC, o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar. O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção.

IV. OBJECTO

Emerge como objecto da presente acção, em face do pedido e da contestação, a questão de saber se o Congresso que elegeu Nimi a Simbi Presidente da FNLA está ferido de nulidade e se, concomitantemente, ao Requerente deve ser reconhecida a qualidade de Presidente deste Partido Político.

V. APRECIANDO

Tutelados constitucionalmente no artigo 17.º da CRA, os partidos políticos são, literalmente, definidos na Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro como organizações de cidadãos, de carácter permanente e autónomas, constituídas com o objectivo fundamental de participar democraticamente na vida política do País, concorrer livremente para a formação e expressão da vontade popular e para a organização do poder político, de acordo com a Constituição da República de Angola, com a lei com os seus estatutos e programas, intervindo, nomeadamente, no processo eleitoral, mediante a apresentação ou o patrocínio de candidaturas (vide artigo 1.º da LPP).

Assim, e na perspectiva do Estado Democrático de Direito, consagrado no artigo 2.º da CRA, a sua existência pode ser percebida como uma das manifestações do pluralismo de expressão política, afinal um dos pilares estruturantes deste tipo de sistema de organização estadual e como um dos meios de ligação entre a sociedade e o poder político, sendo aquele que congrega as diferentes visões sobre o modo de organização e de exercícios democráticos dos poderes públicos.

Em resultado da incorporação na Constituição, aos partidos políticos é reconhecido um importante estatuto jurídico-constitucional, configurado como direito subjectivo, direito político e liberdade fundamental (vide JJ Canotilho. In Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7. ª edição, Almedina, pág. 316), o que implica, consequentemente, que o processo de criação destas instituições associativas seja alicerçado em princípios estruturantes, decorrentes quer da Constituição, quer da lei.

Entre estes princípios, importará destacar o princípio da liberdade de constituição, corolário da liberdade individual, e o princípio da autonomia interna, ínsito na própria definição legal de partido político, já que definidos como entidades autónomas, e ainda que a referida autonomia tenha como parâmetro a exigência de organização e funcionamento democráticos, (vide alíneas b) e f) do n.º 2, do artigo 17.º da CRA e dos artigos 1.º, 4.º e 8.º, todos da LPP).

A par de outros, será, assim, de identificar como traços conformadores do processo de criação das formações políticas tanto a liberdade de associação, como a liberdade de organização interna, o elemento que assegura a auto organização e a definição do modelo de intervenção na sociedade que for mais conveniente para o partido político em questão, materializado nos seus estatutos, regulamentos, programas e outros documentos reitores da vida partidária.

Ora, como sabido, é, à luz de um modelo de organização e funcionamento ancorado no princípio da democracia interna, que se inserem as regras sobre a temporalidade do mandato dos órgãos sociais, cujo processo de renovação, mediante eleição dos titulares dos referidos órgãos, deve ocorrer de conformidade com o procedimento democrático que para o efeito estiver definido nos documentos reitores da formação política, entre estes os Estatutos (vide artigo 20.º da LPP).

Aliás, tendo os partidos políticos como tarefa a representação política e sendo que, no contexto de Angola, detêm, mesmo, como tem acentuado este Tribunal Constitucional, (vide Acórdão n.º 730/2022, de 5 de Abril), o exclusivo de participação política na escolha dos representantes que exercem a função política, a exigência constitucional e legal de democracia interna é, em si mesma, uma consequência da designada democracia de partidos, o que pressupõe a existência de democraticidade nos partidos.

Na presente lide, o Requerente traz à liça questões associadas à exigência do funcionamento democrático e que, no caso, têm que ver, segundo o alegado, com a inobservância de normas estatutárias relativas à convocação do Congresso que elegeu Nimi a Simbi como Presidente da FNLA, por um lado. Por outro, com o incumprimento do Acórdão n.º 681/2021, de 25 de Maio, desta Corte Constitucional no que se refere à fixação da data de realização do referido Conclave.

Vejamos, pois, em que medida a razão penderá para o lado do Requerente:

  1. Sobre a nulidade do Congresso que elegeu Nimi a Simbi como Presidente da FNLA

Como já antes referido, os partidos políticos desempenham um papel central no contexto do Estado democrático de direito (artigo 17. º da CRA), o que pode justificar o controlo, pela via judicial, da sua vida interna e, consequentemente, se for esse o caso, da sua democraticidade interna, até mesmo como uma forma de credibilizar a sua actuação perante os eleitores, vide Joel Araújo Alves, in Julgar Online, Março de 2019, em citação de Carla Amado Gomes.

Deste modo, no que concerne à intervenção do Tribunal Constitucional neste domínio (controlo da democraticidade interna) e na linha de entendimento de alguns sectores da doutrina e da própria jurisprudência deste Tribunal (vide, por exemplo, Acórdão n.º 509/2018), esta afigura-se como uma decorrência natural da sua função de guardião da Constituição, sendo que as condições jurídicas de realização da democracia pluralista, enquanto passem pela actividade interna dos partidos, reconduzem a esta ideia. Vide Carla Amado Gomes, in Textos Dispersos de Direito Constitucional, Edição AAFDL, pág. 458.

Porém, ainda que as formações políticas devam conformar a sua organização e funcionamento tendo em conta o que a ordem jurídica estabelece, é igualmente de acentuar que a intervenção do Tribunal Constitucional, no que se refere ao controlo da conflitualidade interna dos partidos políticos, deve ser balizada pelo princípio da intervenção mínima, o que também encontra plena justificação em face da autonomia que lhes é reconhecida.

E este, sublinhe-se, é o entendimento a extrair da jurisprudência deste Tribunal, à luz da qual a liberdade partidária pressupõe o respeito aos princípios da proibição de ingerências positiva e negativa de poderes públicos, mormente judiciais, na fundação, existência, desenvolvimento e funcionamento de partidos políticos, de coligações e de grupos de cidadãos eleitores (vide, por exemplo, o Acórdão n.º 681/2021).

Nesta medida, em sede de conflitos intrapartidários, a competência desta Instância Constitucional é parametrizada pelo disposto na alínea d) do artigo 63.º da Lei do Processo Constitucional, o que está, igualmente, reflectido no nº 2 do artigo 29.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro. A sua intervenção, circunscreve-se, assim, a matérias que digam respeito à impugnação de eleições e deliberações de órgãos de partidos políticos ou à resolução de quaisquer conflitos internos que resultem da aplicação de estatutos e convenções partidárias, elementos que estão subjacentes à presente sindicância.

Com efeito, e como questão de fundo, está o facto de o Requerente alegar que o V Congresso foi convocado sem que o Presidente cessante tivesse obtido a necessária autorização do Comité Central, nos termos do disposto na alínea s) do n.º 3, do artigo 26.º e da alínea r), do n.º 9 do artigo 34.º dos Estatutos da FNLA, o que fere de nulidade o acto realizado. Estes normativos dizem, resumidamente, que o Comité Central deve autorizar o Presidente a convocar o Congresso ou a Conferência Nacional e que ao Presidente cabe convocar ordinária e extraordinariamente o Congresso, ouvido o Comité Central.

Ora, para uma melhor percepção sobre o contexto em que este Conclave teve lugar, impõe-se ter em conta o decidido por este Tribunal Constitucional no âmbito do Acórdão n.º 681/2021, não sem antes acentuar que a impugnação de Congressos, de reuniões dos órgãos de direcção da FNLA e de decisões dos titulares destes órgãos é uma prática recorrente, tal como espelhado, entre tantos outros e além do supra mencionado, nos Acórdão n.º 509/2018 e Acórdão n.º 543/2019 ou, ainda, no Acórdão n.º 619/2020.

Por outro lado, é mister, igualmente, salvaguardar que a constatação que ora é trazida à liça não deverá ser interpretada como qualquer desvalor ao direito fundamental de acesso aos Tribunais e à tutela jurisdicional efectiva (artigo 29.º da CRA), reconhecido, constitucional e legalmente, a qualquer cidadão legitimado para o efeito, em face do caso concreto, mas antes e apenas como o reflexo da permanente conflitualidade no seio da FNLA, como, aliás, admitida pelo Requerente no seu peticionado.

Retomando ao Acórdão n.º 681/2021, neste estava em causa um pedido de nulidade de todos os actos praticados pelo então Presidente eleito, Lucas Benghim Ngonda, de suspensão do exercício de funções dos órgãos de direcção da FNLA e de reconhecimento do direito à democracia interna, em virtude da não realização do V Congresso em 2019, tendo, contudo, esta Corte negado provimento parcial ao peticionado, declarando o seguinte:

  1. A legitimidade do mandato do Presidente então em funções, do CC (Comité Central) e do BP (Bureau Político) quanto à prática regular de actos desde a sua tomada de posse no validado IV Congresso Ordinário de 2015;
  2. A não suspensão do exercício de funções dos órgãos de direcção da FNLA, por falta de competência nos termos da Constituição e da Lei;
  3. O provimento do direito à democracia interna, devendo o Presidente do Partido (entenda-se Presidente em funções, à época) realizar o V Congresso Ordinário nos dias 16 a 18 de Agosto de2021, obedecendo aos Estatutos da FNLA e à legislação vigente, conforme decisão validamente tomada na V Reunião Ordinária do CC, de Setembro de 2019.

Assim e embora o V Congresso devesse ter lugar em 2019, nos termos do artigo 34.º dos Estatutos da FNLA, em obediência ao princípio democrático da temporalidade do mandato dos órgãos sociais e levando em consideração o facto de o Congresso ser o Órgão Supremo da FNLA, com a responsabilidade de, entre outros, eleger o Presidente do Partido e os membros do Comité Central, tal não se verificou, por razões suficientemente esgrimidas no aresto que vem sendo citado e que fundamentaram o juízo de decisão nele firmado.

Por um lado, pode ler-se, em sede do referido Acórdão, o seguinte: “… Após a realização do IV Congresso Ordinário, em 2015, passou a recair sobre a direcção do Partido Político a obrigação de projectar, para 2019, a renovação dos respectivos órgãos sociais, isto é, iniciado os quatro (4) anos de mandato em 2015, o Presidente devia realizar o V Congresso Ordinário electivo no ano término do mandato, observando, desta forma, o princípio estatutário da eleição periódica dos órgãos.”

Por outro lado, deste Acórdão extrai-se, igualmente, a conclusão segundo a qual a data de 16 a 18 de Agosto de 2021, convencionada para realizar o V Congresso, emerge de deliberação válida do Comité Central e não de uma qualquer imposição deste Tribunal, o que configuraria ingerência não autorizada na esfera de competência interna do partido FNLA, a luz do princípio da autonomia interna reconhecida aos partidos políticos.

Sobre esta matéria é, na fundamentação do Aresto, referido o que se segue: A data de 16 a 18 de Agosto de 2021, decidida para acolher o V Congresso Ordinário, resultou do adiamento, por razões técnicas, logísticas e financeiras, do certame que havia sido antes marcado, na V Reunião Ordinária do CC, de 11 de Setembro de 2019, para os dias 12 a 14 de Dezembro de 2019, conforme atestam o Despacho n.º 18/NE/GP/FNLA/2020, de 17 de Agosto, do Presidente do Partido, e a Resolução n.º 01/CNP/FNLA/2019 de 4 de Dezembro, da Comissão Nacional Preparatória, depositados neste Tribunal pela direcção da FNLA.

Foi, pois, na sequência desta deliberação que o Presidente em funções, na altura, convocou o V Congresso Ordinário para os dias 16 a 18 de Agosto de 2021, como afere a Convocatória n.º 04/GP-FNLA/2021, de 16/07/2021, também publicada na edição do Jornal de Angola de 22/07/2021 (vide pág. 98 dos autos) e que consta dos documentos em arquivo neste Tribunal.

Em face do exposto, e tendo sido reconhecida como validamente adoptada a decisão do Comité Central de realizar o V Congresso Ordinário de 16 a 18 de Agosto de 2021, entende este Tribunal Constitucional que não procede o alegado pelo Requerente quanto à violação dos procedimentos estatutários relacionados com convocação do Congresso. Aqui se incluem, nomeadamente, os que se reportam à necessidade de o Presidente carecer de autorização do Comité Central para convocar o Conclave (artigo 26.º, n.º 3, alínea s) dos Estatutos) e ao facto de a aludida convocatória ter de ser anunciada em reunião deste órgão (CC), acompanhada da devida fundamentação (nº 3 do artigo 23º dos Estatutos).

Aferida a regularidade da convocação do V Congresso Ordinário, importa, agora, avaliar se o adiamento do Conclave, que acabou por ter lugar de 16 a 18 de Setembro de 2021, representa incumprimento da decisão do Tribunal Constitucional, sendo certo que as decisões de qualquer Tribunal são, nos termos da Constituição, de cumprimento obrigatório para todos os cidadãos e demais pessoas jurídicas, prevalecendo sobre as de quaisquer outras autoridades (n.º 2, do artigo 177.º, da CRA).

Desde logo, considera este Tribunal Constitucional que, em bom rigor, não se pode falar, neste domínio, em incumprimento do que foi decidido quanto à data de realização do V Congresso.

Como acima espelhado, em decorrência dos autos e da documentação em posse deste Tribunal Constitucional, o Congresso foi, efectivamente, convocado para os dias sugeridos no Acórdão n.º 681/2021, sendo que o seu adiamento foi, previamente, comunicado a esta Corte e determinado, segundo o informado, por razões de ordem material, logística e financeira (ver fls. 129 e 130).

Tais razões, porque intrinsecamente associadas à organização e ao funcionamento do Partido, estão, como tal, fora do controlo acometido a este Tribunal, à luz do princípio da intervenção mínima.

Assim considerando, é de concluir que os presentes autos não comportam elementos probatórios suficientes para, na perspectiva do controlo da democraticidade interna do partido e, por violação à Constituição, à Lei e aos Estatutos, determinar a nulidade do V Congresso Ordinário da FNLA, que elegeu Nimi a Simbi como Presidente do Partido, Conclave que foi regularmente convocado pela direcção legitimada por este Tribunal Constitucional, nos termos do Acórdão n.º 681/2021, de 25 de Maio.

No demais, acresce que este Congresso foi objecto de anotação ao abrigo do Despacho n.º 2/2022, da Veneranda Juíza Presidente do Tribunal Constitucional, proferido a 25 de Março de 2022, que concluiu pela conformidade da convocatória, do quórum e demais requisitos legais e estatutários para a sua realização do Conclave que elegeu Nimi a Simbi.

Desta anotação também releva o facto de a candidatura do Presidente cessante à sua própria sucessão ter sido admitida pela Comissão Preparatória do V Congresso, sendo certo que, as normas estatutárias da FNLA, não impõem qualquer limitação à renovação do mandato do militante investido no cargo de Presidente do Partido, que pode fazê-lo, consecutivamente, desde que reúna os requisitos exigidos (vide n.º 2 do artigo 34.º dos Estatutos).

  1. Sobre a pretensão do Requerente de ser reconhecido como legítimo Presidente da FNLA

O decidido sobre a exigência de renovação do mandato dos órgãos sociais da FNLA, por meio da realização do V Congresso Ordinário, deu lugar, como decorre da presente sindicância, à realização de dois Congressos, um dos quais na data de 16 a 18 de Agosto de 2021.

Neste Congresso, o Requerente foi, também, eleito Presidente da FNLA, num quadro de constatável divisão no seio do Partido e ao arrepio do consagrado nos Estatutos do Partido, o que desvirtua a necessária estabilidade e democraticidade exigidas às formações políticas no contexto do Estado democrático de direito.

A este propósito, não se afigurará, no entanto, despiciendo notar como admissível a existência de diferentes correntes de opinião no seio dos partidos políticos, a partir do momento em que são concebidos e estruturados como organizações democráticas, vocacionadas para a luta política e tendo em conta que o pluralismo é parte integrante da governação democrática.

Todavia, e nos dizeres, em tradução livre, de António Torres Del Moral, as formações políticas são, também, configuradas como unidades de acção e de funcionamento, pelo que, se estão constantemente divididas, não serão propriamente partidos, nem como tal poderão ser considerados pelos eleitores. (In Estado de Direito e Democracia de Partidos, 3ª Edição, Serviço de Publicações da Faculdade de Direito, Universidade Complutense, págs. 94).

 A 10 de Setembro de 2021 foi requerida a anotação desse Congresso (o que decorreu de 16 a 18 de Agosto), entretanto, indeferida por Despacho da Veneranda Juíza Presidente, de 22 /11/2021, proferido com fundamento no n. º 4 do artigo 20.º e no n.º 2 do artigo 21.º, ambos da Lei dos Partidos Políticos.

Dos fundamentos que sustentam a decisão de indeferimento e em face do valor jurídico atribuído à anotação, como se lê no Despacho supra referenciado, ressalta o facto de não ter sido depositada a convocatória do Congresso, subscrita pelo Presidente da FNLA, à época dos factos, Lucas Benghim Ngonda, nem a acta comprovativa da realização do conclave com plena participação democrática dos membros do Congresso, enquanto órgão central do Partido Político, nos termos das alíneas d) e k) do n.º 1 do artigo 21.º e do n.º 6 do artigo 20.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro, bem como do artigo 21.º e da alínea r) do n.º 9 do artigo 34º dos Estatutos da FNLA.

A par disso, o Despacho de Indeferimento reconhece como justificada a alteração, pela direcção legítima da FNLA, da data do Congresso para os dias 16, 17 e 18 de Setembro de 2021, facto que, lê-se, o Tribunal tomou conhecimento sem qualquer objecção, à luz do direito à democraticidade interna e do princípio da intervenção mínima jurisdicional.

Por outro lado, é também de ressaltar que este Despacho não foi, no prazo legalmente estabelecido, objecto de qualquer impugnação, o que faz caso julgado com relação à matéria sobre o qual versa.

Deste modo, a pretensão do Requerente de ser declarado como Presidente legítimo da FNLA, não encontra acolhimento, em face dos elementos conformadores da situação jurídica substancial que se apresenta a este Tribunal Constitucional.

Assim sendo, a tutela jurisdicional pretendida, consubstanciada nos diferentes pedidos formulados pelo Requerente, não pode ser concedida, como também não podem, em sede desta Corte, ser atendidos os pedidos do Requerido sobre a utilização de bens e recursos financeiros do Partido por parte do Requerente, por incompetência deste Tribunal em razão da matéria, de harmonia com o previsto no n.º 2, do artigo 29.º, da Lei dos Partidos Políticos.

Nestes termos,

DECIDINDO

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:

Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho.

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 13 de Abril de 2022.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Gilberto de Faria Magalhães

Dra.  Josefa Antónia dos Santos Neto (Relatora) 

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira 

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango 

Dra.  Maria de Fátima de Lima d’A. B. da Silva

Dra.  Victória Manuel da Silva Izata