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ACÓRDÃO N.º 798/2023

PROCESSO N.º 952-B/2022

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Zora Elikelwa da Silva Cruz de Santa Ana, melhor identificada nos autos, veio, nos termos da alínea a) do artigo 49.º e artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão da Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, proferido no âmbito do Processo n.º 708/18, que condenou a requerida a indemnizar a Recorrente após despedimento por justa causa.

A Recorrente fundamenta o seu recurso alegando, em síntese, o seguinte:

A Recorrente foi condenada a preceito em primeira instância por não ter junto aos autos o processo disciplinar que instaurou contra a Recorrente, não obstante ser notificada para o fazer em despacho da Meritíssima Juiz de Direito.
A Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo alicerçou a sua decisão em dois fundamentos – nulidade da sentença por ambiguidade, obscuridade e também por contrariedade entre o 3.º e 4.º parágrafo do despacho saneador sentença, e por concluir que a falta de junção do processo disciplinar não constituir causa para condenação no pedido – sendo que esses dois pressupostos determinam a revogação da decisão proferida em sede da primeira instância.
No § 1.º da pág. 26, embora se afirme haver contradição entre os fundamentos e a decisão, a verdade é que o tribunal não indica nem demonstra a aludida contrariedade existente, tal como o fez nos parágrafos seguintes sobre a ambiguidade e obscuridade.
As consequências de uma situação de obscuridade ou ambiguidade não é a nulidade da sentença, mas tão-somente o pedido de aclaração da referida sentença conforme al. a) art.º 669.º combinado com o n.º 1 do artigo 667.º, ambos do CPC.
A alegada mas inexistente irregularidade sobre o cumprimento em parte do despacho de fls. 113 por parte da Secretaria Judicial de fls. 116 não procede, primeiramente, porque quer durante a 1.ª instância, quer ainda na 2.ª instância, a LSG Sky Chefs TAAG Angola Catering em momento algum suscitou tal irregularidade.
Portanto ao se pronunciar sobre uma irregularidade que não é do conhecimento oficioso e muito menos ter sido suscitado pela parte a quem aproveita, a Câmara do Trabalho violou a lei.
Cada uma dessas peças soltas e descoordenadas, existentes no processo, não está em condições de ser base para apreciação do processo disciplinar, entretanto ausente dos autos.
O recurso judicial da medida disciplinar que lhe foi aplicada surge justamente na garantia de defesa do direito ao trabalho e da estabilidade de emprego, violados com a decisão do despedimento.
A CRA consagra o princípio da estabilidade de emprego a todos, norma laboral constante da Lei Geral do Trabalho (LGT) mas com dignidade constitucional, uma vez que a CRA, nos n.ºs 3 e 4 do artigo 76.º, consagra o princípio do direito ao trabalho, por um lado, e, por outro, a proibição do despedimento, sem justa causa, sob pena de ilegalidade.
O aresto recorrido, desde logo, violou o princípio da legalidade porque o Tribunal a quo, não obstante existir lei expressa que ordena, nas acções de recurso em matéria disciplinar, a junção do processo disciplinar aos autos decidiu contrário à lei.
O Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento ao confundir-se e contradizer-se no seu aresto quando, nos seus fundamentos, qualificou existir ambiguidade e obscuridade no despacho saneador sentença, situação subsumível às normas dos artigos 667.º e 669.º ambos do CPC.
A decisão ora impugnada abala o direito da Recorrente a uma tutela jurisdicional efectiva – afinal, a consequência a que chegou o Tribunal a quo de declarar improcedente a medida disciplinar ao invés da declaração da sua nulidade, comprometeu o direito a ser reintegrada no seu posto de trabalho e consequentemente a ter garantido a estabilidade do emprego, conforme decorre do n.º 1, primeira parte do artigo 29.º da CRA.
Com o aresto recorrido o Tribunal Supremo não garantiu à Recorrente a protecção na maternidade, já que, à data dos factos, se encontrava abrangida por esse regime, conforme o previsto no artigo 246.º da LGT.
Ao proceder à revogação do saneador sentença com base na alegada contradição entre os parágrafos 3 e 4, inexistente, quando durante a exposição e fundamentação se alicerçou na obscuridade, ambiguidade, falta de clareza e ininteligibilidade, o Tribunal a quo não procedeu a um julgamento justo e conforme.
Por outro lado, quando o Tribunal, não obstante reconhecer não ter junto aos autos, pela Requerida LSG Sky Chefs TAAG Angola Catering, do processo disciplinar, imprescindível para reconhecer do mérito na acção de recurso em matéria disciplinar, e não decretar a condenação no pedido, ter assim violado o princípio do julgamento justo e conforme a lei.
Uma outra situação de violação do princípio do julgamento justo e conforme, consiste no facto, como aconteceu, o Tribunal a quo rebuscar soluções sem quaisquer respaldo legal e alicerçar a sua decisão em peças processuais, por si tidas de fulcrais, mas no entanto, prenhes de vícios e irregularidades insanáveis (como peças sem assinaturas, peças com páginas incompletas, deficientes, sem observância do rigor legal) e ao não reflectir as menções impostas por lei, não se fez um julgamento justo e conforme. 

Conclui, pois, requerendo a declaração de inconstitucionalidade do Acórdão recorrido, por estar em desconformidade com à Constituição e a lei.

Nesta instância, continuados os autos com a vista ao Digno Magistrado do Ministério Público, este pronunciou-se nos seguintes termos:

“Ao contrário do que afirma a Recorrente, quer-nos parecer que, embora não com a mesma firmeza, a norma do artigo 209.º da LGT, no seu n.º 1, estabelece a reintegração como opção primária em caso de despedimento improcedente e, alternativamente, isto caso o trabalhador não pretenda ser reintegrado, prevê, então, a indemnização.

Ora, se assim é, tal opção primária de reintegração é precisamente convergente com o direito ao trabalho e a estabilidade no emprego, daí que não acompanhamos a Recorrente na interpretação que faz ao artigo 209.º da LGT quando vê, sem mais contemplações, o despedimento improcedente como factor de violação do direito ao trabalho e a estabilidade no emprego.

Quanto a violação do princípio da legalidade importa destacar a situação sobre a alegada violação do artigo 661.º do CPC, para dizer que, a nosso ver, o acórdão recorrido manteve-se dentro dos limites de condenação porque se ateve ao objecto do recurso, arrimando-se no artigo 715.º do CPC, pelo que, ao invés de violar, buscou na verdade legitimidade na lei, isto é nas disposições ora referidas e nas demais invocadas ao longo do acórdão recorrido, razão pela qual não consideramos ter havido violação do princípio da legalidade nos termos em que a Recorrente afirma.

Ainda na senda de análise da violação do princípio da legalidade, relativamente a junção obrigatória do processo disciplinar, o Acórdão recorrido justificou legal e doutrinalmente a sua posição a fls. 450-451, escudando-se nos artigos 29.º n.º 3 da Lei n.º 9/81, de 2 de Novembro e 715.º do CPC, explicando que, de facto, foram juntas aos autos as peças mais importantes e bastantes do processo disciplinar que habilitou o Tribunal a conhecer este último e, por isso, não violou os artigos 6.º, 177.º n.º 1, 179.º n.º 1 da CRA e os artigos 17.º e 18.º n.º 2 da Lei n.º 22-B/92, de 9 de Setembro.

Quanto à violação da tutela jurisdicional efectiva pelo facto de o Acórdão recorrido ter considerado improcedente o despedimento e não ter declarado o mesmo nulo, não cabendo a esta instância reapreciar o mérito da questão, entendemos que o Acórdão assim o julgou com base na avaliação que fez da conduta da Recorrente (sua alta ou baixa gravidade) e na livre apreciação/convicção das provas carreadas aos autos, chegando a conclusão que se tratou apenas de uma falta do dever de urbanidade e não de justa causa para despedimento.

O certo é que, não vemos em que medida poderá o direito a tutela jurisdicional efectiva ter sido violada, já que a Recorrente esteve sempre acompanhada de advogado, as instâncias a que recorreu eram as competentes para julgar a causa, exerceu o contraditório em igualdade de armas e obteve respostas as questões suscitadas mediante decisões que foram fundamentadas na doutrina e na lei.

A reintegração, embora não obrigatória, também é possível como via primária no despedimento improcedente, daí que, embora percebamos que a Recorrente veja a nulidade do despedimento improcedente, como meio mais garantístico para tal reintegração, não nos parece justo que se force a mesma, quando a conduta da Recorrente, na óptica do Acórdão recorrido, não foi de gravidade acentuada que justificasse despedimento por justa causa. Outrossim, atento ao artigo 76.º n.º 4 da CRA, quer-nos parecer que não só a reintegração, mas também a justa indemnização é corolário do direito a estabilidade no emprego.

Ainda sobre a violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, desta feita na vertente falta de celeridade processual (artigo 29.º n.º 4 da CRA), A Recorrente alega que tal violação materializou-se pelo facto de ter decorrido mais de 4 anos desde a interposição do recurso até ao acórdão ora recorrido.

Uma afirmação como esta careceria de melhor fundamentação da Recorrente, sobretudo baseada na realidade e condições do sistema judiciário angolano. Assim, considerando as vicissitudes do nosso sistema judiciário parece-nos razoável o prazo para decisão, pelo que, não consideramos ter sido violado o artigo 29.º n.º 4 da CRA.

Quanto à violação da protecção especial das mulheres durante e após o parto, ela insere-se na protecção global da maternidade previstas nos artigos 23.º n.º 1, 25.º n.º 2 da DUDH e 10.º n.º 2 e 11.º n.º 2, al. a) do PIDESC, aplicáveis ex vi dos artigos 13.º e 26.º da CRA e no artigo 246.º da LGT.

Parece-nos não haver dúvidas de que este direito foi efectivamente violado pela empresa para a qual a Recorrente trabalhava, mas não pelo Acórdão recorrido, que embora não apreciando ao detalhe esta questão por considerar despicienda/prejudicada nos termos do artigo 660.º n.º 2 do CPC, acabou decidindo à favor da Recorrente, reconhecendo a improcedência do despedimento e dando razão a Recorrente, pelo que não vemos uma violação directa do Acórdão recorrido a este direito.

Assim sendo, ao contrário do alegado pela Recorrente, o acórdão recorrido de facto fez considerações relativas a obscuridade, ambiguidade, falta de clareza e ininteligibilidade na sua fundamentação, mas não deixou de demonstrar por que razão entendia existir contradição entre os parágrafos 3 e 4, daí que para esta situação culminou com a sanção do artigo 668.º n.º 1 alínea c) e para questão da obscuridade indicou o artigo 669.º do CPC, não havendo qualquer contradição.

Há ainda a considerar que constam efectivamente dos autos peças fundamentais do processo disciplinar, na verdade, constam as peças essenciais que deveriam ser analisadas pelo Tribunal, pelo que, parece-nos não colher a alegação da Recorrente, segundo a qual, “o Tribunal não obstante reconhecer não ter sido junto aos autos pela requerida o processo disciplinar, o que era imprescindível para conhecer o mérito da acção de recurso em matéria disciplinar, não decretou a condenação do pedido”.

Ora, o Acórdão recorrido pronunciou-se de forma clara sobre esta suposta imprescindibilidade justificando doutrinal e legalmente e reconheceu que havia nos autos peças essenciais do processo disciplinar que lhe permitiu conhecer e ajuizar sobre o despedimento.

Quanto a ultrapassagem dos limites de condenação que a Recorrente alega, dizendo que o Acórdão recorrido assim procedeu porque ousou e conheceu questões não suscitadas pela parte interessada que não eram de conhecimento oficioso, em nossa opinião, a Recorrente não pormenoriza em que moldes foram tais limites ultrapassados.

Entretanto, atentos ao Acórdão recorrido e as alegações da Recorrente, não depreendemos a violação dos princípios constitucionais e dos direitos, liberdades e garantias invocados pela Recorrente, termos em que pugnamos pelo não provimento do REI.” 

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional é competente para conhecer do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade interposto pela Recorrente, nos termos da alínea m) do artigo 16.º e do n.º 4 do artigo 21.º ambos da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), assim como das disposições conjugadas da alínea a) do artigo 49.º, bem como da alínea e) do artigo 3.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), com as alterações introduzidas pela Lei n.º 25/10, de 3 de Dezembro.

Ademais, foi observado o pressuposto do prévio esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos nos tribunais comuns, conforme estatuído no parágrafo único do artigo 49.º da LPC, pelo que o Tribunal Constitucional dispõe de competência para apreciar e decidir o presente recurso.

III. LEGITIMIDADE

Têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional “(…) as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC

Assim, sendo a Recorrente é parte no Processo n.º 708/18, que correu termos na Sala de Trabalho do Tribunal Provincial de Luanda e posteriormente, na Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo tem, pois, interesse decorrendo disto a legitimidade para a interposição do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos das disposições combinadas da alínea a) do artigo 50.º da LPC e do n.º 1 do artigo 26.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 2.º da LPC.

IV. OBJECTO

O presente recurso tem como objecto a verificação da constitucionalidade do Acórdão proferido pela Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º 708/18 se este terá de facto violado ou não, os princípios da legalidade, do julgamento justo e conforme, do contraditório, direito a tutela jurisdicional efectiva, direito à celeridade processual e direito a protecção na maternidade e violação dos limites da condenação.

V. APRECIANDO

Resulta dos autos que a Recorrente trabalhou para a empresa LSG Sky Chefs TAAG Angola e que, foi-lhe aplicada a medida de despedimento disciplinar, na sequência da instauração de um processo disciplinar, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 47.º com fundamentos previstos nas disposições combinadas das alíneas d) do artigo 44.º e alínea f) do artigo 206.º da LGT.

Por não se conformar com aquela decisão e, após tentativa de conciliação, a Recorrente interpôs junto da 3.ª Secção da Sala de Trabalho do Tribunal Provincial de Luanda, acção de recurso em matéria disciplinar, requerendo a nulidade do processo disciplinar e da medida disciplinar, do pagamento de salários que deixou de auferir bem como, a reclamação de uma indemnização.

Continuados os autos junto aquela instância, a Meritíssima Juíza relatora do processo despachou a orientar a notificação da entidade empregadora para que, no prazo de 8 dias, apresentasse a sua contestação e o processo disciplinar instaurado contra a Recorrente, conforme atestam os autos de fls. 113, o que fê-lo a fls. 116 a 126 dos autos.

Por decisão do Tribunal a quo, ficou determinado que, pelo facto de a entidade empregadora não ter juntado aos autos o procedimento disciplinar ora impugnado e as peças ordenadas para o efeito, era nulo o despedimento que dali adveio, pelo que condenou a entidade empregadora a reintegrar a Recorrente e a pagar os salários e complementos que esta deixou de auferir. 

Inconformada com a decisão, a entidade empregadora interpôs recurso no Tribunal Supremo que, por sua vez, no âmbito do Acórdão agora posto em crise, a fls. 349-386, julgou procedente o recurso e, em consequência, anulou a decisão proferida pelo Tribunal a quo, condenando a entidade empregadora no pagamento dos salários intercalares e na justa indemnização a que a Recorrente tem direito.

Deste modo, veio a Recorrente a este Tribunal interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade alegando terem sido violados e ofendidos os princípios da estabilidade do emprego, do julgamento justo e conforme e do princípio da legalidade e da protecção na maternidade.

Vejamos, pois, se assiste razão à Recorrente:

a. Quanto à alegada ofensa ao princípio da estabilidade de emprego

A Recorrente, nas suas alegações, refere que o Acórdão recorrido violou o princípio da estabilidade do emprego, previsto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 76.º da CRA, conjugado com os artigos 199.º e 208.º da LGT, que consagram que o despedimento sem justa causa é nulo.

Para garantir a eficácia e protecção dos direitos fundamentais dos trabalhadores, a CRA e a lei preveem um conjunto de regras e formalismos processuais com o objectivo de atender os ditames exigíveis num Estado de direito, especialmente em relação ao respeito e cumprimento dos seus direitos e garantias no âmbito do procedimento disciplinar.

A CRA prevê, de forma clara, as garantias laborais que dizem respeito à estabilidade e à segurança no trabalho, sempre em obediência à chamada dualidade de interesses contrapostos dos sujeitos laborais (empregador e trabalhador), lembrando que o trabalhador sendo a parte mais frágil da relação jurídico laboral e por isso goza de protecção que lhe é atribuída pela CRA.

Porém, não se pode perder de vista que este contrato de trabalho comporta especificidades próprias que decorrem da desigualdade material dos sujeitos jurídicos laborais, suscitando, por isso, uma adequada protecção da parte mais débil.

A constituição laboral impõe que o princípio da estabilidade e da segurança do emprego atenda à necessária coesão, articulação e harmonização, não só dos direitos, liberdades e garantias fundamentais previstos na CRA e na lei, como, também, nas convenções internacionais ratificadas por Angola.

A CRA, ao proclamar os princípios, direitos, liberdades e garantias, coloca no cerne das relações jurídico-laborais, como questão nuclear, o respeito dos direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores e os meios efectivos de defesa e tutela dos seus direitos e interesses.

O alcance e a ratio das disposições legais, supra aludidas, impõe ao empregador a obrigação de atender e decidir, em tempo razoável, a contento da CRA e da lei os pedidos dos trabalhadores com especial realce naquelas situações que têm a sua incidência nos direitos fundamentais basilares, tais como a vida, a saúde, e a integridade física inerentes ao trabalhador, enquanto pessoa humana, como estipula a alínea f) do n.º 1 do artigo 85.º da LGT.

Compulsados os autos, constatou-se que a Recorrente não compreendeu a qualificação jurídica feita pela Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo na medida em que aquele Tribunal na realidade tomou uma decisão favorável a si.

Porém, ao contrário do Tribunal a quo, o Tribunal ad quem considera suficientes as peças do processo disciplinar juntas aos autos, confirmando a legalidade do procedimento disciplinar, pelo que, o despedimento não é nulo mas sim improcedente, fundamentando deste modo a sua decisão a partir de uma premissa distinta da decisão recorrida, dando razão à Recorrente ao afirmar que “(… )julgamos injustificada, imotivada a medida de despedimento disciplinar aplicada, por falta de justa causa, julgando-se, por conseguinte, o despedimento improcedente, nos termos do art.º 209.º da LGT”.

Deste modo, aquele Tribunal condenou a entidade empregadora no pagamento de salários em atraso e na devida indemnização, considerando deste modo que, na adequação da infracção à medida disciplinar aplicada à Recorrente pela Recorrida, esta desconsiderou os princípios da proporcionalidade, da justa medida e da graduação que a CRA e a lei impõem quanto à aplicabilidade das medidas disciplinares.

Como refere Márcia Nigiolela “(…) outra conclusão não será, se não a de que a faculdade de reintegração é uma consequência da obrigação de indemnização, por despedimento ilícito”. Continua, ainda, a autora que “a obrigação de reintegração é justificada pelo princípio geral da obrigação de indemnização constante do art.º 562.º do CC. O obrigado a indemnizar deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga a indemnização. Trata-se aqui da reposição natural”. In Exercício do Poder Disciplinar no Ordenamento Jurídico Angolano, Universidade Católica Editora, 2014, pág. 104.

Com efeito, a entidade empregadora, ao decidir pelo despedimento por justa causa, não teve em atenção os referidos princípios, previstos nos artigos 53.º n.º 1 e 160.º ambos da LGT, bem como o princípio da estabilidade de emprego e o direito à segurança no emprego, previstos no artigo 76.º da CRA, direitos estes repostos pela decisão do Tribunal Supremo.

Deste modo, não assiste razão à Recorrente quanto à alegada ofensa ao princípio da estabilidade do emprego.

b. Quanto à violação do direito a julgamento justo e conforme 

No que diz respeito à violação do direito a julgamento justo e conforme alega a Recorrente que o Tribunal a quo rebuscou soluções sem respaldo legal e alicerçou a sua decisão em peças processuais, por si tidas como fulcrais, mas no entanto, prenhes de vícios e irregularidades insanáveis tais como peças sem assinaturas, peças com páginas incompletas, deficientes, sem observância do rigor legal sem que para o efeito considerasse as menções impostas por lei.

Compulsados os autos podemos depreender que o Tribunal ad quem baseou a sua decisão em provas constantes nas peças processuais apresentadas pela própria Recorrente, ou seja, as constantes de fls. 16 à 30 dos autos, nomeadamente a comunicação de aplicação de medida disciplinar, decisão em processo disciplinar, auto de inquirição de testemunhas, relatório final do processo disciplinar, acta de entrevista e convocatória de entrevista disciplinar.

Dispõe o n.º 2 do artigo 48.º da LGT que constitui requisito de validade da instauração de um procedimento disciplinar a convocatória onde devem constar, de entre outros, a data, o local, a descrição pormenorizada das infracções de que a funcionária vem acusada e a informação de que esta se pode fazer acompanhar por um número determinado de testemunhas.

Conforme assevera Norberto Capeça “a nota de culpa constitui uma peça fundamental do processo disciplinar, na medida em que é esta que determinará a acusação relevante, quer no âmbito do processo disciplinar, quer em sede judicial, numa eventual apreciação da ilicitude do despedimento”. In Os Despedimentos à Luz da nova Lei Geral do Trabalho, Literacia editora, 2021, pág. 184.

Ora, compulsados os autos, as peças processuais a que o Tribunal Supremo se refere foram cedidas pela própria Recorrente em sede da petição inicial no Tribunal a quo para sustentar a sua pretensão, existindo, por isso, prova bastante de que, efectivamente, do ponto de vista dos procedimentos, o procedimento disciplinar decorreu dentro dos limites legais, não existindo nos autos qualquer indício em como tenha havido algum desvio da norma por parte do empregador.

Por este motivo, é que o Tribunal Supremo considerou que “(…) compulsados os autos encontramos peças importantes do processo disciplinar que foram lá postas por alguém…” e mais considera que “Estas são, em nosso entender, as peças processuais do processo disciplinar, fulcrais para que o Tribunal possa pronunciar-se pela validade ou não da medida disciplinar aplicada”.

Portanto, não se entende em que medida é que aquele Tribunal possa ter violado o direito a julgamento justo e conforme, pelo que considera não assistir assim razão à Recorrente em relação à alegada violação do direito a julgamento justo e conforme.

c. Quanto à alegada ofensa ao princípio da legalidade e ao direito à protecção na maternidade 

Alega a Recorrente que a decisão do Tribunal Supremo violou o princípio da legalidade porque o Tribunal a quo, não obstante existir lei expressa que ordena, nas acções de recurso em matéria disciplinar, a junção do processo disciplinar aos autos decidiu contrário à lei.

De igual modo, sustenta ainda a Recorrente que, a decisão recorrida devia gerar a condenação da entidade empregadora no pedido, no entanto, o Tribunal Supremo, assim não entendeu e decidiu contrariando o n.º 1 do artigo 489.º e n.º 1 e 3 do artigo 490.º, na medida em que não se tratava de uma questão de conhecimento oficioso nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil (CPC).

O princípio da legalidade materializa o respeito pela lei, quer em sentido formal, quer em sentido material, pelo que as decisões judiciais devem reflectir a sua conformidade com a lei e, consequentemente, com a Constituição, sob pena da sua validade.

Em obediência ao referido princípio, a apreciação de uma determinada questão deve ser feita sempre recorrendo aos dispositivos legais à disposição do Juiz e que possam sustentar a sua decisão.

Deste modo, andou bem o Tribunal ad quem naqueles que são os limites legais previstos na CRA, tendo em sede da sua decisão e em obediência à lei anulado a decisão recorrida e, em consequência, condenado a entidade empregadora no pagamento de salários em atraso e a justa indemnização, nos termos previstos no artigo 209.º da LGT, pelo que, não procede a alegada violação do princípio da legalidade.

No que diz respeito a violação da garantia constitucional a protecção na maternidade da Recorrente, a sua apreciação por esta Corte Constitucional se afigura despicienda na medida em que tendo o Tribunal Supremo declarado improcedente o despedimento como consequência da decisão tomada, a medida disciplinar aplicada torna-se desprovida de qualquer eficácia e, portanto, inaplicável.

Finalmente, quanto a alegada ambiguidade e obscuridade da decisão da Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, é naquela Corte que a Recorrente deveria ter pedido aclaração da sentença ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 669.º do CPC, o que não o fez.

Nestes termos,

DECIDINDO                        

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional em: negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, manter a decisão recorrida.

Sem custas, nos termos do artigo 15.o da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.

Notifique.

Tribunal Constitucional, em Luanda, 25 de Janeiro de 2023.

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)

Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Dr. Gilberto de Faria Magalhães (Relator) 

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto 

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango

Dra. Maria de Fátima de Lima D’ A. B. da Silva (declarou-se impedida)

Dr. Simão de Sousa Victor  

Dr. Victorino Domingos Hossi