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ACÓRDÃO N.º 867/2023

 

PROCESSO N.º 1087-C/2023
Processo Relativo a Partidos Políticos e Coligações (Recurso para o Plenário)
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

A Comissão Instaladora do Congresso Unido Democrático de Angola – CUDA, melhor identificada nos autos, aqui representada pelo seu Coordenador, o senhor André Ngoma A. Alice, veio interpor o presente recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional do Despacho da Juíza Conselheira Presidente, proferido a 12 de Junho de 2023 que rejeitou o seu pedido de inscrição e cancelou o seu credenciamento.

O aludido Despacho tem como fundamento a não apresentação pela Comissão Instaladora do CUDA, ao Tribunal Constitucional, dos elementos essenciais definidos para a inscrição do Partido, conforme dispõe a alínea b), do artigo 16.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos (LPP), designadamente:

a) O mínimo de 7.500 assinaturas válidas, em obediência ao disposto no n.º 1 do artigo 14.º da LPP;

b) O mínimo de 150 assinaturas válidas para as províncias do Bengo, Benguela, Cabinda, Cuando Cubango, Cuanza-Norte, Cuanza-Sul, Cunene, Huambo, Huíla, Lunda-Norte, Malanje, Namibe, Uíge e Zaire, conforme o n.º 1, in fine, do artigo 14.º da LPP;

c) As fichas de inscrição suportadas por fotocópias de Bilhetes de Identidade ilegíveis e caducados, contrário ao que dispõe a alínea d) do n.º 2 do artigo 14.º da LPP;

d) As fichas de inscrição suportadas por atestados colectivos e individuais de residência com prazo de validade expirados, contrário ao disposto na alínea g), do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 14.º da LPP.

A Recorrente, inconformada com o Despacho de rejeição, interpôs o presente recurso para o Plenário deste Tribunal, alegando, no essencial, que:

1. A Comissão Instaladora do CUDA foi constituída a 13 de Maio de 2022, por Despacho da Juíza Conselheira Presidente.

2. Apresentou 10 012 assinaturas recolhidas nas 18 províncias do País.


3. À partida, o Tribunal Constitucional não atribuiu aos membros da Comissão Instaladora o credenciamento provisório, nos termos do estabelecido no artigo 12.º da LPP, para facilitar a obtenção de atestados de residências e outros documentos exigidos pelas administrações municipais.


4. A Juíza Conselheira Presidente, ao não ter atribuído credenciamento provisório aos membros da Comissão Instaladora, prejudicou, sobremaneira, o andamento, recolha e recepção dos documentos para a inscrição do CUDA, violando, assim, o princípio da igualdade previsto no artigo 23.º da CRA.

5. A Comissão Instaladora, no dia 4 de Julho de 2023, foi notificada do Despacho da Veneranda Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional que rejeitou a sua inscrição e, consequentemente, cancelou o seu credenciamento.

6. A notificação do supra mencionado Despacho de rejeição deveria ter sido feito no dia 20 de Junho de 2023, nos termos do que estabelece o n.º 2 do artigo 15.º da LPP, o que só aconteceu mais de 15 dias depois.

7. O Tribunal Constitucional não fez uma análise adequada às assinaturas recolhidas nas 18 províncias.

8. Não compreende como é que os atestados de residência, colectivos ou individuais ou os cartões de munícipes passados pelas autoridades administrativas locais têm prazo de validade diferentes, de 30, 45, 60, 90 e 95 dias úteis, quando deveriam ter um prazo uniforme.

9. Existe muita burocracia nas administrações públicas e, por isso, a responsabilidade da caducidade dos documentos não pode ser da Comissão Instaladora.

10. Os atestados colectivos de residência, em Luanda, emitidos a 6 de Janeiro de 2023, apesar de caducados foram aceites pelo Tribunal Constitucional, o que não se verificou com os documentos emitidos nas administrações das províncias do Bengo, Bié, Cabinda, Cuanza-Norte, Cuanza-Sul, Cunene, Malanje, Namibe, Uíge, Cuando Cubango e Zaire.

11. Na verdade, as assinaturas que o Tribunal Constitucional considera serem ilegíveis podem ser supríveis com os números de assinaturas remetidos ao Tribunal.

12. Ao Tribunal Constitucional foram remetidas 10 012 assinaturas e destas, 1 247 ilegíveis e 8 765 por confirmar.

13. Assim sendo, fazendo uma comparação com as assinaturas que foram entregues pelo CUDA, denota-se a existência de contradição nos números de assinaturas que o Tribunal Constitucional confirma ter recebido, porquanto, para a província de Benguela foram apresentadas 340 assinaturas e o Tribunal Constitucional confirmou 491 (mais 151); Cuanza Norte 708, confirmadas 1 075 (mais 367) e na província do Huambo apresentadas 243 e confirmadas 334 (mais 91).

14. Neste diapasão, questiona os números superiores apresentados pelo Tribunal Constitucional.

Termina afirmando que não está de acordo com o Despacho da Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional, pelo facto do citado Despacho de rejeição conter discrepância, violar o artigo 55.º da Constituição e a Lei dos Partidos Políticos. Em consequência, requer a anulação da Decisão recorrida por falta de fundamentos.

O Processo foi à vista do Ministério Público que, resumidamente, pronunciou-se nos seguintes termos:

Ora, atendendo aos fundamentos das alegações e compulsados os autos, verifica-se, após apreciação minuciosa da conformidade dos documentos apresentados ao Tribunal, que o Recorrente apresentou 9.790 fichas de subscrição, das quais apenas 1.136 assinaturas estão conformes.

O número de 1.136 subscrições válidas não satisfaz a exigência mínima de 7.500 subscrições estabelecida no n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro.

Sendo assim, o Despacho da Veneranda Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional, de fls. 45 dos autos, que rejeita a inscrição do projecto político Congresso Unido Democrático de Angola, com a sigla CUDA, não violou o artigo 55.º da CRA nem o n.º 3 do artigo 14.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro – Lei dos Partidos Políticos conforme alegou a Recorrente.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.


II. COMPETÊNCIA

Nos termos conjugados do n.º 2 do artigo 14.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos (LPP), das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 63.º e do n.º 1 do artigo 64.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), compete a este Tribunal Constitucional credenciar as comissões instaladoras e inscrever partidos políticos mediante despacho do Juiz Presidente.

Ao abrigo do n.º 1 do artigo 18.º da LPP, cabe recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional do acto do Presidente do Tribunal Constitucional que ordene ou rejeite a inscrição de um partido político.

A Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), refere, na sua alínea i) do artigo 16.º (com a redacção dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 24/10, de 3 de Dezembro – Lei da Alteração à Lei n.º 2/08), que ao Tribunal Constitucional compete, em geral, administrar a justiça em matéria jurídico-constitucional, nomeadamente (…) verificar a legalidade na formação de partidos políticos e de coligações de partidos políticos, bem como declarar a sua extinção, nos termos da Lei dos Partidos Políticos.

É, pois, competente o Plenário do Tribunal Constitucional para apreciar e decidir sobre o presente recurso.

III. LEGITIMIDADE

A Comissão Instaladora do CUDA, enquanto parte vencida, é a interessada em que o Plenário aprecie o seu pedido, pelo que, nos termos do n.º 2 do artigo 18.º da LPP, tem legitimidade para interpor o presente recurso.

IV. OBJECTO

O presente recurso tem por objecto verificar se o Despacho da Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional, proferido aos 12 de Junho de 2023, que rejeitou a inscrição da Comissão Instaladora do Congresso Unido Democrático de Angola e, consequentemente, determinou a extinção da sua Comissão Instaladora, violou ou não a Constituição e a Lei.

V. APRECIANDO

A Constituição da República de Angola, para a formação de partido político consagrou como princípios basilares o da liberdade e da livre iniciativa. Significa, porém, que apenas podem ser constituídos no quadro do Estado Democrático de Direito e devem funcionar de acordo com as regras democráticas. Com efeito, na sua constituição, estes princípios são restringidos por alguns pressupostos legais, designadamente possuir carácter e âmbito nacionais.

Fazendo um enquadramento geral do presente processo, nota-se claramente que a questão de fundo que se coloca é a de saber que razões assistem à Recorrente relativamente aos argumentos invocados, em face da Constituição da República de Angola (CRA) e da lei.

Desde logo, é importante reter que a Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos (LPP), estipula no n.º 1 do artigo 14.º que a inscrição de um partido político é feita a requerimento de, no mínimo 7.500 cidadãos maiores de 18 anos e no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, devendo, entre os requerentes, figurar, pelo menos, 150 cidadãos residentes em cada uma das 18 províncias que integram o país.

Na sequência, o n.º 2 do citado artigo estabelece a exigência de entrega de um conjunto de documentos que, imperativamente, devem ser apresentados ao Tribunal Constitucional apensos ao requerimento de inscrição de um partido político. Assim, os cidadãos que requeiram a inscrição de um partido político devem remeter ao Tribunal Constitucional os documentos enumerados de forma taxativa e cumulativa no sobredito artigo, dentre os quais, enfatiza-se, as fotocópias dos bilhetes de identidade ou dos cartões de eleitor dos 7.500 cidadãos subscritores e os respectivos atestados de residência.

Deste modo, não restam quaisquer dúvidas de que o processo de inscrição de um partido político é formal e rege-se pelos princípios da legalidade, da tipicidade, da taxatividade e da representatividade mínima, os quais impõem a escrupulosa obediência aos ditames legais, formais e materiais.

a) Sobre a verificação do Preenchimento dos Requisitos Formais

A Comissão Instaladora do CUDA apresentou ao Tribunal Constitucional um total de 9 790 fichas de subscrição, das quais 1 136 assinaturas conformes e 8 654 não conformes, como ilustra o quadro enunciado abaixo:

 

PROVÍNCIA

CONFORME

NÃO CONFORME

Bengo

0

309

Benguela

0

491

Bié

290

177

Cabinda

0

657

Cuando Cubango

0

354

Cuanza-Norte

0

1 075

Cuanza-Sul

0

248

Cunene

0

1 805

Huambo

0

334

Huíla

0

222

Luanda

262

252

Lunda-Norte

57

103

Lunda-Sul

228

37

Malanje

0

498

Moxico

299

476

Namibe

0

174

Uíge

0

422

Zaire

0

1 020

TOTAL

1 136

8 654

 

Como se pode verificar, das 8 654 subscrições consideradas não conforme, 3.233 contêm fichas de inscrição suportadas por fotocópias de bilhetes de identidade ilegíveis e caducados bem como atestados colectivos e individuais de residência com prazos de validade expirados.

Assim sendo, afere-se que a Comissão Instaladora do CUDA só preencheu os requisitos legalmente estabelecidos, isto é, de representação do número mínimo de 150 assinaturas válidas, em quatro províncias, nomeadamente do Bié (290), Luanda (262), Lunda-Sul (228) e Moxico (299).

Sobre esta questão, a Recorrente, mesmo depois de lhe ter sido concedido um prazo suplementar de três meses, não conseguiu apresentar as assinaturas necessárias nas restantes 14 províncias do País. Todavia, optou por apresentar argumentos sem qualquer sustentação legal e que não se enquadram no âmbito das competências do Tribunal Constitucional, quando lhe foi concedido mais tempo para corrigir tais irregularidades.

Ora, sob essa lógica de compreensão, não assiste razão à Recorrente, porquanto, a falta de preenchimento deste requisito essencial, isto é, o número mínimo exigível quer a nível nacional, quer a nível provincial, é fundamento bastante para considerar a improcedência do pedido de inscrição, pois, não obstante as irregularidades apontadas em geral, o número total válido de subscritores apresentados pela Comissão Instaladora é de 1 136, quando a lei exige um mínimo de 7 500 assinaturas válidas.

De acordo com as disposições conjugadas da alínea a) do n.º 2 do artigo 17.º da CRA e do artigo 5.º da LPP, os partidos políticos devem possuir carácter e âmbito nacionais.

É por causa desta obrigação jurídico-constitucional e legal que os partidos políticos devem fazer prova, no momento da sua inscrição, da recolha válida e fiel de assinaturas de subscritores das dezoito províncias do país, com vista a validação das respectivas subscrições. Porém, a Recorrente incumpriu esse imperativo legal.

Importa assinalar que, em termos de direito comparado, Djalma Pinto assevera que: No Brasil, o surgimento do partido político ocorre com o registo do ato constitutivo – ata de fundação, (…). Bem como a relação dos fundadores – no cartório de Registo Civil das Pessoas jurídicas (…).

Da posse da certidão do inteiro teor do registo, expedida por seu oficial, passam os fundadores a articular a adesão dos eleitores para satisfação da exigência do apoiamento mínimo, necessário para a constituição definitiva da agremiação.
Obtido o apoiamento mínimo, devem os dirigentes partidários buscar o registo do estatuto do partido no TSE, através de requerimento, acompanhado dos seguintes documentos (…).

A comprovação do apoiamento mínimo de eleitores é feita através da assinatura de cada eleitor, com indicação do número de seu título, em listas organizadas para cada zona, sendo a veracidade das respectivas assinaturas e o número dos títulos eleitorais atestados pelo Escrivão Eleitoral. (Direito eleitoral: Improbidade administrativa e responsabilidade fiscal – noções gerais, 5. Ed. – São Paulo: Atlas, 2010, pp. 106 a 108).

Ora, como facilmente se pode extrair, também noutros ordenamentos jurídicos se estabelecem formalidades assentes no cumprimento de requisitos essenciais para a constituição de partidos políticos.

b) Sobre a Ilegibilidade e Caducidade das Fotocópia dos Bilhete de Identidade

Relativamente à esta questão, a Recorrente, por um lado, limita-se a alegar que o Tribunal Constitucional não fez adequada análise de confrontação e autenticidade das quantidades de assinaturas recolhidas por cada província, por outro, argui que a ilegibilidade e caducidade poderiam ser supridas com o número de assinaturas enviadas ao Tribunal.

Após à apreciação técnico-jurídica da conformidade legal dos documentos apresentados pela Comissão Instaladora do CUDA, esta Corte Constitucional constatou a existência de um total de 9 790 fichas de subscrição, sendo 1 136 conformes e 8 654 não conformes, número inferior a 7 500 subscrições válidas e legalmente exigíveis para efeito de inscrição de partido político, nos termos do artigo 14.º da LPP.

Ademais, a LPP obriga a apresentação cumulativa de fotocópias de bilhetes de identidade, declaração expressa de aceitação assinada por cidadão maior de 18 anos de idade e atestados de residência, conforme estabelece o n.º 1 e as alíneas d), e) e g) do n.º 2 do artigo 14.º da LPP. Daqui decorre que a validação das subscrições (assinaturas) depende, cumulativamente, dos atestados de residência e das fotocópias dos bilhetes de identidade, de modo a servir de prova inequívoca de que os cidadãos apoiantes expressaram a vontade de ver constituído o partido político nas 18 províncias em que se encontram, e não apenas em certas localidades ou regiões do país (vide n.º 1 e alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º e as alíneas d) e g) do n.º 2 do artigo 14.º, ambos da LPP).


c) Sobre a Caducidade dos Atestados Colectivos e Individuais de Residência

A propósito desta questão, a Recorrente alega que o fundamento do Despacho de rejeição, de que as fichas de inscrição foram suportadas por atestados colectivos e individuais de residência, com prazos de validade expirados, não tem razão de ser, porquanto, na sua óptica, as alíneas d) e g) do n.º 2 e o n.º 3 do artigo 14.º da LPP não se referem à caducidade ou a prazos de validade dos atestados de residência, quer colectivos quer individuais.

Porém, resulta do artigo 14.º da LPP, que o requerimento de inscrição de um partido político deve estar acompanhado dentre outros, de fotocópias dos bilhetes de identidade ou do cartão de eleitor dos 7 500 cidadãos requerentes, bem como dos atestados de residência válidos. Refira-se que o atestado de residência pode ser obtido pela competente autoridade administrativa dos órgãos locais do Estado, por via de uma declaração, por averbamento no verso da ficha de inscrição, ou pela competente autoridade administrativa dos órgãos municipais do Estado (atestado individual de residência). Contudo, tais documentos, ou seja, a declaração, o averbamento e o atestado individual de residência deverão estar datados e autenticados pelas mesmas entidades que o emitam. Entretanto, malgrado a Recorrente não logrou cumprir com os requisitos estabelecidos nas alíneas d) e g) do n.º 2 do artigo 14.º da LPP.

Acresce-se, ainda que das suas alegações extraem-se outros argumentos prolixos sem quaisquer fundamentos legais, vejamos:

Quanto à aceitação de atestado de residência expirado, a Recorrente alega que o atestado colectivo de residência, emitido a 6 de Janeiro de 2023, na província de Luanda, não obstante caducado, foi aceite pelo Tribunal Constitucional, o que não se verificou com os documentos emitidos nas administrações das províncias do Bengo, Bié, Cabinda, Cuanza-Norte, Cuanza-Sul, Cunene, Malanje, Namibe, Uíge, Cuando Cubango e Zaire.

Apesar desta afirmação não corresponder à verdade, percebe-se que a Recorrente tinha ciência da caducidade dos atestados colectivos de residência que apresentou ao Tribunal Constitucional, emitidos pelas administrações provinciais do Bengo, Bié, Cabinda, Cuanza-Norte, Cuanza-Sul, Cunene, Malanje, Namibe, Uíge, Cuando Cubango e Zaire. Contudo, nada fez para corrigir tais inconformidades.

Efectivamente, do total de fichas de subscrição entregues ao Tribunal Constitucional registou-se uma discrepância com a lista anexa à declaração colectiva (atestado de residência colectivo). Esta constatação efectuada no decurso da análise técnico-jurídica do processo está alinhada com a que foi verificado pelos serviços administrativos do distrito urbano da Maianga que, através de ofício entregue a este Tribunal pela própria Recorrente, informava que houve um lapso na contagem das assinaturas, mantendo a declaração colectiva em vigor até à emissão de outra com o número correcto. Foi por esta razão que o Tribunal Constitucional validou as assinaturas da província de Luanda.

Contudo, relativamente à certificação da autenticidade dos documentos emitidos pelos órgãos da Administração Local do Estado, é entendimento deste Tribunal que se deve seguir a jurisprudência constitucional já perfilhada e sedimentada nos Acórdãos n.ºs 500/2018 e 370/2015, sob pena de violação flagrante dos princípios da legalidade, da igualdade material e da segurança jurídica.

Por outra parte, a Recorrente alega que não compreende como os atestados de residência, colectivos e individuais, ou os cartões de munícipes passados pelas autoridades administrativas locais podem ter prazo de validade diferente, de 30, 45, 60, 90 e 95 dias úteis, quando deveriam ter um prazo uniforme.

Quanto a este aspecto, cabe frisar que esta questão não se insere na competência do Tribunal Constitucional, ou seja, o Tribunal não tem funções político-administrativas, por isso não se pode atribuir a responsabilidade pela morosidade da atribuição dos atestados de residência e cartões de munícipes quando, em boa verdade, para atenuar tais efeitos a Recorrente poderia lançar mãos de outros mecanismos legais para acautelar os seus direitos junto desses órgãos.

Relativamente à atribuição de credenciamento provisório, alega, ainda, a Recorrente, que o Tribunal Constitucional violou o princípio da igualdade, por não ter atribuído credenciamento provisório aos membros da Comissão instaladora, nos termos estabelecidos no artigo 12.º da LPP.

Na verdade, com esta afirmação a Recorrente expressa que está completamente equivocada, porquanto, o legislador não consagrou na Constituição, nem na lei a figura do “credenciamento provisório”. Ou seja, esta forma de credenciamento é inexistente e, como tal, seria promover a insegurança jurídica caso o Tribunal assim procedesse.

In casu, esta conduta da Recorrente é reveladora do seu desconhecimento quanto ao iter procedimental formal e material de processo de constituição de partido político que exige que a sua inscrição seja feita no Tribunal Constitucional, competindo ao Presidente a aceitação ou rejeição nos termos consignados na lei.

Nesta medida, a constituição de partido político inicia-se com um procedimento preliminar, isto é, a indicação de uma comissão instaladora composta de 7 a 21 membros que se ocupam, no geral, dos actos preparatórios da organização do partido para efeito de registo, nos termos do artigo 12.º da LPP, seguindo-se a prática de demais actos previstos na lei cujo cumprimento não foi atendido pela Recorrente.

Assim, a Comissão Instaladora do CUDA viu a inscrição do seu projecto político rejeitada e cancelado o seu credenciamento, por Despacho de 12 de Junho de 2023, proferido pela Juíza Conselheira Presidente, junto aos autos.

Sobre esta matéria, destaca-se Adlezio Agostinho que quanto ao formalismo processual de credenciamento e inscrição dos partidos políticos, afirma: “no caso de incumprimento das formalidades exigíveis, o Juiz Presidente deverá indeferir o pedido de credenciamento” (Manual de Direito Processual Constitucional, Edições Académicas, AAFDL Editora, 2023, p. 790).

Face ao exposto supra e das provas arroladas, é entendimento deste Tribunal que:

1. A obrigação de recolher assinaturas por parte dos cidadãos que pretendem constituir um partido político, tem como fundamento a necessidade dos partidos possuírem um substracto de aceitação popular em todo o território nacional.

2. O número mínimo de 7.500 assinaturas é a base legal de concretização da aceitação a nível nacional da constituição de um partido político.

3. O Tribunal Constitucional aprecia o cumprimento destes requisitos legais mediante a verificação dos atestados de residência dos cidadãos, bem como das fichas de subscrição, em cada circunscrição territorial.

4. Para este efeito, a LPP estabelece na alínea g) do n.º 2 do artigo 14.º que os cidadãos que requeiram a inscrição de um partido político devem juntar ao pedido, o atestado de residência dos subscritores como forma de comprovar o cumprimento do disposto no artigo 5.º do mesmo diploma legal.

5. Ficou provado através dos documentos apresentados pela própria Recorrente que os requisitos essenciais para a constituição do CUDA como partido político não foram por si observados.

Destarte, tendo em linha de conta o disposto no artigo 14.º da LPP que estabelece os requisitos necessários para constituição de um partido político, estes devem ser observados cumulativamente, porquanto a falta de um deles, implica o não reconhecimento do direito requerido, pelo que bem decidiu a Juíza Conselheira Presidente ao exarar o Despacho recorrido, nos termos da alínea b) do artigo 16.º da citada Lei.

Portanto, como ficou demonstrado e fundamentado, os requisitos que determinam a admissão ou rejeição do pedido de inscrição de um partido político, são os previstos na CRA e na LPP. Neste contexto lógico, é indubitável que o Despacho recorrido assentou o seu juízo de mérito observando o disposto nos referidos diplomas legais.

Pelo exposto, este Tribunal conclui que o Despacho de rejeição da inscrição do CUDA, com fundamento na “falta dos elementos essenciais” para a sua constituição, nos termos da alínea b) do artigo 16.º da LPP que, em consequência, decretou o cancelamento da sua Comissão Instaladora, está em conformidade com a CRA e com a lei, concretizando a garantia da legalidade.

Assim, resulta evidente e irrefutável que não existe violação da Constituição, da Lei, nem situações de injustiça ou inverdades que lesem os direitos, liberdades e garantias constitucionais da Recorrente, tal como a mesma, inadvertidamente, pretende fazer crer nas suas alegações.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA RECORRENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, MANTER O DESPACHO RECORRIDO.

Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique-se.
Tribunal Constitucional, em Luanda, 06 de Dezembro de 2023.

OS JUIZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) Declarou-se impedida.

Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Dr. Gilberto de Faria Magalhães
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite S. Ferreira (Relatora)
Dr. Simão de Sousa Victor
Dr. Vitorino Domingos Hossi