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ACÓRDÃO N.º 871/2024

 

PROCESSO N.º 1000-B/2022
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

 

I. RELATÓRIO

Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo «Os Tocoístas», com os demais sinais de identificação nos autos, veio ao Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho –- Lei do Processo Constitucional (LPC), interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão prolactado pelo Tribunal Pleno e de Recurso do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º 85/19.

A Recorrente havia interposto, por não conformação, recurso de agravo para o Tribunal Pleno e de Recurso do Tribunal Supremo, da decisão proferida pela Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro daquele Tribunal, que, em autos de Recurso Contencioso de Impugnação de Acto Administrativo, impetrado pela Igreja Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo «Os Tocoístas» (12 Mais Velhos), declarou nulo o Despacho n.º 396/15, proferido pelo Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, que unificou as três denominações religiosas tocoístas previamente reconhecidas no ordenamento jurídico angolano, em 1992 (fls. 161 a 178 dos autos).

Apreciados os autos, o Tribunal Pleno e de Recurso do Tribunal Supremo decidiu negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida, por ter havido, por parte do Estado angolano, ingerência no campo religioso ao ter exarado o referido Despacho, sem que, para o efeito, houvesse consenso entre os interessados, dado que ficou provado nos autos que a Igreja Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo «Os Tocoístas» (12 Mais Velhos) não teve qualquer intervenção no processo que culminou com a sua extinção, não tendo sido, sequer, notificada para, no âmbito do procedimento administrativo, manifestar a sua intenção de ser integrada noutra confissão religiosa.

Nesta Corte, notificada a Recorrente para apresentar alegações, veio, a fls. 383 a 394, fundamentar a sua pretensão na seguinte ordem de considerações, em síntese:

1. Em 2015, pretendendo reunificar a Igreja Tocoísta, a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo, «os Tocoístas», decidiu, em comunhão com as duas outras denominações, no âmbito das suas liberdades, por meio dos seus legítimos representantes, requerer a unificação da igreja, integrando as recentes denominações à primeira, tendo permanecido assim, a denominação única Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo – os Tocoístas.

2. Tal acto mereceu o devido tratamento junto do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, que, por meio do Despacho n.º 396/15, de 16 de Novembro, deu provimento à referida solicitação, que mereceu posteriormente o respectivo registo junto da Conservatória dos Registos Centrais.

3. Inconformada, a denominação “Os 12 Mais Velhos” manifestou novamente a sua vontade de desassociar-se da aqui Recorrente, impugnando o referido Despacho junto do Tribunal Supremo, que julgou procedente a sua pretensão.

4. A decisão do Tribunal “a quo” repristinou o Decreto Executivo n.º 14/92, de 10 de Abril, que havia licenciado as três “alas” ou “divisões” religiosas que foram objecto de unificação pelo Despacho impugnado.

5. O Decreto Executivo n.º 14/92, de 10 de Abril, que autoriza a criação de várias igrejas com a mesma denominação não se conforma com os preceitos jurídico-legais respeitantes à denominação das pessoas colectivas, especificamente das igrejas, na medida em que o mesmo viola a imposição legal de abstenção geral de criação de denominação religiosa susceptível de gerar confusão com outras denominações já existentes, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 39.º da Lei n.º 12/19, de 14 de Maio, Lei Sobre a Liberdade de Religião e de Culto, razão pela qual nunca deveria o supracitado decreto executivo ser repristinado por um Acórdão.

6. O facto de a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo «Os
Tocoístas» ter sido criada e legalmente autorizada ao exercício de culto religioso anteriormente às demais denominações acima mencionadas, faz de si legítima detentora da denominação em causa, isto em obediência ao princípio legal prior in tempore potior in iure, cabendo-lhe, assim, o exercício do direito de imposição de abstenção geral de criação de uma denominação que seja passível de confusão.

7. Há uma clara violação ao direito à liberdade religiosa. O douto Acórdão macula de forma indelével o direito constitucional à identidade das pessoas, previsto no artigo 32.º da CRA.

8. A Recorrente, por ter sido registada em 1974, adquiriu o direito de deter, em regime de exclusividade, a denominação adoptada, pois que, a existirem as duas denominações, uma exercerá sobre a outra clara concorrência parasitária.

9. Tais decisões violam o direito constitucional à identidade, previsto pelo artigo 32.º da CRA, uma vez que as mesmas permitem a existência de várias denominações religiosas de extrema semelhança, causando assim um grosseiro atropelo à Constituição e à Lei e, consequentemente, maculam o direito da Requerente à titularidade do uso singular e exclusivo de tal denominação, razão pela qual deve o mesmo ser revogado e ser atribuído o uso exclusivo da denominação religiosa em causa à Recorrente.

10. O douto Acórdão, bem como as suas aclarações, aqui recorridos, estão ainda eivados de inconstitucionalidade por desconformidade com os preceitos constitucionais constantes do artigo 6.º da CRA, pois, conforme preceitua o mesmo, no seu n.º 3, o critério de validade dos actos do Estado e dos seus órgãos é a sua conformidade com a Constituição e com a Lei, facto que não se verificou no caso dos autos.

11. Outrossim, o douto Acórdão e as suas aclarações actuam em grosseira e flagrante desconformidade com a norma constitucional do artigo 41.º, no que concerne à liberdade de organização religiosa sem a intervenção do Estado ou dos seus órgãos. Ora, o Tribunal ao decidir, conforme decidiu, promoveu uma ingerência indevida e inconstitucional do poder público nos assuntos internos da Recorrente.

Termina, assim, pedindo que seja dado provimento ao presente recurso e, em consequência, se julgue inconstitucional a decisão recorrida.

O Processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) e do § único do artigo 49.º, e do artigo 53.º, ambos da LPC, bem como das disposições conjugadas da alínea m) do artigo 16.º e do n.º 4 do artigo 21.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC).

 


III. LEGITIMIDADE
Nos termos do disposto na alínea a) do artigo 50.º da LPC, conjugado com a alínea a) do artigo 84.º do Decreto-Lei n.º 4-A/96, de 5 de Abril (Regulamento do Processo Contencioso Administrativo), em vigor à data dos factos, dispõe a Recorrente de legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, por ter ficado vencida no Processo n.º 85/19, que correu os seus termos no Tribunal Pleno e de Recurso do Tribunal Supremo.

IV. OBJECTO
O presente recurso tem como objecto analisar se a decisão do Tribunal Pleno e de Recurso do Tribunal Supremo, prolactada no âmbito do Processo n.º 85/19, que confirma a decisão da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro daquele Tribunal e julga improcedente o recurso interposto, é inconstitucional por violar a liberdade de religião e o direito à identidade pessoal.

V. APRECIANDO
O aresto revidendo, o Acórdão do Tribunal Pleno e de Recurso do Tribunal Supremo, proferido no âmbito do Processo n.º 85/19, que confirmou a decisão da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro daquele Tribunal, que declarou nulo o Despacho n.º 396/15, de 16 de Novembro, do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, por considerar que a unificação e extinção de uma confissão religiosa, operada pelo acto administrativo em causa, sem o consentimento de uma das partes interessadas, constitui uma intromissão ilegal na esfera religiosa, vedada ao Estado por imposição do princípio constitucional da laicidade e, consequentemente, repristinou o Decreto Executivo n.º 14/92, de 10 de Abril, do Ministério da Justiça.

O Decreto Executivo n.º 14/92, de 10 de Abril, exarado pelo Ministério da Justiça e publicado em Diário da República n.º 15, I Série, reconheceu as Igrejas: a) Igreja Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo – «Os Tocoístas» (12 Mais Velhos); b) Igreja Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo – «Os Tocoístas» (Anciãos Conselheiros da Direcção Central); e, c) Igreja Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo – «Os Tocoístas» (18 Classes e 16 Tribos).

Por sua vez, o Despacho n.º 396/15, de 16 de Novembro, publicado em Diário da República n.º 158, I Série, tinha derrogado expressamente o aludido Decreto, unificando as confissões religiosas acima referidas, fundamentando que as igrejas têm o mesmo fundador, origem, natureza, missão específica, usam a mesma denominação e manifestaram expressamente a sua vontade de congregação (fls. 32 dos autos).

Por tais razões, irresignada, entende a Recorrente que, ao se ter declarado nulo o aludido Despacho e repristinado o Decreto Executivo n.º 14/92, de 10 de Abril, que reconhece as três confissões religiosas tocoístas como igrejas autónomas e independentes entre si, a decisão recorrida ofende a liberdade de religião e o direito à identidade pessoal.

a) Sobre a violação do direito à liberdade de religião

A liberdade de religião vem prevista no artigo 41.º da Constituição da República de Angola (CRA), sob a epígrafe “Liberdade de consciência, de religião e de culto”, que consagra três direitos distintos, mas entre si conexos: a liberdade de consciência, traduzida essencialmente na faculdade de escolher os próprios padrões de valoração ética e moral de conduta; a liberdade de religião, como sendo a liberdade de adoptar ou não uma religião, de escolher uma determinada religião, de fazer proselitismo num sentido ou noutro, de não ser prejudicado por qualquer posição ou atitude religiosa ou anti-religiosa; a liberdade de culto, como uma dimensão da liberdade religiosa dos crentes, compreendendo o direito individual ou colectivo de praticar os actos externos de veneração próprios de uma determinada religião.
O reconhecimento da liberdade de religião decorre igualmente de diversos instrumentos jurídicos internacionais, aplicáveis na ordem jurídica interna angolana, por força dos artigos 13.º e 26.º, ambos da nossa Constituição. Com efeito, o artigo 18.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, preceitua que “toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos”.
No mesmo diapasão, dispõem o artigo 18.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o artigo 8.º da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.
Integra tal direito, assevera Ludwig Schneider, o plexo de liberdades cuja estrutura substancial é heterogénea, o que permite a construção do seu âmbito de protecção em termos concêntricos, embora separando-se duas áreas definidas: o forum internum e o forum externum, onde o primeiro é integrado pelas faculdades da liberdade interna (crer ou não crer) e o segundo pelas faculdades da liberdade externa, que implica a possibilidade de manifestação e divulgação de crenças (Der Schutz des Wesensgehalts von Grundrechten nach, Art. 19 Abs. 2 GG. Berlin: Duncker & Humblot, 1983, pág. 210).
O seu conteúdo essencial, portanto, é constituído pela esfera da individualidade em cujo âmbito compete apenas ao indivíduo valorar o fenómeno religioso, posicionar-se frente a ele e determinar o grau de influência sobre a sua visão acerca da vida e do mundo.

A liberdade de religião, ao contrário da liberdade de consciência, indissociável da liberdade de pensamento, possui, além da sua característica essencialmente individual, uma forte dimensão colectiva e institucional, traduzida na liberdade das confissões religiosas organizarem-se como tal, constituir igrejas e comunidades religiosas, professarem em conjunto as suas crenças, ritos, tradições, ensinarem os seus preceitos, celebrar o respectivo culto e as respectivas festividades (vide Jorge Miranda e Pedro Garcia Marques, Artigo 41.º, in Jorge Miranda e Rui Medeiros - Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª Edição, 2010, Coimbra editora, p. 894).
Enquanto direito colectivo, que interessa aqui especialmente considerar, a liberdade de religião contém uma vertente garantística ou de abstenção e defesa perante o Estado e é, certamente, nesta dimensão negativa, de proibição ao Estado de imiscuir-se em questões intrinsecamente relacionadas com a liberdade de organização dos colectivos religiosos, que reside o desacordo da Recorrente quanto à conformidade do aresto recorrido com a garantia constitucional da liberdade de religião, pois, na sua perspectiva, o Tribunal a quo, ao ter declarado nulo o Despacho que unificou as três confissões religiosas tocoístas, postergou o direito à liberdade de religião.

Compulsados os autos, verifica-se que o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão de declaração de nulidade do Despacho que unificou as confissões religiosas supra-referidas, por entender que o Estado não deve actuar no campo religioso no modo em que o fez, adoptando uma solução de unificação que não reuniu o consenso das entidades implicadas (fls. 257 a 264 dos autos).

Segundo a matéria de facto dada como assente pelas instâncias recorridas, os representantes da Igreja Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo «Os Tocoístas» (12 Mais Velhos), confissão extinta e unificada, não demonstraram o seu consentimento para a aludida congregação, tendo ficado assente, pelo contrário, a pretensão da Igreja Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo «Os Tocoístas» (Anciãos Conselheiros da Direcção Central), de criar uma igreja única.

A Igreja Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo, «Os Tocoístas» (Anciãos Conselheiros da Direcção Central) impetrou o pedido de unificação das três confissões religiosas junto do Ministério da Justiça, sem, no entanto, fazer prova do consentimento da Igreja Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo «Os Tocoístas» (12 Mais Velhos), que não teve qualquer intervenção no processo que culminou com a sua extinção, não tendo sido, sequer, notificada para, no âmbito do procedimento administrativo, manifestar a sua intenção de ser integrada na confissão religiosa unificada (fls. 61 a 74).

Ora, atento à natureza dos três entes em causa, não havendo consenso entre as partes implicadas, as demais razões evocadas no Despacho não podem fundamentar a pretensão de unificação, uma vez que, questões doutrinárias ou filosófico-cristãs, bem como o modo de organização interna das confissões religiosas, encontram-se, por imposição constitucional do princípio da laicidade, previsto no artigo 10.º da CRA, fora do âmbito de escrutínio do Estado, imperando sobre tais aspectos a autonomia de vontade destas congregações.

A Constituição prescreve, no citado artigo, o princípio da separação entre o Estado e a Igreja, que implica a neutralidade religiosa do Estado e tem como corolário o princípio da não confessionalidade do Estado e a liberdade de organização e independência das igrejas e confissões religiosas.

Daí que, o direito ordinário estabeleça, com relação ao exercício da liberdade religiosa, o princípio da mínima ingerência do Estado, sendo-lhe assegurado, apenas, determinado escrutínio de conformidade constitucional e de legalidade. A Lei n.º 12/19, de 14 de Maio, Lei sobre a Liberdade de Religião e de Culto (LLRC), prevê expressamente a liberdade de organização e administração das confissões religiosas, no artigo 30.º, e dispõe, no seu artigo 50.º, que, quando não resulte da vontade da parte interessada, a sua extinção só pode ser efectuada por decisão judicial com fundamento na violação dos deveres prescritos no diploma.

Ademais, nos termos do artigo 12.º da Lei n.º 2/04, de 21 de Maio, Lei sobre o Exercício da Liberdade de Consciência, de Culto e de Religião, em vigor à data dos factos, a entidade competente só poderia revogar o reconhecimento de uma confissão religiosa quando se verificasse que a instituição religiosa violou de forma sistemática o princípio da legalidade, previsto no artigo 8.º, caso, concretamente, colocasse em causa o direito à vida, a integridade física, a dignidade da pessoa humana, a ordem pública ou os princípios fundamentais da ordem constitucional angolana, o que não ocorreu no caso dos autos.

Pelo contrário, a entidade competente sustentou a sua decisão de unificação e extinção da Igreja Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo «Os Tocoístas» (12 Mais Velhos) em questões relacionadas à crença e à doutrina das confissões implicadas. Questões estas que residem no âmago da própria liberdade e, como tal, a norma do artigo 41.º da CRA estabelece uma protecção absoluta, pois que a liberdade de religião torna as actividades de crer ou não crer, escolher no que crer, como crer e conformar os actos de acordo com esta crença, intangíveis perante a actuação estatal (com interesse, Ludwig Schneider, ob. cit., p. 231).

Como é sabido, além da sua dimensão individual e interna, a liberdade de religião compreende naturalmente uma dimensão externa, de manifestação e organização pública de crenças e práticas religiosas. Daí que a autodeterminação doutrinária conferida às igrejas, comunidades e confissões religiosas integre também o núcleo essencial do direito sob o viés do significado institucional, estando, por esta razão, vedado ao Estado julgar o mérito ou a bondade de constituição das religiões ou confissões religiosas.

Face ao expendido, é possível, no entanto, concluir que andou bem o Tribunal a quo ao ter declarado nulo o Despacho n.º 396/15, de 16 de Novembro, do Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, na medida em que a actuação do Estado, materializada no aludido Despacho, constituiu uma ofensa à liberdade de religião da confissão religiosa unificada e extinta sem o seu consentimento, a Igreja Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo «Os Tocoístas» (12 Mais Velhos), que surge especialmente justificada na seguinte passagem do Acórdão da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, confirmado pelo aresto recorrido:

“Não é tarefa do Estado garantir a unidade das diferentes confissões religiosas, cabe ao Estado garantir que, dentro do exercício da liberdade que lhes confere o artigo 41.º da CRA, aquelas respeitem a Constituição e a lei. Ou seja, cabe ao Estado apenas velar para que as denominações religiosas observem o princípio da legalidade, nos termos prescritos no artigo 8.º da Lei n.º 2/04, de 21 de Maio, e no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 16-A/96, de 15 de Dezembro”.

Assim sendo, improcede a pretensão da Recorrente, por não ter o Acórdão recorrido postergado o direito à liberdade religiosa.

b) Sobre o direito à identidade pessoal


Alega a Recorrente que a manutenção do Decreto que reconhece três confissões religiosas tocoístas viola o direito fundamental à identidade pessoal, na medida em que permite que existam confissões religiosas com designação semelhante e confundíveis entre si, facto que entende ser susceptível de causar-lhe “concorrência parasitária”.

O direito à identidade pessoal vem previsto no artigo 32.º da CRA, que tutela hipóteses típicas de direitos de personalidade, à semelhança do que sucede na legislação civil, designadamente, nos artigos 70.º e seguintes do Código Civil.

Este preceito, além da identidade genética, do património genético, da integridade genética e do conhecimento do vínculo de filiação, compreende também a identidade civil, postulando um direito ao nome com a função de identificação, que serve para denominar e distinguir as pessoas umas das outras, marcando a respectiva identidade.

Ora, atento à multiplicidade de argumentos apresentados pela Recorrente, a propósito da ofensa ao direito à identidade pessoal, verifica-se que a questão aqui submetida tem contornos próprios de um expediente processual em que se pretende aferir o grau de confundibilidade de designações de pessoas colectivas, marcas, logotipos ou outros sinais distintivos, questões estas que transcendem o âmbito de competência material do Tribunal Constitucional.

Certo é que, por imposição legal e por razões de segurança e certeza jurídica, a denominação de uma confissão religiosa deve ser distinta e não susceptível de confusão ou erro com as registadas ou licenciadas no mesmo âmbito de exclusividade, conforme resulta do n.º 1 do artigo 39.º da LLRC. No entanto, a questão da confundibilidade das aludidas designações não constituiu matéria controvertida nas instâncias recorridas, nem mesmo foi objecto de apreciação naqueles tribunais.

A este Tribunal compete, apenas, no âmbito dos recursos extraordinários de inconstitucionalidade, conforme dispõe a alínea a) do artigo 49.º da LPC e o n.º 4 do artigo 21.º da LOTC, apreciar e sindicar as decisões recorridas que contenham fundamentos de direito e/ou contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição, o que não se verifica no caso vertente.
Neste contexto, não pode esta Corte Constitucional apreciar questões relativamente as quais a decisão de que se recorre não se pronunciou, ainda que relevem do ponto de vista do direito ordinário, sob pena de se esvaziar o princípio do esgotamento prévio, ínsito no parágrafo único do artigo 49.º da LPC e, como tal, julgar a latere dos pressupostos legais.
Destarte, o recurso deve ater-se, apenas, à dimensão da inconstitucionalidade, porque se destina a permitir que a jurisdição constitucional confirme ou infirme a decisão do Tribunal a quo quanto a esse particular ponto, pelo que improcede a pretensão da Recorrente.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO.
Custas pela Recorrente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Julho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique-se.
Tribunal Constitucional, em Luanda, 16 de Janeiro de 2024.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira (Relator)
Dr. Gilberto de Faria Magalhães
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite S. Ferreira
Dr. Simão de Sousa Victor