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ACÓRDÃO N.º 856/2023

 

PROCESSO N.º 1073-A/2023
Processo Relativo a Partidos Políticos e Coligações
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

 

I. RELATÓRIO

Suzana Paulo dos Santos, Massamba Januário Monteiro, Pedro Tanda e Jaime Paulo Lando, com os demais sinais de identificação nos autos, vêm impugnar o V Congresso Ordinário do Partido Político FNLA, realizado de 16 a 20 de Setembro de 2021, que elegeu Nimi a Simbi como Presidente desta formação política, com fundamento no artigo 73.º da Constituição da República de Angola (CRA), na alínea j) do artigo 3.º e alínea d) do artigo 63.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC) e do n.º 2 do artigo 29.º da Lei nº 22/10, de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos (LPP), alegando a violação dos Estatutos do Partido Político e da lei.
Para o efeito, os Requerentes formularam o pedido alegando, em síntese, o seguinte:
1. Os Requerentes são militantes do partido FNLA, participaram do V Congresso Ordinário do partido, na qualidade de militantes e candidatos à delegados.
2. O Congresso foi formalmente convocado pela Comissão Nacional Preparatória do V Congresso Ordinário para os dias 16 a 18 de Setembro, subordinado à agenda de trabalho.

3. Acontece que, na fase de preparação do mesmo Congresso, a Assembleia provincial do Uíge, realizada a 4 de Setembro de 2021, estava eivada de vícios.

4. Basta olhar-se para a lista de registo para delegados provinciais, conforme mostra a lista de candidatos, os eleitos não seguiram a regra da precedência, que é uma prática nas eleições na FNLA.

5. Não foi respeitada a ordem de precedência do registo de candidatos a delegados ao V Congresso Ordinário, que é uma prática nos congressos da FNLA.

6. O quadro de apuramento é bem claro, cita: “Com base nesses resultados são convertidos os votos em mandatos de delegado ao congresso, foram eleitos os seguintes irmãos por ordem de precedência”. A ordem de precedência a eleição é sequencial, sempre foi assim na FNLA.

7. Houve uma variação na composição dos eleitos que constavam da lista, conforme podemos averiguar Mbiavanga Sofia n.º 2, Almeida Pedro Moniz Vungo n.º 6, Madalena António n.º 7, Ana Maria Manuel n.º 21, Lopes Cristóvão Domingos n.º 14, Kiazungua António n.º 17 e Kiamunzueto Sungo Ambrósio n.º 19.

8. Na sequência, candidatos como Madalena Sérgio M. António, que ocupava a posição n.º 99, de forma misteriosa, aparece na acta dos apurados na posição n.º 2; da mesma forma, o candidato Joaquim Figueiredo n.º 100 aparece na acta na posição n.º 6; António Manuel Mandumbu, que ocupava a posição n.º 101 aparece na acta na posição n.º 7; Lopes Samuel João, que ocupava a posição n.º 102 na acta aparece na posição n.º 11; o Domingos Fernandes, que ocupava na lista a posição n.º 105 aparece na acta na posição n.º 17; Maziquila João Pedro, que ocupava a posição n.º 106 na lista de candidatos na acta aparece na posição n.º 19.

9. São dados fáceis de identificar e comparar a sua veracidade. Desta feita, foram prejudicados candidatos que certamente iriam votar em outros candidatos, e não no actual Presidente.

10. Em acto contínuo de irregularidades na preparação do Congresso, foram constatados também alguns números de bilhete de identidade que não se encontram na base de dados do registo civil oficioso, mediante consulta do site www.sepe.co.ao , o que leva a presumir que eram falsos.

11. O grupo Ngola Kabangu apresentou à Comissão Preparatória do V Congresso, uma lista de 321 membros do ex-Conselho Político Nacional, assinada por Daniel António Afonso, datada de 23 de Agosto de 2021, conforme Doc. n.º 12, Lot.3, pág. 15, diferente da autêntica assinada por Ngola Kabangu, com a data de 02 de Junho de 2009, conforme Doc. n.º 13, Lot. 2, pág 10.

12. Confrontadas as listas, apurou-se que 125 membros eram verdadeiros e 102 membros ilegíveis. Aliás, o Tribunal Constitucional tem a lista desse órgão saído do Congresso Extraordinário de Novembro de 2007, anulado pelo Acórdão n.º 109/2009, conforme Doc. n.º 14, Lot. 5, pág. 5 e Lot. 6, pág. 4.

13. Ferraz Manuel Neto, Laiz Eduardo, João Roberto Soki e Ndonda Nzinga, ocultaram esses dados importantíssimos para a lisura e transparência na preparação e realização do V Congresso Ordinário viciou o acto de eleição do Presidente, porque o candidato Nimi a Simbi beneficiou do voto de 102 falsos membros do ex-Conselho Político Nacional.

14. As irregularidades foram continuando, tão logo se tomou posse, tal como a alteração da lista dos 27 membros do Comité Central. No dia 29 de Setembro de 2021, o irmão Ferraz Manuel Neto, Presidente do presidium, aparece com outra lista do Comité Central, desta feita violando assim o estatuto e a lei.

15. Nos termos do artigo 17.º da Constituição da República de Angola, no âmbito do seu funcionamento, os partidos políticos devem cumprir cabalmente a Constituição e a lei.

16. Desta feita, a criação dos partidos políticos bem como a sua composição e competência são definidos obrigatoriamente pelo próprio estatuto, conforme estabelece o n.º 2 do artigo 20.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro.

17. Assim, estabelece a alínea b) do n.º 2 do artigo 20.º e o n.º 1 do artigo 30.º do estatuto da FNLA, que compete ao Congresso eleger o presidente do partido e os seus membros do Comité Central, logo não se percebe como membros do comité central tenham sido nomeados e exonerados.
18. Em várias fases do V Congresso Ordinário da FNLA foi, sobretudo, violado o princípio da legalidade previsto no artigo 6.º da CRA e no artigo 20.º do estatuto da FNLA.

19. Nos termos do artigo 280.º do Código Civil, é nulo todo o acto ou declaração viciada, susceptível de produzir efeitos jurídicos. E, no amparo do artigo 286.º do CC, a nulidade é invocável a todo o tempo e por qualquer interessado. As irregularidades da eleição que elegeu o candidato Nimi a Simbi prejudicaram os restantes candidatos apoiados pelos Requerentes, daí o interesse em ver o vício sanado.

20. Entre nós, esta situação não é nova. Temos o Acórdão do Tribunal Supremo proferido sobre o Processo n.º 35/2006 e os do Tribunal Constitucional: Acórdão n.º 09/2009 do Processo n.º 60/2008, Acórdão n.º 543/2019, Acórdão n.º 619/2020 e o Acórdão n.º 681/2021.
Os Requerentes solicitam, por fim, que seja declarada a nulidade do V Congresso do partido FNLA realizado de 16 a 20 de Setembro de 2021.
Ouvido o Requerido o partido político FNLA em sede do direito ao contraditório, o seu Presidente, Nimi a Simbi veio, em síntese, impugnar, nos seguintes termos:
1. Ao contrário das inúmeras inverdades que alegam os Requerentes, Suzana Paulo dos Santos e pares, a convocação do V Congresso Ordinário foi feita no escrupuloso respeito ao Acórdão n.º 681/2021 do Tribunal Constitucional e ao abrigo da alínea r) do n.º 9 do artigo 34.º dos Estatutos da FNLA, aprovados no IV Congresso Ordinário de 2015, que consagram a competência do Presidente do Partido de “convocar ordinária e extraordinariamente o Congresso, ouvido o Comité Central”.

2. No quadro do Acórdão n.º 681/2021, já referido, foram realizados encontros políticos entre a Direcção da FNLA, representada pelo então Presidente, irmão Dr. Lucas Benghy Ngonda e a Direcção afecta ao irmão Eng.º Ngola Kabangu, que produziram consensos que culminaram no reajustamento da Comissão Nacional Preparatória do V Congresso Ordinário do Partido.

3. Nos termos desses consensos – conforme Actas em anexo – os membros do ex Conselho Político Nacional foram equiparados a membros do Comité Central, o que os catapultou a Delegados natos ao V Congresso Ordinário.

4. Os Requerentes identificados nos autos, são parte integrante do processo de preparação, organização e realização do referido Congresso da FNLA, tendo participado como membros efectivos da Comissão Nacional Preparatória do V Congresso, a ponto de Suzana Paulo dos Santos, Massamba Januário Monteiro e Jaime Paulo Lando terem orientado as Assembleias provinciais de Benguela, Moxico e Malanje, respectivamente, para a eleição de Delegados ao Congresso. E todos eles exerceram sua capacidade eleitoral activa.

5. Ademais, como membros efectivos da Comissão Nacional Preparatória do V Congresso Ordinário da FNLA, vez alguma os Requerentes levantaram no decurso das Assembleias Provinciais Electivas, na Mini Plenária ou nas Reuniões Plenárias da Comissão Nacional Preparatória supracitada, questões relacionadas a vícios e irregularidades que agora invocam.

6. A acta dos delegados apurados no articulado 9.º das alegações dos Requerentes, é redondamente falsa porquanto, a verdadeira é aquela que consta do dossier do referido Congresso, remetido pelo Partido ao Tribunal Constitucional, aos 29 de Outubro de 2021, e pelo qual foi aferido e anotado o V Congresso Ordinário da FNLA, a Direcção eleita e os estatutos.

7. O quadro de apuramento da eleição apresentada pelos Requerentes é incompleto, porque não constam as percentagens de votos, o número de Delegados apurados por município, o total dos votos válidos e de delegados apurados, os votos nulos, os em branco e o total de eleitores votantes, o que põe em causa a conversão dos votos em mandatos.

8. Para além da acta eleitoral, a Assembleia Eleitoral Provincial do Uíge, realizada a 04 de Setembro de 2021, produziu também uma acta narrativa, assinada pelos irmãos Adolfo Francisco e Sofia Rodrigues Coelho Francisco, idos de Luanda em representação da Comissão Nacional Preparatória do V Congresso; Pinto Luvumbu e Almeida Pedro Moniz Vungo, ambos dos órgãos Directivos da Província, o que confirma que presenciaram ao acto, cento e setenta e um (171) Delegados.

9. Ora, desses cento e setenta e um (171) militantes inicialmente presentes na Assembleia Electiva Provincial, exerceram a sua capacidade electiva activa, cento e cinquenta e quatro (154), devidamente inscritos no Caderno Eleitoral, de onde resultaram cento e quarenta e nove (149) votos válidos, três (3) nulos e dois (2) em branco, perfazendo o total de cento e cinquenta e quatro (154) votos, com um absentismo de dezasseis (16) inscritos, que saíram antes da eleição e prévia inscrição no Caderno Eleitoral. Dos cento e cinquenta e quatro (154) eleitores inscritos no Caderno Eleitoral, registaram-se a candidatos a Delegados ao V Congresso, cento e seis (106) militantes, conforme o registo dos candidatos a Delegados ao V Congresso Ordinário (vide Doc. 5, Lot. 1) apresentado pelos Requerentes.

10. Dos candidatos acima tratados, foram eleitos vinte e cinco (25) delegados, em conformidade com o universo definido pela alínea q) do artigo 3.º das Normas de representação do V Congresso Ordinário da FNLA, aprovadas pela Comissão Nacional Preparatória do conclave.

11. Em relação a ordem de precedência, peguemos o exemplo emblemático da irmã Madalena Sérgio M. António, que maldosamente os Requerentes alegam que “ocupava a posição 99 do registo de candidatos a Delegados ao Congresso, e de forma misteriosa, aparece na posição n.º 2 da acta dos apurados”. Ora, como a precedência não é em relação ao registo de candidatos a delegados ao congresso, mas em relação à ordem de inscrição por município; é fácil de perceber que Madalena Sérgio M. António apareça como n.º 2 da acta de apurados, porque o município dos Buengas, de onde a irmã é candidata única, vem alistado em segundo lugar.

12. Outrossim, a título de exemplo, o município de Songo inscreveu dezasseis (16) militantes ao registo de candidatos a Delegados ao V Congresso Ordinário da FNLA, mas avançaram apenas os três (3) primeiros inscritos – Domingos Garcia Neves, Manuel Bonga e Pedro Coxe – como consta da Acta Eleitoral.

13. No processo de eleição dos Delegados ao V Congresso, as candidaturas foram em bloco ou por município. Desta feita, os dezasseis (16) municípios do Uíje correspondem a dezasseis (16) candidaturas. Os votos obtidos por cada município, são multiplicados por cem (100) e divididos por cento e quarenta e nove (149) votos válidos, de onde resulta a respectiva percentagem, que a seguir é multiplicada pela quota de vinte e cinco (25) Delegados do Uíje, resultando daí o número de Delegados apurados por município.

14. Assim sendo, a precedência dos Delegados apurados é feita na base do resultado de cada município e de acordo com a sequência/ordem dos nomes dos candidatos de cada município, inscritos no registo de candidatos a Delegados ao V Congresso, convertendo os votos em mandatos, em conformidade com os artigos 5.º, 6.º e 10.º das Normas e Procedimentos para a realização das Assembleias electivas Provinciais dos Delegados ao V Congresso da FNLA.
15. Como é de domínio público, durante o conflito, a Direcção afecta ao irmão Eng.º Ngola Kabangu, realizou dois (2) congressos consecutivos, respectivamente, em 2007 e 2011. Neste contexto, embora não tenham sido aferidas e anotadas pelo Tribunal Constitucional, as duas (2) listas correspondem a dois congressos distintos. De modo que, em termos de doutrina, sempre que se realize um Congresso, os Órgãos de Direcção que passam a vigorar são os que emanam do último conclave. Daí que a lista apresentada por deliberação do Plenário da Comissão Nacional Preparatória do V Congresso Ordinário, pelo irmão Daniel António Afonso – Requerente no Processo que deu lugar ao Acórdão n.º 681/2023 – é aquela referente ao Congresso de 2011.

16. As normas de representação do V Congresso Ordinário estabelecem, no seu artigo 2.º, referente aos Delegados natos que são abrangidos no estatuto de Delegados natos ao V Congresso: a) O Presidente e Secretário-Geral cessantes, b) Os membros do Comité Central cessante, c) Os membros do ex-Conselho Político Nacional.

17. As acusações feitas contra a Coordenação da Comissão Nacional Preparatória do V Congresso Ordinário, composta pelos irmãos Ferraz Manuel Neto, Laizi Eduardo, João Roberto Soki e Ndonda Nzinga, nos articulados 18.º e 19.º das alegações são infundadas, porquanto das Actas das Reuniões Plenárias da Comissão Nacional Preparatória, acompanhadas das respectivas Listas de Presença, provam a participação dos Requerentes na abordagem do assunto em causa.

18. Quanto ao que os Requerentes alegam no articulado 20.º, a única Lista Oficial do Comité Central, é a depositada no Gabinete dos Partidos Políticos do Tribunal Constitucional, através da qual foi realizada a I.ª Reunião do Comité Central, no dia 29 de Setembro de 2021, conforme Lista de Presença em anexo.

19. Os factos apresentados pelos Requerentes, do articulado 3.º ao 20.º, não correspondem com a realidade, porquanto, antes da abertura dos trabalhos do V Congresso, foi feita a verificação de mandatos dos Delegados, a que os mesmos Requerentes foram também submetidos. E ninguém invocou vícios e/ou irregularidades nas referidas Listas, pelo que o V Congresso arrancou e decorreu em conformidade com os Estatutos da FNLA e da lei.


20. Os fundamentos de direito invocados pelos Requerentes não condizem com a verdade, visto que, na preparação, organização e realização do V Congresso Ordinário, foram cabalmente cumpridos os princípios e normas estabelecidos na Constituição da República de Angola, na Lei dos Partidos Políticos e outras leis conexas, facto que levou o Presidente do Tribunal Constitucional a pronunciar – sem oposição – o Despacho de aferição e anotação da Direcção e Órgãos eleitos no V Congresso Ordinário da FNLA.
Em conclusão, o Requerido solicita que a presente acção seja julgada improcedente.
O processo foi à vista do Ministério Público
Colhidos os vistos legais, cumpre agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional tem competência para conhecer processos de impugnação de deliberações de órgãos de partidos políticos ou de resolução de quaisquer conflitos internos que resultem da aplicação de Estatutos e convenções partidárias, conforme as disposições combinadas da alínea c) do n.º 2 do artigo 181.º da Constituição da República de Angola (CRA), do artigo 30.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC) e do n.º 2 do artigo 29.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro – Lei dos Partidos Políticos (LPP).

III. LEGITIMIDADE
Os Requerentes são militantes do partido político FNLA conforme atestam os autos de fls. 81 a 85, tendo assim legitimidade enquanto membros do partido político de cujo conflito interno têm interesse em demandar, e o Requerido tem legitimidade enquanto Presidente do Partido Político FNLA com interesse directo em contradizer, à luz do artigo 26.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º da LPC.

IV. OBJECTO
O objecto do presente processo é verificar a conformidade constitucional, jurídico-legal e estatutária dos actos preparatórios e das deliberações saídas do V Congresso Ordinário do partido político FNLA, realizado de 16 à 20 de Setembro de 2021.

V. APRECIANDO

Os Requerentes vieram a este Tribunal, por considerarem que o V Congresso Ordinário do partido político FNLA é nulo pelo facto de se terem registado, alegadamente algumas irregularidades que colocam em causa a validade do referido acto.

Para o efeito, alegaram que não foi respeitada a ordem de precedência do registo de candidatos a delegados do V Congresso Ordinário, conforme prática nos Congressos da FNLA, tendo a referida irregularidade se verificado na Assembleia Provincial do Uíge, indicando, também em sede das suas alegações, os nomes dos militantes presentes na lista de delegados daquela província e que, no seu entender, tinham dados duvidosos, conforme atestam os autos de fls. 5 e 6.

A Lei Magna define a República de Angola como “um Estado democrático de direito que tem como fundamento… o primado da Constituição e da lei…”, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 2.º da Constituição.
A Lei dos Partidos Políticos obriga as organizações de carácter partidário, a usarem as regras e critérios referentes à observação da democraticidade interna, aliás, normas assumidas pela al. h) do artigo º 4.º e artigo 24.º dos Estatutos da FNLA.

De resto, como comprovam as Actas Eleitorais depositadas no Tribunal Constitucional, em sede do processo de aferição e anotação do Congresso, enquanto membros da Comissão Nacional Preparatória do V Congresso Ordinário, três (dos quatro) Requerentes presidiram as Assembleias Electivas Provinciais dos delegados ao V Congresso Ordinário, designadamente as Assembleias Provinciais de Benguela, Malanje e Moxico.

Ora, partindo do pressuposto que foram parte integrante e testemunhas oculares, o mais lógico, consentâneo e compreensível, seria que levantassem reservas quanto à organização e à forma como decorreram estas Assembleias, já não se podendo aplicar o mesmo em relação à Assembleia Provincial do Uíge em que não tomaram parte, sendo incoerente e indiciadora de alguma má-fé colocar em causa uma Assembleia Provincial da qual não participaram. Note-se que os militantes participantes a Assembleia electiva provincial do Uíge não levantaram a existência de quaisquer irregularidades.

Por outro lado, os aqui Requerentes fazem uma exposição do que consideram terem sido irregularidades ao longo do processo preparatório que culminou com a realização do V Congresso Ordinário da FNLA, mas não conseguem demonstrar em que medida é que as alegadas irregularidades violam as normas estatutárias ou ofendem princípios constitucionalmente consagrados.

Dos autos, torna-se clara a ideia de que os Requerentes fazem uma interpretação errada de como a precedência se aplica em relação a escolha dos Delegados.

Em sede das suas contra-alegações, o Requerido juntou aos autos dois instrutivos essenciais para a compreensão da chamada ordem de precedência, enquanto critério usado pela FNLA, para acesso ao V Congresso Ordinário, nomeadamente: Normas e Procedimentos para a Realização das Assembleias Electivas Provinciais dos Delegados ao Congresso (NPAEP) e Normas de Representação do Congresso (NRC).

Aquando das actividades preparatórias dos Congressos da FNLA, é criada uma Comissão que, de entre outras funções, deve definir o universo dos Delegados a participarem do encontro, conforme as orientações previstas nas normas supra referenciadas.

Dispõe o artigo 1.º das NRC que o universo do V Congresso é composto por 1497 delegados, de entre delegados natos, eleitos pelas Assembleias Provinciais, JFNLA, AMA, Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria, da diáspora e do Bureau Político.

Ao abrigo da alínea q) do artigo 3.º das NRC foram eleitos, pela Assembleia Provincial do Uíge, 25 delegados ao V Congresso Ordinário, conforme acta narrativa junta aos autos a fls. 10, seguindo a orientação prevista no n.º 1 do artigo 1.º das NPAEP, segundo o qual “é eleito rigorosamente o número que corresponda à quota estabelecida pela Comissão Nacional Preparatória do V Congresso” cfr. n.º 3 do artigo 5.º das NPAEP.

Por sua vez, dispõe o n.º 2 do artigo 10 das NPAEP que “Para eleição dos delegados ao Congresso, aplica-se o cálculo percentual, obedecendo-se para conversão dos votos em mandatos, a ordem de precedência”. O n.º 3 do artigo em exame prevê que “A ordem de precedência aludida no número anterior é confirmada através da lista, ou seja, o registo dos candidatos a delegados ao Congresso elaborada por ordem de chegada”, prevendo ainda o n.º 1 do art.º 6.º das NPAEP que “As candidaturas são apresentadas em bloco, através de lista que representa os militantes, inscritos conforme estabelece o n.º 2 do artigo 5.º do presente instrutivo”.

Com efeito, conforme fls. 23 a 25 dos autos, compareceram à Assembleia Electiva Provincial do Uíge 171 militantes e 154 exerceram a sua capacidade eleitoral activa, de onde resultaram cento e quarenta nove (149) votos válidos, três (3) nulos e dois (2) em branco, perfazendo o total de cento e cinquenta e quatro (154) votos, tendo sido eleitos 25 delegados, em conformidade com o universo definido na alínea q) do artigo 3.º das NRC.
Os Requerentes não demonstram em que medida é que as normas referentes à precedência ou mesmo aos estatutos foram violadas pela Comissão Nacional Preparatória do V Congresso Ordinário da FNLA, da qual os Requerentes foram membros efectivos. Não se entende por isso, as razões de o não terem feito em sede dos trabalhos preparatórios de que fizeram parte e não como o fazem agora volvidos mais de 2 anos.
Assim, só se percebe as razões dos Requerentes quanto ao desconhecimento das normas que descrevem os termos em que é efectuada a precedência e ao modo de acesso dos delegados ao V Congresso, caso se conclua ter havido, da parte dos mesmos, um erro de interpretação daquelas ou litigância de má-fé, na medida em que juntaram aos autos dados incompletos e imprecisos, contrariamente ao Requerido, que apresenta dados completos e precisos.

Deste modo, e pelas razões acima expostas, conclui este Tribunal que o Requerido não violou a Constituição da República, a lei, nem as normas estatutárias e demais instrumentos internos que regeram a organização do V Congresso Ordinário do partido FNLA.

Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR PROVIMENTO AO PEDIDO DE NULIDADE E, EM CONSEQUÊNCIA, MANTER A VALIDADE DO V CONGRESSO ORDINÁRIO DA FNLA, REALIZADO DE 16 A 20 DE SETEMBRO DE 2021.
Sem custas, nos termos do artigo 15.o da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique-se.
Tribunal Constitucional, em Luanda, 15 de Novembro de 2023.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Dr. Gilberto de Faria Magalhães (Relator)
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite S. Ferreira
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dra. Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva
Dr. Simão de Sousa Victor
Dr. Vitorino Domingos Hossi