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POR OCASIÃO DO 13º ANIVERSÁRIO DA CONSTITUIÇÃO

Notícia

Veneranda Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional Excelência 1.o Vice-Presidente da Assembleia Nacional;
Venerandos Juízes Conselheiros Presidentes dos Tribunais Superiores Venerando Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional;
Distintos Membros do Executivo Ilustres convidados;
Minhas senhoras e meus senhores Excelências.
Transmito a todos os presentes cordiais saudações de Sua Excelência JOÃO MANUEL GONÇALVES LOURENÇO, PRESIDENTE DA REPÚBLICA, que tenho a honra e o dever de aqui representar nesta sessão que marca a abertura da “semana da Constituição da República de Angola – 2023”, numa altura que se aproxima a data de celebração do 13.o aniversário da nossa Constituição.
Saúdo, em particular, o Tribunal Constitucional e felicito pela iniciativa de realização de mais uma jornada de reflexão sobre a nossa lei-mãe e pelo conjunto de actividades programadas para divulgar as nossas opções constitucionais e contribuir para que os cidadãos melhor conheçam a nossa Constituição e, por consequência, melhor exerçam os seus direitos e cumpram os seus deveres.
Minhas senhoras e meus senhores.
Excelências.
O dia 5 de Fevereiro de 2010 testemunhou o nascimento de uma nova Constituição e com ela a renovação do nosso contrato social, que nos une e vincula perante a mesma Pátria e nos impele a trabalhar para concretizar o descrito no artigo 1º, em minha opinião, o mais importante artigo da Constituição da República de Angola, segundo o qual o nosso objectivo fundamental é “a construção de uma sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso social”.
No dia 5 de Fevereiro de 2010 o povo angolano, através dos seus legítimos representantes, decidiu respeitar e reafirmar a sua história, a sua tradição e a sua cultura, afirmar soberanamente as suas opções e assumir o seu compromisso com o legado para as futuras gerações.
Ao nascer, foi equilibrada nas suas soluções e ousada nalgumas opções. Compreendeu as fragilidades do passado e não teve receio de procurar soluções inovadoras. Não ignorou as experiências de outros Estados, mas nunca abdicou de desbravar soluções destinadas à sua realidade concreta.
Aos 13 anos, é uma Constituição em fase de afirmação. Não podia ser diferente. Resistiu aos testes de nascimento e precisa de resistir aos testes de maturação. Para que seja longeva, como é recomendável, não basta a razoabilidade do seu postulado. É fundamental o equilíbrio na sua aplicação. Tal é reconhecer o papel crucial do Tribunal Constitucional enquanto guardião da Constituição.
Para que resistisse até aqui, era necessário que a Constituição fosse suficientemente programática, orientadora e aberta nos princípios fundamentais, para que desse elasticidade aos programas de concretização. Para que chegasse até aqui, era necessário que fosse abrangente e exigente nos direitos fundamentais, para que o seu cumprimento fosse rigoroso, promovesse a dignidade da pessoa humana e fosse compatível com a ideia de Estado de Direito. Para que se mantivesse viva até aqui, era necessário ousadia, equilíbrio e cautela na organização política e dos órgãos do Estado, para promover um posicionamento institucional saudável e assegurar, sem pestanejar, a essencial estabilidade funcional. Nesses 13 anos de vida, fruto da combinação de vários factores, a Constituição tem sido capaz de assegurar a muito desejada estabilidade política, não se tendo registado qualquer situação relevante de instabilidade institucional a ela imputável. Como referi, tendo resistido aos testes de nascimento, a Constituição precisará agora de resistir aos testes de maturação que as vicissitudes da vida do Estado lhe vão colocar.
Distintos participantes
Excelências
Sem prejuízo da opção por uma Constituição provisória, própria de momentos de transição nos Estados, é intrínseco à ideia de Constituição o objectivo “longevidade”, necessário à ideia de estabilidade do sistema jurídico. Assim é a nossa Constituição. Contudo, não basta ambicionar longa vida. Para perdurar é necessário muito mais.
Para resistir aos testes de maturação e chegar à desejada fase da consolidação da sua identidade, a Constituição da República de Angola, através dos seus aplicadores e dos seus guardiões, precisa de ser capaz de acompanhar as mais relevantes mutações sociais e a evolução da consciência colectiva sobre as suas soluções. Para que não estagne no tempo e acompanhe as dinâmicas sociais, a Constituição requerer soluções judicativo-constitucionais criativas que, sem ignorar a sua letra, à ela não se confinem, e se inspirem na ideia de direito e na necessidade da construção de uma sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso social, como definido no artigo 1º.
O acompanhamento da evolução da consciência colectiva e das mutações sociais exige que a Constituição seja dinâmica, capaz de se adaptar permanentemente.
Por mais ampla que seja a sua legitimidade de base, a Constituição deixa-se “desligitimar” se estagnar as suas soluções no tempo, se se deixar descontextualizar da realidade que regula e se se distanciar dos seus destinatários. Foi esta a razão que justificou a iniciativa de revisão constitucional do Sr. PRESIDENTE DA REPÚBLICA exercida em 2021, 11 anos após a entrada em vigor da nossa lei-mãe. Com a revisão constitucional aprovada pela Lei n.o 18/21, de 16 de Agosto, de entre outros avanços, alargou-se o catálogo de direitos fundamentais, através da consagração do direito de voto aos cidadãos angolanos residentes no exterior do País, clarificaram-se os mecanismos de fiscalização política do Executivo pela Assembleia Nacional, conferindo maior estabilidade, segurança e previsibilidade à relação institucional entre os dois órgãos de soberania, e alargou-se a autonomia do Banco Nacional de Angola, caracterizando-o como uma verdadeira entidade administrativa independente.
Com esta revisão constitucional, conferiu-se dinâmica à Constituição de 2010, mantendo-a viva e aumentando o seu potencial de legitimidade. Sem dinâmica, a Constituição candidata-se a ser ultrapassada e, por consequência, a ser um instrumento meramente semântico, sem qualquer relevância para a vida da comunidade.
Para alcançar a ambicionada longevidade, e para que esta seja uma longevidade activa, a Constituição precisa de ser verdadeiramente normativa com potencial elevado de observância e precisa de estabelecer com os cidadãos uma relação de afinidade.
Por outro lado, em sentido oposto, a longevidade demanda estabilidade. Não se muda de Constituição todos os dias, nem se muda a Constituição todos os dias. Assim o impõem a necessidade de estabilidade, o desejo de previsibilidade e a crença na certeza e segurança jurídicas de qualquer comunidade política.
Não é em vão que a nossa Constituição estabelece, para as revisões ordinárias, um intervalo de pelo 5 anos entre uma e outra.
Portanto, como em muitos domínios da vida, o futuro da Constituição depende muito da nossa capacidade, enquanto aplicadores e destinatários das suas normas, de encontrar equilíbrio. Entre ousadia e ponderação, entre dinâmica e estabilidade e entre vontade de ser e capacidade para ser.
O diálogo entre o cidadão e a Constituição é um emento essencial à subsistência da Constituição. A Constituição não se deve distanciar do cidadão, nem este da Constituição. Porque a Constituição existe para o cidadão. Porque o cidadão precisa da Constituição. Porque não há Constituição sem cidadão.
Devemos, por isso, construir permanentemente uma cidadania activa plena, facultando ao cidadão o acesso à Constituição, ao conhecimento correcto da Constituição e aos diferentes mecanismos de aplicação correcta da Constituição. A aplicação correcta da Constituição impõe, como ponto de partida, a ideia de equilíbrio entre direitos e deveres.
Não é correcta a ideia de Constituição que endeusa os direitos e diaboliza os deveres. Desde logo porque se não houver deveres, pouco espaço haverá para que haja direitos. No adágio segundo o qual “a tua liberdade termina onde começa a minha”, vai subjacente a ideia de correspondência entre direito e dever e da importância de haver dever para que haja direito.
É, pois, justo e oportuno que reconheçamos aqui e agora e importância de actividades como a “semana da Constituição” promovida pelo Tribunal Constitucional. Investir na literacia constitucional do cidadão é investir na relação de simpatia entre o cidadão e a Constituição, requisito importante para que se encontre o ideal entre Constituição e realidade constitucional. E isso deve acontecer desde cedo e deve contar com a utilização de todos os instrumentos adequados.
Também aqui se afigura pertinente enaltecer as iniciativas de se elaborar a “Constituição infantil” e de traduzir a Constituição para diferentes línguas nacionais. Familiarizar desde cedo as crianças com o principal instrumento de organização da sociedade em que estão inseridas é, em si, um direito que as crianças têm. É assegurar o “direito ao futuro”. Futuro das crianças, futuro da Constituição e futuro do Estado.
Assim como cuidar bem das crianças é preparar um futuro melhor para a Nação, ensinar a Constituição às crianças desde cedo, é preparar um futuro melhor para a Constituição.
Ilustres participantes Excelências.
A “Semana da Constituição da República de Angola – 2023” será dedicada à promoção e protecção dos direitos da criança na nossa Constituição, do nosso direito constitucional da criança.
As opções constitucionais respeitantes à protecção da criança são claras, abrangentes, assertivas e programáticas. Uma leitura atenta da Constituição não deixa dúvidas sobre a existência de uma “preocupação constitucional” com a criança.
Em primeiro lugar, a Constituição dedica o artigo 80º exclusivamente à criança. Nele, são consagrados:
• O direito à atenção especial da família, da sociedade e do Estado, os quais devem assegurar a sua protecção contra todas as formas de abandono, discriminação, opressão, exploração e exercício abusivo de autoridade;
• O princípio do superior interesse da criança como forma de garantir o seu pleno desenvolvimento físico, psíquico e cultural;
• A protecção especial à criança órfã, com deficiência, abandonada ou privada de um ambiente familiar normal;
• A obrigatoriedade de o Estado regular a adopção de crianças; e
• A proibição do trabalho de menores em idade escolar.
Por outro lado, em sede de outras normas, a protecção da criança mereceu um lugar de destaque, nomeadamente:
• A obrigatoriedade de o Estado promover medidas para assegurar o “direito à assistência na infância”, prevista no n.o 1 do artigo 77º;
• A protecção dos direitos da criança, nomeadamente, a sua educação integral e harmoniosa, a protecção da sua saúde, entre outros, como prioridade absoluta da família, doa Estado e da sociedade, prevista no n.o 6 do artigo 35º;
• A inclusão nas tarefas fundamentais do Estado da obrigatoriedade de promover políticas que assegurem o acesso universal ao ensino obrigatório gratuito (tendo subjacente as crianças como o seu principal destinatário), previsto na alínea g) do artigo 21º;
• A obrigatoriedade de o Estado realizar investimentos estratégicos no capital humano, com destaque para o desenvolvimento integral da criança, prevista na alínea i) do artigo 21º; e
• A presunção de cidadão angolano de origem o recém-nascido achado em território nacional, prevista no n.o 3 do artigo 9.o.
O enunciado acima não deixa dúvidas sobre pelo menos dois aspectos: primeiro, sobre o interesse da Constituição na protecção da criança como um activo estratégico essencial ao futuro do País; em segundo lugar, da visão constitucional sobre a importância das famílias e da sociedade na concretização de vários direitos das crianças. De facto, o papel da família para a salvaguarda dos direitos constitucionais da criança é fundamental e de difícil substituição.
Contudo, a constitucionalização dos direitos da criança é importante mas pode revelar-se insuficiente se não for acompanhada de acção para a sua concretização. O sucesso deste objectivo depende muito da acção coordenada e integrada entre a família, o Estado e a sociedade como, de resto, enuncia a Constituição.
Para que os direitos da criança enunciados na Carta Magna não sejam letra morta, o Executivo tem elaborado e implementado políticas públicas voltadas para a criança, com foco no seu desenvolvimento integral. Não sendo este o espaço apropriado para um relato exaustivo, não posso deixar de mencionar alguns aspectos que reputo essenciais para a concretização do nosso direito constitucional da criança.
A importância da questão pode, desde logo, ser aferida a partir da análise da pirâmide etária em Angola. Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatísticas, dos cerca de 33 milhões de habitantes, aproximadamente 51% são crianças.
Assim, para assegurar a concretização do postulado constitucional e de vários instrumentos jurídicos internacionais vigentes na República de Angola, foi aprovada a Lei n.o 25/12, de 22 de Agosto, sobre a Protecção e Desenvolvimento Integral da Criança.
De igual modo, para assegurar a protecção integral da criança e salvaguardar o seu crescimento e desenvolvimento saudável, foram aprovados os “11 Compromissos a favor da Criança”, os quais definem um conjunto de tarefas essenciais que devem ser desenvolvidas a favor da criança. Os “11 Compromissos” abrangem a totalidade dos direitos da criança, incluindo os direitos e liberdades civis, ambiente familiar, cuidados alternativos, cuidados básicos, saúde, bem-estar, ensino, lazer, actividades culturais e medidas de protecção social e criminal.
Na última legislatura, no quadro da execução do Plano de Desenvolvimento Nacional 2018-2022, foi implementado o “Programa de Protecção e Promoção dos Direitos da Criança”, o qual permitiu alcançar, entre outros, os seguintes resultados:
• Inserção crianças vítimas de violência nos centros de acolhimento e famílias substitutas;
• Criação de mecanismos para atribuir às crianças e às famílias recursos financeiros no âmbito das transferências monetárias, no domínio do Programa de Combate a Pobreza e do Programa Kwenda;
• Massificação do registo civil à nascença, com vista a garantir o direito de registo ao nascimento;
• Mais de 230 mil crianças matriculadas na classe de iniciação;
• Redução da taxa de mortalidade à nascença para 187 por cem mil nascidos vivos registados;
• Aumento da taxa de cobertura de vacinação das crianças;
• Redução da transmissão do VIH de mãe para filho em 15%.
Em alinhamento com as recomendações da Organização Internacional do Trabalho, o Executivo aprovou o Plano de Acção Nacional para a Erradicação do Trabalho Infantil, como meio de prevenir, combater e erradicar o trabalho infantil. No mesmo sentido, foi recentemente aprovada, através do Decreto Presidencial n.o 285/22, de 5 de Dezembro, a lista de trabalhos proibidos ou condicionados a menores.
Os dados apresentados parecem não deixar dúvidas quanto a duas conclusões: primeiro, a criança constitui uma franja importante da sociedade, a qual o Executivo tem dedicado uma atenção particular. Segundo, não está tudo feito. Há ainda muito a fazer para que os objectivos que ambicionamos no domínio da protecção da criança sejam alcançados.
É igualmente inequívoca a conclusão de que investir nas crianças é preparar um futuro melhor para todos.
Distintos convidados,
Excelências
Termino agradecendo, em nome de Sua Excelência O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, pelo convite que lhe foi endereçado e formulando votos de uma produtiva jornada nesta “semana da Constituição” dedicada à Constituição e às Crianças.
Que o futuro seja risonho para ambas.
Muito Obrigado!