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ACÓRDÃO N.º 871-A/2024

 

PROCESSO N.º 1000-B/2022

Aclaração do Acórdão n.º 871/2024
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO
Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo (Os Tocoístas), com os demais sinais de identificação nos autos, tendo sido notificada do Acórdão n.º 871/2024, deste Tribunal, vem, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do artigo 669.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ao recurso extraordinário de inconstitucionalidade, por força dos artigos 39.º e 52.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), requerer a aclaração do referido Acórdão.
A pretensão de aclaração tem os seguintes fundamentos, em síntese:
1. Solicitou-se ao Tribunal Constitucional a apreciação do douto Acórdão proferido pelo Tribunal Supremo, relativamente às normas e princípios constitucionais, onde, entre outros, o princípio constitucional da identidade foi invocado.

2. O Tribunal Constitucional estabeleceu como objecto de apreciação a inconstitucionalidade do Acórdão proferido pelo Tribunal Supremo, por violar a liberdade de religião e o direito à identidade pessoal.

3. No entanto, adicionalmente, o douto Acórdão deste Tribunal conclui que não pode apreciar questões relativamente às quais a decisão de que se recorre não se pronunciou, ainda que relevem do ponto de vista do direito ordinário, sob pena de se esvaziar o princípio do esgotamento prévio.

4. Relativamente a este ponto, é exactamente por não ter o Tribunal Supremo se pronunciado que se verifica uma inconstitucionalidade por omissão.
5. Senão, vejamos: O Decreto Executivo n.º 14/92, de 10 de Abril, que licenciou, para exercício autónomo e singular da actividade religiosa, as denominações religiosas: a) Igreja Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo – «Os Tocoístas» (12 Mais Velhos); b) Igreja Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo – «Os Tocoístas» (Anciãos Conselheiros da Direcção Central); e, c) Igreja Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo – «Os Tocoístas» (18 Classes e 16 Tribos), viola o princípio constitucional da identidade, previsto no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República de Angola.

6. Assim, uma vez solicitada a sua revogação e ignorada tal solicitação, suscita-se a actuação inconstitucional do Tribunal Supremo, por omitir-se do dever de decidir em conformidade com a Constituição e a lei.

7. Nestes termos, verificando-se uma obscuridade nos fundamentos da decisão do Acórdão proferido por este egrégio Tribunal, solicita-se a sua aclaração, sob pena de a mesma incorrer em nulidade por manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão, conforme disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil.

II. OBJECTO

Emerge como questão decidenda, nos presentes autos, analisar se o Acórdão n.º 871/2024, deste Tribunal, proferido no âmbito do Processo n.º 1000-B/2022, padece de obscuridades que importam esclarecer, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 669.º do CPC, aplicável ao recurso extraordinário de inconstitucionalidade, por força dos artigos 39.º e 52.º da LPC.

III. APRECIANDO

A Requerente invoca como fundamento da sua pretensão de aclarar o Acórdão n.º 871/2024, proferido pelo Plenário do Tribunal Constitucional (fls. 418 a 426), a existência de obscuridades na referida decisão.
Nos termos do disposto na alínea a) do artigo 669.º CPC, os fundamentos do pedido de aclaração de uma decisão residem na existência de alguma ambiguidade ou obscuridade na decisão que a torne ininteligível.
A ambiguidade significa ambivalência ou pluralidade de sentidos. Ambíguo é o acórdão confuso, de sentido dúbio, que contém alguma passagem equívoca, que se presta, razoavelmente, a interpretações diferentes ou apresenta duas antíteses como se fossem convergentes. Por seu turno, a obscuridade é a falta de clareza ou ininteligibilidade. Obscura é a decisão de difícil compreensão, que contenha algum passo ininteligível, cujo sentido exacto não pode alcançar-se.
No caso vertente, apesar da Requerente fazer referência a uma pretensa obscuridade, esta não aponta nenhuma passagem do Acórdão visado que seja ininteligível, quer na fundamentação ou no seu dispositivo.
Na verdade, se bem se compreende o que aqui se requer, e por outras palavras, a Requerente pretende que este Tribunal, contrariamente ao que sedimentou na decisão aclaranda, aprecie a alegada ofensa ao direito à identidade pessoal, por, na sua óptica, ter havido, por parte do Tribunal Supremo, uma inconstitucionalidade por omissão, ao não se ter pronunciado sobre a confundibilidade das designações dos colectivos religiosos litigantes.
Isto é, a Requerente, tendo compreendido perfeitamente o aresto revidendo, discorda, tão-só, da fundamentação nele firmada, quando se conclui que o Tribunal Constitucional não pode apreciar a questão sobre a alegada violação ao direito à identidade pessoal, por não terem as instâncias recorridas apreciado a susceptibilidade de confusão entre as denominações religiosas em causa, nem sequer tal questão ter constituído matéria controvertida nos autos, dado que se tratava de contencioso de impugnação de acto administrativo, e não de uma acção declarativa em que se pretendia a declaração da ilicitude da denominação do colectivo religioso e a sua consequente anulação.
Na perspectiva da Requerente, o Tribunal Constitucional ao ter constatado que tal questão não constituiu matéria controvertida nos autos, deveria ter julgado inconstitucional o Acórdão do Tribunal Supremo por omissão de pronúncia. Não o tendo feito, a Requerente serve-se do expediente de aclaração para aqui solicitar que se julgue inconstitucional o Acórdão recorrido por omissão.
Ora, de aclaração só carece a decisão que é obscura ou ambígua. O requerimento, nos termos em que vem estruturado, acobertado sob a figura jurídica da aclaração, extravasa, clara e ostensivamente, a sua finalidade, que admite a correcção de obscuridade que resulte do texto da decisão em si mesmo, sob condição de não resultar modificado o sentido essencial da fundamentação e do julgado, conforme pretende a Requerente.
Como se sabe, relativamente às decisões jurisdicionais vigora o princípio da sua estabilidade, ínsito no artigo 666.º do CPC, que estabelece que uma vez proferida decisão final fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do tribunal, quanto à matéria da causa, estando o juiz, ou o tribunal, proibidos de modificar a sua decisão e/ou a motivação que a fundamenta, e sendo-lhe lícito apenas rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e reformá-las, quanto a custas e multa.
Como bem se nota, a Requerente, somente por manifesta temeridade, explicável unicamente com o escopo de retardar o trânsito em julgado da decisão, pode dizer que se encontram obscuridades na decisão reclamada e que não compreende quais razões determinaram a construção do silogismo judiciário, quando, efectivamente, pretende, por meio do pedido de aclaração, modificar o decidido por não se ter conformado com a decisão e os seus fundamentos.
O simples inconformismo da Requerente com o julgado não tem cobertura no regime legal que evoca. A mera discordância com os argumentos aduzidos na decisão não legitima, nem pode fundamentar, um eventual pedido de aclaração.
Isto assente, sendo tudo, a fundamentação e a decisão, meridianamente claro, indefere-se a referida aclaração.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: INDEFERIR O PEDIDO DE ACLARAÇÃO.

Custas pela Requerente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.

Notifique-se.

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 06 de Março de 2024.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira (Relator)
Dr. Gilberto de Faria Magalhães
Dr. João Carlos António Paulino
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite S. Ferreira
Dra. Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva
Dr. Vitorino Domingos Hossi