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ACÓRDÃO N.º 866/2023

 

PROCESSO N.º 1060-D/2023
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Fernando Joaquim Capurata, melhor identificado nos autos, veio ao Tribunal Constitucional, nos termos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão proferido no âmbito do Processo N.º 1722/18 da 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, de 04 de Setembro.
O Recorrente foi julgado e condenado em primeira instância, por um crime de Roubo Qualificado, p.p. pelo n.º 2 do artigo 435.º do Código Penal (CP), em vigor à data dos factos, um crime de Atentado ao Pudor, p.p pelo artigo 391.º do CP e um crime de Detenção, Uso e Porte Ilegal de Arma de Fogo, p.p pelo artigo 9.º e 123.º do DL n.º 3778, de 22 de Novembro de 1967, na pena única de 10 anos de prisão maior e multa de 1 (um) ano, à razão de Kz 40.00 (quarenta Kwanzas) por dia e no pagamento de uma indemnização de Kz 200 000,00 (duzentos mil Kwanzas) e Kz 119 000,00 (cento e dezanove mil Kwanzas) à ofendida, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais.
Da referida decisão, o Digno Magistrado do Ministério Público do referido Tribunal interpôs recurso, por imperativo legal, nos termos dos artigos 473.º § único e do n.º 2 do artigo 647.º, ambos do CPP.
Subidos os autos ao Tribunal ad quem, o Digno Magistrado do Ministério Público, em sede da vista, promoveu no sentido de agravar a pena nos seguintes termos:
“Da prova produzida, parece-nos ser de perfilharmos a qualificação jurídica, operada pelo Tribunal “a quo”. Entretanto, consideramos que a pena de 10 anos de prisão maior aplicada ao réu Fernando Joaquim Capurata, pela prática do crime de Roubo Qualificado, p. p pelo artigo 435.º nº2. Do C.P.P, se afigura branda, pelo que;
Tratando-se de um crime ao qual corresponde a moldura penal abstracta de 20 a 24 anos de prisão maior e,
Atendendo à gravidade dos factos, à intensidade do dolo e o grau de culpabilidade, bem como a personalidade delinquente do agente, conjugado com o facto das agravantes que pesam contra o mesmo, estarem em número e peso superior à única atenuante que sufragamos, 19ª (natureza reparável do crime), promovo que seja este facto revisto, devendo o réu Fernando Joaquim Capurata, ser condenado a uma pena mais grave, não inferior ao mínimo da pena abstrata acima referenciada”.
Nestes termos, o Tribunal Supremo agravou a pena concreta, de 10 para 16 anos e 6 meses de prisão maior. Ou seja, o Acórdão recorrido reformulou a pena em desfavor do réu.
Não se conformando com a decisão, o Recorrente interpôs o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, tendo apresentado as suas alegações onde, em síntese, veio invocar a violação do princípio da proibição da reformatio in pejus, na medida em que, por força do recurso interposto pelo Ministério Público, por imperativo legal, junto do Tribunal a quo, lhe foi aplicada uma pena mais severa;
De igual modo, alega não ter sido notificado da promoção do Ministério Público junto do Tribunal Supremo, onde se solicitava a agravação da pena que lhe havia sido aplicada, violando, assim, os princípios da legalidade, da pena mais favorável, da ampla defesa e do contraditório, previstos nos artigos 6.º, 67.º, 72.º e 174.º, todos da Constituição da República de Angola (CRA).
O Recorrente pugna pelo provimento do recurso e revogação do Acórdão recorrido por o considerar inconstitucional.
O processo foi à vista do Digno Magistrado do Ministério Público que, em síntese, se pronunciou no sentido de se dar provimento ao recurso, porquanto, tendo havido parecer do Ministério Público no sentido de tal agravação da pena na 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, estava obrigada, nos termos do n.º 2 do § 1.º do artigo 667.º do CPP, vigente à data da decisão, a notificar o Recorrente, do referido parecer, para se pronunciar a respeito e não o fez, violando, assim, os princípios da ampla defesa e do contraditório, da legalidade e do julgamento justo e conforme.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar, para decidir.

II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) e do § único do artigo 49.º e do artigo 53.º, ambos da Lei n.º 3/08, 17 de Junho, - Lei do Processo Constitucional (LPC), bem como das disposições conjugadas da alínea m) do artigo 16.º e do n.º 4 do artigo 21.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, - Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), tendo sido esgotada a cadeia de recursos ordinários.

III. LEGITIMIDADE
Nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, (LPC), têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional "as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.
O Recorrente é arguido no Processo n.º 1722/18, tendo sido proferida decisão contra si, pelo que tem direito de interpor recurso, segundo dispõe a alínea b) do 1.º do artigo 463.º do CPPA.

IV. OBJECTO
O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade tem por objecto o Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 1722/18, de 04 de Setembro, da 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, cabendo, agora, verificar se tal decisão violou ou não os princípios ou direitos constitucionalmente consagrados.

 

V. APRECIANDO
No caso sub judice, veio o Recorrente invocar que o Acórdão recorrido violou os princípios da proibição da reformatio in pejus, previsto no artigo 667.º do CPP, da legalidade, do contraditório e o direito à defesa, por falta de notificação do réu da promoção do Ministério Público no sentido de agravar a pena, nos termos dos artigos 6.º, 67.º, 72.º e 174.º, todos da CRA, sendo, pois, estas as questões que cabe decidir. Ora vejamos:
O presente recurso resulta do facto de o Recorrente ter sido condenado numa pena mais grave à aplicada na 1.ª Instância, por força do recurso interposto pelo Digno Magistrado do Ministério Público, sendo este, por imperativo legal.
Acto contínuo, o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Supremo emitiu o seu parecer, solicitando a agravação da pena com fundamento na alteração da qualificação jurídica da conduta do Recorrente.
Por via disso, o Tribunal Supremo julgou procedente o recurso e, condenou o Recorrente numa pena mais grave.
Como se vislumbra, todos os princípios que o Recorrente alega terem sido violados pelo Tribunal ad quem encontram-se em estreita ligação, pois resultam de um mesmo facto, a saber, a ausência de notificação do recurso interposto pelo Ministério Público junto Tribunal a quo, corroborado pela vista do Ministério Público junto do Tribunal Supremo.
Assim sendo, de modo a garantir uma melhor sistematização, passaremos a apreciação dos referidos princípios de forma coligada.

1. Sobre a violação do princípio da proibição da reformatio in pejus
O princípio da proibição da reformatio in pejus constitui um elemento que enforma todo o processo penal e que se traduz na proibição de reforma da sentença para pior, no sentido de, em recurso, a pena aplicada ao arguido não poder ser agravada.
Significa que a sentença não pode ser modificada em prejuízo do arguido, na classe e extensão das suas consequências jurídicas, quando somente tenha recorrido o arguido, o seu representante legal ou o Ministério Público no seu interesse. Com isto, pretende-se lograr que ninguém se abstenha de interpor recurso por receio de ser punido de modo mais severo na instância seguinte.
Como assevera Jorge de Figueiredo Dias “A proibição representa não apenas uma consequência do princípio da acusação, mas um autêntico reforço de toda a estrutura acusatória do processo penal. E um reforço, deve acrescentar-se, que não põe em causa a incidência subsidiária do princípio da investigação, mas pelo contrário, a favorece na medida em que, incentivando os recursos do arguido ao eliminar o passeio deste de ver agravada a pena, permite a apreciação de facto relativamente a um maior número de sentenças reputadas e justas pelos condenados” (Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1984, p. 259).
Esta regra radica da própria estrutura acusatória do processo penal e constitui uma garantia básica do direito do arguido ao recurso de sentença condenatória, ao preveni-lo contra o risco de uma decisão mais gravosa do tribunal superior. Sem essa proibição, o exercício do direito ao recurso envolveria sempre e, inevitavelmente, um risco, pela incerteza da decisão a proferir pelo tribunal superior, que poderia funcionar como elemento gravemente dissuasor do uso desse direito, que é um direito fundamental do arguido.
No nosso ordenamento jurídico o princípio da proibição da reformatio in pejus previsto no artigo 667.º do CPP, em vigor à data dos factos, onde se estipula que, interposto recurso ordinário de uma sentença ou acórdão somente pelo réu ou pelo Ministério Público no exclusivo interesse da defesa, o tribunal superior não pôde, em prejuízo de qualquer dos arguidos, modificar na sua espécie ou medida as sanções constantes da decisão recorrida (ainda que não recorrentes).
Desta norma, depreende-se que o tribunal de recurso está limitado na possibilidade de condenar em pena superior, sempre que o Ministério Público não recorra ou o faça no exclusivo interesse do réu.
“Ao Ministério Público compete fundamentalmente defender a legalidade e a ordem jurídica em geral, a realização correcta do direito penal substantivo e pugnar por sentenças justas. Se, no seu entendimento, o réu merecer ser absolvido ou sofrer pena mais benévola do que aquela que lhe foi aplicada pela sentença proferida, o seu dever é recorrer dessa sentença, não obstante a posição de acusador Público que desempenha no processo penal. Mais importante que a condenação do réu é a efectiva realização (realização material e não apenas formal) da justiça penal” (Vasco Grandão Ramos, Direito Processual Penal – Noções Fundamentais, p. 401).
“O instituto da proibição da «reformatio in pejus» tem como objectivo fundamental realizar a justiça material e tornar mais efectivo o direito de defesa gravemente comprometido pelo natural temor do réu de, ao recorrer da uma sentença que considera injusta para o tribunal superior, ver por este agravada a pena e, consequentemente, aumentada a injustiça” (ibidem p. 403).
A norma do artigo 667.º do CPP contém excepções, isto é, não se aplica o princípio da proibição da reformatio in pejus, quando o tribunal superior qualificar diversamente os factos ou quando o Ministério Público junto do tribunal superior se pronunciar, no seu visto inicial, pela agravação da pena, nos termos do § 1 do n.º 1 do artigo 667.º conjugado com os artigos 447.º e 448.º do CPP, em vigor à data do Acórdão, quer a qualificação relativa à incriminação quer às circunstâncias modificativas da pena, devendo, no entanto, em tal situação, notificar o arguido para que possa exercer o contraditório e garantir o direito à ampla defesa.
Dito isto, é mister afirmar que o Aresto recorrido não violou o princípio da proibição da reformatio in pejus, porque o recurso foi interposto pelo Ministério Público junto do Tribunal a quo e não o fez no exclusivo interesse do Recorrente.

2. Sobre a violação dos princípios da legalidade, do contraditório e do julgamento justo e conforme
A evolução histórica permitiu considerar que a ideia da legalidade libertou o conceito dos grilhões de mera noção de primado da lei, transpondo-o para um patamar que exige, hoje, uma perfeita sintonia com os conceitos de legitimidade e licitude, naturalmente, reconhecendo e celebrando a supremacia normativa do texto constitucional como corolário do próprio Estado democrático e de direito.
“Nenhum órgão ou agente da administração pública tem a faculdade de praticar actos que possam contender com interesses alheios senão em virtude de uma norma geral anterior” (João Melo Franco e Herlander Antunes Martins, Conceitos e Princípios Jurídicos da Doutrina e na Jurisprudência, Coimbra, 1983, p. 566).
Assim, o princípio da legalidade, entre os princípios gerais, é um dos mais destacados, porquanto submete a sujeição de todos à ordem jurídica estabelecida como um apanágio do próprio Estado de Direito, na medida em que todos os actos devem obedecer, rigorosamente, ao estabelecido na lei; isto é, impõe a exigência de que os actos jurídicos se mantenham nos estritos limites daquilo que a lei expressamente autoriza ou determina.
Como refere Gizela Gordin Ramos “É possível afirmar então que, hoje, a legalidade compreende não apenas a relação do poder com a lei estabelecida, o que só pode ser medido dentro dos limites do direito positivado mas, para além destas fronteiras, representa sobretudo a compatibilidade com um determinado sistema de valores eleitos pela sociedade” (Princípios Jurídicos, pp. 408 e 409).
No âmbito do direito penal, faz-se aqui uma interpretação “a contrario sensu” do brocardo latino nullum crimen sine lege. “O princípio da legalidade obriga o Ministério Público, na sua actividade de promotor processual, a determinar-se, exclusivamente, por critérios de natureza legal” (Vasco Grandão Ramos, Direito Processual Penal – Noções Fundamentais, p. 799).
No caso concreto, o Requerente alega ter sido violado o princípio da legalidade na estrita medida em que não foi notificado da promoção do Ministério Público que requereu o agravamento da pena, quando tal obrigação decorre expressamente da lei, como vinha previsto nos parágrafos 1 e 2 do artigo 667.º do CPP, em vigor à data dos factos.
“Quando o Ministério Público junto do tribunal superior, ao ser-lhe dada vista do processo, se pronunciar pela agravação da pena, aduzidos os fundamentos, será então notificado o réu para responder no prazo de 8 dias” (ibidem p. 402).
A consagração do princípio da legalidade preserva um dos fundamentos essenciais do Estado de direito, enquanto põe a justiça penal a coberto de suspeitas e tentações de parcialidade e arbítrio. Se fosse possível aos órgãos públicos encarregados do procedimento penal apreciar da «conveniência» do seu exercício e omiti-los por «inoportuno», avolumar-se-ia o perigo do aparecimento de influências externas, da ordem mais diversa, na administração da justiça penal e, mesmo quando tais influências não lograssem impor-se, o perigo de diminuir (ou desaparecer) a confiança da comunidade na incondicional objectividade daquela administração, esvanecer-se-ia.
Se bastante não fosse, tenha-se presente que,
“o princípio da legalidade vem ligar-se a uma máxima tão importante como a igualdade na aplicação do direito e a ganhar, assim, directa incidência jurídico-constitucional. Ele contém a directiva dirigida ao titular público da acusação, de que exerça os poderes que a lei lhe confere sem atentar no estado ou nas qualidades da pessoa, ou nos interesses de terceiros – ressalvadas, naturalmente, as limitações derivadas dos pressupostos processuais ou de condições de aplicabilidade no próprio direito penal substantivo. Por isso mesmo se afirma também neste contexto, com razão, que o princípio da legalidade defende e potencia o efeito da prevenção geral que está e deve continuar ligado não unicamente à pena, mas à toda administração, a justiça penal” (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, pp. 128-129).
Como corolários necessários do princípio da legalidade, surgem os princípios do contraditório e da ampla defesa e o direito a julgamento justo e conforme.
Importa salientar que o princípio do contraditório e da ampla defesa são indissociáveis, sendo certo que a vinculação do contraditório representa, absoluta possibilidade de impugnar acusações ou, qualquer tipo de vinculações e interpretações a determinados factos, de modo a evitar sanções.
O princípio do contraditório e da ampla defesa, confere aos litigantes, em qualquer tipo de processo, e aos acusados em geral, garantias, meios e recursos a eles inerentes. Pois,
“Por ampla defesa entende-se a garantia que é dada ao acusado de trazer para o processo todos os elementos que possam de alguma forma esclarecer a verdade, quer seja garantindo-se ao réu o acesso a um defensor ou na inquirição de testemunhas.
O contraditório se insere dentro do princípio da ampla defesa, pois é a exteriorização desta, através do qual a parte opõe-se a direito perseguido por outrem, ou lhe dá uma versão diferente ou, ainda, fornecendo uma interpretação jurídica diversa daquela pretendida pelo autor” (Paulo Mascarenhas, Manual de Direito Constitucional, p. 77).
A ampla defesa confere à pessoa acusada o direito de conhecer previamente os factos que lhe estão imputados, ser ouvida a respeito, sendo o contraditório a relação dialética que se estabelece entre as afirmações feitas por uma das partes no processo e as alegações contrastadas pela outra. Assim, se pode concluir que o contraditório constitui o meio ou o instrumento técnico para a efectivação da ampla defesa.
“Em toda a acusação deve ser assegurado um direito de defesa tão amplo como o direito de acusação e de uma posição processual e pré - processual equiparada, quanto possível, à do acusador;
O sentido e o conteúdo do princípio do contraditório e da ampla defesa, é a tradução das velhas máximas audiatur et altera pars e com especial atenção ao papel da defesa que se consubstancia no seguinte: nemo potest inauditu damnari.
“O princípio do contraditório e da ampla defesa é, em relação ao princípio do inquisitório, a “forma” de esclarecimento e elaboração do objeto processual. O que não significa, porém, é claro, que não basta o apelo ao princípio para ver contida na sua violação uma nulidade principal e, na verdade, insanável” (Ac. do STJ de 6-12-1972, BMJ 222/336).
Atendido isto, o princípio do contraditório e da ampla defesa, opõe-se, decerto, a uma estrutura puramente inquisitória do processo penal em que o juiz possa proferir a decisão sem previamente confrontar o arguido com as provas que contra ele haja recolhido, diferentemente do nosso sistema jurídico que é de carácter acusatório e a não notificação ao Recorrente, do parecer do Digno Magistrado do Ministério Público, violou este princípio estruturante do processo penal, na medida em que não se deu oportunidade ao réu de se defender, violando, deste modo, uma norma imperativa prevista no artigo 667.º do CPP em vigor à data da prolacção do Acórdão recorrido, do n.º 1 do artigo 67.º, do artigo 72.º e do n.º 2 do artigo 174.º, todos da CRA, onde se impõe a obrigatoriedade dessa notificação, para que o Recorrente pudesse defender-se convenientemente.
Verificada a violação dos princípios da legalidade, da ampla defesa e do contraditório, natural e objectivamente, foi violado o princípio do julgamento justo e conforme a lei, na medida em que não se observou o rito próprio de um julgamento onde o Recorrente pudesse apresentar, convenientemente, a sua defesa face ao parecer do Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal ad quem em que requereu o agravamento da pena aplicada pelo Tribunal a quo e, sobre esta matéria, existe jurisprudência firmada neste sentido, prevista nos Acórdãos n.ºs 491/2018, 524/2018, 600/2018, 639/2020 e 782/2022, deste Tribunal Constitucional, todos passíveis de consulta em https://tribunalconstitucional.ao/pt/jurisprudencia/acordao.
Como ensina José Joaquim Gomes Canotilho: “ Os princípios tratam do acesso ao Judiciário, que postula não apenas que seja reconhecida a possibilidade de ajuizar uma acção, ou apreciar uma defesa sem lacunas, mas também que esse direito possa ser exercido com efectividade e eficiência, o que significa de um lado, garantir ao cidadão o direito à informação jurídica ao patrocínio técnico, e de outro, não criar nenhum obstáculo à sua atuação enquanto parte num processo judicial” (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7. Ed, 2008, Coimbra, Almeida, p. 1165).
Destarte, da não notificação ao réu do parecer do Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Supremo, que pugnou pela agravação da pena, dúvidas não restam que foram, efectivamente, violados os princípios da legalidade, da ampla defesa e do contraditório, assim como do julgamento justo e conforme, pelo que procede o presente recurso, devendo os autos baixar à 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo para efeitos de notificação ao Recorrente da vista do Ministério Público, para exercício do contraditório, seguindo-se os actos subsequentes, nos termos do n.º 2 do artigo 47.º da LPC.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: DAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, POR VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA E DO JULGAMENTO JUSTO E CONFORME, DEVENDO OS AUTOS BAIXAR AO TRIBUNAL SUPREMO, PARA EFEITOS DO DISPOSTO NO N.º 2 DO ARTIGO 47.º DA LPC.
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique-se.
Tribunal Constitucional, em Luanda, 06 de Dezembro de 2023.

OS JUIZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Dr. Gilberto de Faria Magalhães
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite S. Ferreira
Dr. Simão de Sousa Victor
Dr. Vitorino Domingos Hossi (Relator)