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ACÓRDÃO N.º 864/2023

 

PROCESSO N.º 1079-C/2023
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Peterson Angola, Lda., com os melhores sinais de identificação nos autos, interpôs o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), do Despacho proferido a 20 de Outubro de 2021, nos autos do Processo n.º 508/2017, pelo Juiz Conselheiro da Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo que julgou deserto o recurso interposto da decisão proferida em primeira instância, pela Sala do Trabalho do Tribunal Provincial de Cabinda, que condenou a Recorrente a reintegrar os trabalhadores e a pagar-lhes a devida indemnização.
Do Despacho proferido pelo Juiz Conselheiro da Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, recorreu para esta Corte Constitucional, onde após notificação, nos termos do disposto no artigo 45.º da LPC, a Recorrente, alegou, em síntese, o seguinte:

1. Foi condenada em sede de uma acção de conflito de trabalho que correu termos na Sala do Trabalho do Tribunal Provincial de Cabinda sob o n.º 0138/2011, pelo que, inconformada desta decisão interpôs recurso de apelação junto do Tribunal Supremo e este, por sua vez, julgou deserto o recurso apresentado, por alegada falta de pagamento de custas judiciais devidas pela interposição de recurso.
2. Sucede que o n.º 1 do artigo 292.º do Código de Processo Civil, que serve como fundamento do Despacho do Tribunal Supremo, viola ostensivamente normas e princípios fundamentais consagrados na Constituição da República de Angola (CRA), designadamente, os princípios constitucionais de protecção do direito ao recurso e tutela jurisdicional efectiva e do direito a julgamento justo e conforme, previstos nos artigos 29.º e 72.º, ambos da CRA.
3. A inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 292.º do Código de Processo Civil é clara e inequivocamente defendida pela jurisprudência deste Tribunal, designadamente, exposta nos Acórdãos proferidos nos autos de recurso extraordinário de inconstitucionalidade que correram termos sob os Processos n.ºs 396-A/2013 e 1007-A/2022, os quais determinaram que aquela disposição do Código de Processo Civil – n.º 1 do artigo 292.º, é inconstitucional na parte que sanciona com deserção o recurso por falta de pagamento de custas judiciais, por desatender os princípios constitucionais de protecção do direito ao recurso e tutela jurisdicional efectiva (artigo 29.º da CRA) e do direito a julgamento justo e conforme (artigo 72.º da CRA).
4. A ora Recorrente perfilha in totum o posicionamento assumido por este Augusto Tribunal nos Acórdãos acima aludidos de que “o atraso ou o não pagamento de custas judiciais não deve necessariamente sacrificar o direito fundamental ao recurso nem violar o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva.”
5. O n.º 1 do artigo 292.º do Código de Processo Civil estabelece apenas que a falta de pagamento de custas é causa de deserção dos recursos “nos termos legais”. Tal significa, desde logo, que existe no ordenamento jurídico outras disposições a tomar em consideração que sustentam nestes casos a não deserção do recurso, nomeadamente, o artigo 116.º do Código das Custas Judiciais, quando estabelece que nenhum processo pode seguir em recurso sem estarem pagas ou asseguradas as custas, deixando claro que estas custas podem ser pagas em momento posterior, designadamente, após a admissão do recurso, pois aí se estabelece que admitido o recurso serão contadas e pagas as custas que forem devidas - cfr. artigos 698.º e 725.º, ambos do Código de Processo Civil.
6. Em suma, a lei apenas impede que o recurso siga, não cominando com a deserção a falta de pagamento de custas, pelo que a deserção configura a negação do acesso à justiça. Pois o fundo da causa não chegou a ser analisado pelos tribunais por virtude de um formalismo processual, ou seja, impedimentos relativos ao ritual do processo. Esta situação configura quebra da garantia constitucional de tutela jurisdicional efectiva, o que constitui desrespeito ao estabelecido no artigo 29.º da CRA.
7. A decisão de rejeitar o recurso com o fundamento referido no despacho em referência constitui um condicionamento deste Ilustre Tribunal na garantia constitucional do direito ao recurso, e limita de modo inconveniente, não razoável e perigoso, o conteúdo e a eficácia desta garantia constitucional, prevista no n.º 5 do artigo 67.º da CRA.
8. Acresce que este condicionamento da garantia constitucional do direito ao recurso é inconstitucional, por restringir a universalidade do direito ao recurso e por limitar a sua eficácia e abrangência, muito para além da necessidade, proporcionalidade e razoabilidade estabelecida imperativamente no artigo 57.º da CRA.
9. Ainda a propósito do direito ao recurso, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 154/2012, estabeleceu o entendimento de que «este se apresenta como uma possibilidade do contraditório e da ampla defesa para a implementação da comparticipação processual, dimensão constitucional que decorre de uma derivada lógica do próprio sentimento de salvaguarda de um direito ameaçado ou violado numa decisão e que tem como teleologia assegurar a função de reparação do eventual erro do julgado».
10. E no seu Acórdão n.º 405/2016, o Tribunal Constitucional firma o entendimento de que «Decorre da essência do Estado de direito, não apenas a supremacia da Constituição, como a interpretação conforme a Constituição, o que implica o afastamento das normas em desconformidade com a mesma, quer em sentido formal, quer em sentido material. Daí que não seja permitido a aplicação de normas e interpretações limitativas dos direitos, liberdades e garantias fundamentais. A Constituição, além de reafirmar o Estado Democrático de Direito, veio alargar os direitos, liberdades e garantias, situando-se neste âmbito as garantias a todos os arguidos ou presos consubstanciados no direito de ampla defesa e de recurso, n.º 1, 2 e 6 do artigo 67.º, conjugado com o n.º 1 do artigo 57.º, ambos da CRA».
Em conclusão, a Recorrente alude que:
a) No Despacho ora recorrido o Tribunal Supremo, ao decidir como decidiu, violou ostensivamente normas e princípios fundamentais consagrados na Constituição da República de Angola (CRA), designadamente, os princípios constitucionais de protecção do direito ao recurso e tutela jurisdicional efectiva e do julgamento justo e conforme, previstos nos artigos 29.º e 72.º, ambos da CRA;
b) A inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 292.º do Código de Processo Civil, já foi declarada anteriormente por este Augusto Tribunal, em sede dos Acórdãos proferidos nos autos de recurso extraordinário de inconstitucionalidade que correram termos sob os Processos com os n.ºs 396-A/2013 e 1007-A/2022, os quais determinaram que aquela disposição legal é inconstitucional na parte que sanciona com deserção o recurso por falta de pagamento de custas judiciais, por desatender os princípios constitucionais de protecção do direito ao recurso e a tutela jurisdicional efectiva (artigo 29.º da CRA) e do direito a julgamento justo e conforme (artigo 72.º da CRA);
c) O atraso ou o não pagamento de custas judiciais não deve necessariamente sacrificar o direito fundamental ao recurso nem violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva;
d) A Constituição da República de Angola considera o direito ao recurso como uma garantia constitucional, n.º 6 do artigo 67.º, assim o qualificando como direito fundamental de primeira geração, integrado na categoria de direitos, liberdades e garantias;
e) O condicionamento da garantia constitucional do direito ao recurso, como sucede no caso em apreço, é inconstitucional, por restringir a universalidade do direito ao recurso e por limitar a sua eficácia e abrangência, muito para além da necessidade, proporcionalidade e razoabilidade estabelecida imperativamente no artigo 57.º da CRA.
Termina pedindo que seja dado provimento ao presente recurso e, por via dele, seja revogado o Despacho recorrido por estar desconforme com a Constituição, designadamente os princípios constitucionais de protecção do direito ao recurso e tutela jurisdicional efectiva e do direito a julgamento justo e conforme, previstos nos artigos 29.º e 72.º, ambos da Constituição da República de Angola.
O processo foi à vista do Ministério Público que, em epítome, promoveu o seguinte:
“No caso sub judice a Recorrente contrariamente ao que alega, a deserção do recurso não foi motivada pela falta de pagamento de custas judiciais devidas pela interposição do recurso.
A Recorrente não alegou e do seu requerimento de interposição de recurso não se extrai entendimento suficiente para perceber os fundamentos do recurso.
Nestas circunstâncias não resta ao julgador outra alternativa, senão lançar mão aos artigos 292.º e 690.º, ambos do CPC, julgando deserto o recurso.
Deste modo, não se vislumbra do Despacho recorrido a violação de princípios e direitos alegados pela Recorrente.
Termos em que o Ministério Público pugna pelo não provimento do recurso”.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA
O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade foi interposto nos termos e com os fundamentos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), norma que estabelece o âmbito do recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional, de “sentenças dos demais tribunais que contenham fundamento de direito e decisões que contrariem princípios, liberdade e garantias previstas na Constituição da República de Angola”.
Ademais, foi observado o requisito do prévio esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos, nos tribunais comuns e demais tribunais, conforme estatuído nas disposições conjugadas do parágrafo único do artigo 49.º e do artigo 53.º, ambos da LPC, pelo que dispõe o Plenário do Tribunal Constitucional de competência para apreciar e decidir o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade.

III. LEGITIMIDADE
A legitimidade para o recurso extraordinário de inconstitucionalidade cabe, no caso de sentença, à pessoa que, de harmonia com a lei reguladora do processo em que a decisão foi proferida, possa dela interpor recurso ordinário, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC.
Igualmente, tem legitimidade para recorrer, aquele que, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido, nos termos do n.º 1 do artigo 680.º do CPC, aplicável ao processo constitucional ex vi do artigo 2.º da LPC.
No caso sub judice, a ora Recorrente, enquanto parte no Processo n.º 508/2017, que não viu a sua pretensão atendida, dispõe de legitimidade para recorrer.

IV. OBJECTO
O objecto do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade é o Despacho do Juiz Conselheiro da Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, proferido no âmbito do Processo n.º 508/2017, cabendo ao Tribunal Constitucional apreciar se o mesmo ofendeu princípios ou violou direitos ou garantias fundamentais previstas na CRA.

V. APRECIANDO
É submetida à apreciação do Tribunal Constitucional o Despacho do Juiz Conselheiro da Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo que julgou deserto o recurso por falta de alegações e, por consequência foi declarada extinta a instância, nos termos das disposições combinadas do n.º 1 do artigo 292.º e da alínea c) do artigo 287.º, ambos do CPC.
A Recorrente, nas suas alegações, refere que o n.º 1 do artigo 292.º do Código de Processo Civil, que serviu como fundamento do Despacho do Juiz Conselheiro da Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, viola ostensivamente normas e princípios fundamentais consagrados na Constituição da República de Angola (CRA), designadamente, os princípios constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e do direito a julgamento justo e conforme.
Deste modo, urge apreciar as alegadas ofensas e violações aos princípios e direitos constitucionais que se afiguram pertinentes para a resolução deste caso in concreto.
Impõe-se dissecar, nesse ponto, para melhor evidenciar a apreciação do caso sub examine, que diversamente do que a Recorrente alega, compulsados os autos, a fls. 132 e 142, constata-se que, no caso em equação, a Recorrente foi parte num processo que correu termos na Sala de Trabalho do Tribunal Provincial de Cabinda, tendo sido condenada a reintegrar e a indemnizar os então trabalhadores requerentes, pelo que a referida condenação lhe causou inconformismo e, por conseguinte, interpôs recurso de apelação para o Tribunal Supremo (vide fls. 158).
Visualiza-se a fls. 177 e verso, que o Tribunal ad quem proferiu um despacho, datado de 11 de Outubro de 2017, a fim da então Apelante, aqui Recorrente, apresentar as suas alegações, no prazo de 10 dias, o que não ocorreu.
Dos autos constata-se que no dia 19 de Agosto de 2019, a Recorrente foi devidamente notificada com o fito de indicar o seu domicílio na sede do Tribunal de recurso ou substabelecer mandatário, de acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 253.º e n.º 2 do artigo 255.º, ambos do Código de Processo Civil (vide fls. 181).
Nos autos, a fls. 191, nada verte no que concerne à argumentação da ora Recorrente, segundo o qual a deserção esteja adstrita ao não pagamento das custas judiciais, e sim o oposto, ou seja, ficou demonstrado que a Recorrente não cuidou de indicar o domicílio ora solicitado pelo Tribunal de Recurso, tampouco cuidou de apresentar as respectivas alegações, conforme fls. 181 e 186 dos autos.
Desta feita, por expressa determinação legal, no dia 20 de Outubro de 2021, o Tribunal de recurso proferiu Despacho, julgando deserto o recurso de apelação, conforme fls. 191 dos autos.
Em razão do acima referido, a análise desta Corte Constitucional no caso em apreço, cingir-se-á ao facto de aferirmos se o julgamento de deserção pela não apresentação das alegações, em sede de recurso junto do Tribunal Supremo, constitui ou não violação ao princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e do direito a julgamento justo e conforme.
No que toca ao princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, determina o n.º 1 do artigo 29.º da CRA, que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos”.
O acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, implica que a sentença emanada pelo Tribunal competente obtenha a concretização e que a sentença seja efectivamente executada.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, sobre o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva destacam peremptoriamente, que “(…) inclui, desde logo, no seu âmbito normativo, o direito de acção, isto é, o direito subjectivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional, solicitando a abertura de um processo com o consequente dever ʻdireito ao processoʼ do mesmo órgão de sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada” (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed. revista, Coimbra Editora, 1993, p. 163).
Nesta mesma linha de raciocínio, asseveram Jorge Miranda e Rui Medeiros que “um processo equitativo que assegure efectivamente um direito de defesa, não pode impor às partes prazos para a realização de actos processuais tão curtos que envolvam uma diminuição arbitrária - incluindo por referência a prazos análogos em processos essencialmente semelhantes ou excessiva dos seus direitos de defesa” (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed. revista, actualizada e ampliada, Coimbra, 2010, p. 449).
No que diz respeito ao julgamento justo e conforme vem este consagrado no artigo 72.º da Constituição da República de Angola. De igual modo, regulado no artigo 8.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no artigo 7.º da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.
Do ponto de vista doutrinário, para que o julgamento seja justo e conforme, é imperioso que se verifique o pressuposto da imparcialidade e independência dos juízes, que o julgamento esteja em conformidade com os princípios da equidade e igualdade de armas, que seja atribuído o direito a assistência e ao patrocínio judiciário às partes, no sentido de que estas possam, efectivamente, exercer na íntegra o direito a ampla defesa, o direito ao recurso e que a demanda tramita e seja decidida dentro dos parâmetros estabelecidos na Constituição e na lei.
Outrossim, é jurisprudência desta Corte Constitucional que, “o direito a julgamento justo e conforme é um direito fundamental que visa, essencialmente, concretizar o afastamento dos casos de injustiça e amparar os cidadãos contra intervenções estatais arbitrárias, dando-lhes segurança, para que não sejam privados dos seus direitos e interesses legalmente previstos e protegidos, sem antes enfrentarem um julgamento nos termos da lei vigente” (vide Acórdão n.º 780/2022, em https://tribunalconstitucional.ao/pt/jurisprudencia/acordao).
Frisa-se que a Recorrente, a fls. 216 e verso dos autos, para melhor defender a sua tese traz ao caso controvertido, a fundamentação, qual seja, a inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 292.º do Código de Processo Civil, já declarada anteriormente por este Augusto Tribunal, em sede dos Acórdãos proferidos nos autos de recurso extraordinário de inconstitucionalidade que correram termos sob os Processos n.ºs 396-A/2013 e 1007-A/2022. Mais diz que esta Corte determinou que aquela disposição legal é inconstitucional na parte que sanciona com deserção o recurso por falta de pagamento de custas judiciais, por desatender os princípios constitucionais de protecção do direito ao recurso e a tutela jurisdicional efectiva e do direito a julgamento justo e conforme nos termos dos artigos 29.º e 72.º, ambos da CRA.
Efectivamente, este tem sido o entendimento deste Tribunal sobre a não deserção do recurso pelo atraso ou falta do pagamento das custas judiciais, tendo em vista que as partes podem fazê-lo até ao final do processo, inclusive acrescido das respectivas multas fixadas por lei em caso de mora.
Volvendo ao caso em equação, constatamos que os despachos proferidos pelo Tribunal de recurso, a fls. 161, 171, 177, 181, 186 e 191, gravitaram pela ausência de apresentação de alegações e ao ónus de alegar ao invés do não pagamento de custas judiciais.
É preciso insistir no facto de que a afirmação da Recorrente, segundo a qual o n.º 1 do artigo 292.º do Código de Processo Civil já foi declarado inconstitucional à luz dos Processos n.ºs 396-A/2013 e 1007-A/2023, consubstanciados nos Acórdãos, 393/2016 e 826/2023, é despicienda, porquanto, juntando o dito ao devir, constatamos que o caso sub judice está subjacente ao despacho de deserção em virtude da não apresentação das alegações, e não pelo não pagamento de custas judiciais, como refere a Recorrente.
A este respeito, importa sublinhar a tese defendida por Hermenegildo Cachimbombo, segundo a qual as alegações são peças processuais por via das quais as partes invocam os fundamentos que estão na base do pedido de revisão e indicam o novo sentido que, no seu entender, o tribunal de recurso deve conceder à decisão impugnada, no que ao recorrente diz respeito, bem como os fundamentos e as conclusões da defesa, relativamente ao recorrido. Por seu turno, defende ainda que a “falta de alegação do recorrente é sancionada com a deserção do recurso, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 690.º, mas este ónus não é extensivo ao recorrido” (Manual dos Recursos no Direito Processual Civil Angolano, 2.ª ed., Casa das Ideias, 2017, p. 80).
Esta Corte Constitucional, num caso semelhante à situação em apreço, referiu “(…) no caso sub judice torna-se ilegítimo alegar denegação de justiça, porque, efectivamente, foram os Recorrentes que apresentaram uma manifesta ausência de interesse processual em prosseguir com os autos ao não apresentar as suas alegações, inclusive com prazo suplementar definido” (vide Acórdão n.º 783/2022, disponível em https://tribunalconstitucional.ao/pt/jurisprudencia/acordao).
Ainda no mesmo Acórdão, este Tribunal entendeu que o Juiz não deve substituir-se ao Recorrente no cumprimento do ónus de promoção do andamento do processo, pois, ao fazê-lo, coloca em causa os princípios da imparcialidade e da necessidade do pedido.
Entrementes, situações há, que esta Corte Constitucional, em homenagem ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, tem atendido a casos em que os Recorrentes não apresentam as suas alegações, em cumprimento do disposto no artigo 45.º da LPC, a título de exemplo o Acórdão n.º 691/2021, disponível em https://tribunalconstitucional.ao/pt/jurisprudencia/acordao, que refere ipsis verbis: “por uma questão de economia processual e de forma a salvaguardar o direito ao recurso quando haja ausência de alegações de recurso ou quando das alegações apresentadas não se consiga extrair a fundamentação do recurso, deve-se aproveitar o requerimento de interposição do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, sempre que deste se possa extrair a pretensão do Recorrente”.
Entretanto, compulsados os autos constata-se, efectivamente, que a Recorrente não apresentou as suas alegações junto do Tribunal Supremo e, ademais, do requerimento de interposição de recurso de fls. 158, não seria possível aquela instância judicial extrair a pretensão da Recorrente relativamente às motivações do recurso.
Pelo que, é entendimento do Tribunal Constitucional, que andou bem o Tribunal ad quem ao aplicar o n.º 1, in fine, do artigo 292.º, conjugado com o n.º 2 do artigo 690.º, onde se assevera que, na falta de alegações, o recurso deve ser julgado deserto e, por consequência, extinta a instância, de acordo com a alínea c) do artigo 287.º, todos do Código de Processo Civil.
Assim, dilucidada a questão nos termos ora narrados, esta Corte Constitucional considera que, efectivamente, o Aresto recorrido não afronta o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, constante do artigo 29.º, tampouco viola o direito a julgamento justo e conforme, preceituado no artigo 72.º, ambos da Constituição da República de Angola.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR NÃO SE VERIFICAR QUAISQUER OFENSAS AOS PRINCÍPIOS DO ACESSO AO DIREITO E TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA E DO DIREITO A JULGAMENTO JUSTO E CONFORME.

Custas pela Recorrente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Julho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique-se.
Tribunal Constitucional, em Luanda, 05 de Dezembro de 2023.

OS JUIZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente e Relatora)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Dr. Gilberto de Faria Magalhães
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva
Dr. Simão de Sousa Victor
Dr. Vitorino Domingos Hossi