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ACÓRDÃO N.º 874/2024


PROCESSO N.º 1063-C/2023

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO
Bernardo Sousa Manuel dos Santos, com os demais sinais de identificação nos autos, veio, ao Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade da decisão da 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, prolactada no âmbito do Processo n.º 6124/21.

O Recorrente foi, em processo comum, que correu os seus termos na 2.ª Secção da Sala Criminal do Tribunal de Comarca de Benguela, julgado e condenado, em cúmulo jurídico, na pena de 10 anos e 6 meses de prisão pela prática de dois crimes de violação de menor de 12 anos, previsto e punido pelo artigo 394.º do Código Penal de 1886 (CP), em vigor à data dos factos.
Desta decisão, interpôs, por não conformação, recurso de apelação no Tribunal Supremo (fls. 345 a 361), onde, apreciados os autos, a 1.ª Secção da Câmara Criminal decidiu alterar a qualificação jurídica dos factos, atento ao disposto no artigo 447.º do Código de Processo Penal (CPP) de 1926, em vigor à data dos factos, convolando o tipo legal pelo qual tinha sido o Recorrente condenado para o crime de violação, previsto no artigo 393.º do CP, por ter constatado que as lesadas não eram menores de 12 anos de idade, pois, tinham, à data do sucedido, 12 e 13 anos de idade (fls. 14 e 15). Consequentemente, reduziu a medida da pena, condenando o então arguido, em cúmulo jurídico, na pena de 7 anos de prisão.


Aqui chegado e notificado para apresentar alegações, o Recorrente pronunciou-se, em síntese, do seguinte modo:

1. A decisão recorrida merece ser reformada, visto que foi proferida em franco confronto com o princípio da legalidade e com os direitos fundamentais do arguido, previstos nos artigos 6.º e 72.º da Constituição, já que mantém o arguido em situação de injustiça.

2. O Tribunal Supremo deixou de se pronunciar sobre a nulidade da decisão de primeira instância, por ter sido tomada sem que estivesse o Tribunal devidamente constituído com o número legal de juízes, previsto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 45.º da Lei n.º 2/15, de 12 de Fevereiro - Lei sobre o Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais da Jurisdição Comum.

3. A nulidade é uma questão de conhecimento oficioso e, por este motivo, os Juízes da Câmara Criminal do Tribunal Supremo deveriam ter se pronunciado sobre ela.

4. O Acórdão do Tribunal recorrido ao qualificar os factos como o crime previsto e punível pelo artigo 394.º do CP (revogado) viola o princípio constitucional da legalidade, uma vez que o exame médico-legal, o meio de prova, não menciona que houve rompimento do hímen, sangramento, existência de sémen, etc., o que tendo em conta a idade e o tamanho corporal das vítimas em confronto com o do arguido dever-se-ia verificar.

5. O Acórdão do Tribunal recorrido viola também o princípio da legalidade na questão das doenças sexualmente transmissíveis imputáveis ao arguido, uma vez que do exame médico, ao qual o Recorrente foi submetido, não foi detectado nenhuma doença sexualmente transmissível, ao contrário das ofendidas. O relatório médico é um meio de prova, portanto, negligenciar os seus resultados é uma violação dos princípios constitucionais da legalidade, do inquisitório, do julgamento justo e conforme a lei.

6. Considerando a relevância deste pressuposto no alcance da verdade material e em respeito ao princípio da prova, não sendo os magistrados especialistas da matéria em questão, visando esclarecer os períodos temporais correspondentes a “Muito Recente, Recente e não Recente”, subentende-se que a presença do médico legista teria um papel relevante na dissipação deste dado técnico contido no exame, tendo o Tribunal de primeira instância negligenciado esta parte integrante do exame médico-legal, e o Tribunal Supremo seguido o mesmo caminho.

7. Em nosso entendimento, quando se trata do resultado de lesões himenais, sobretudo em crianças e adolescente, “Muito Recente”, corresponde a lesões praticadas entre 1 a 6 dias, “Recente”, entre 6 a 20 dias e “Não Recente”, quando tenham ocorrido há mais de 20 dias.
8. De acordo com o estatuído na alínea a) do artigo 426.º e no n.º 3 do artigo 417.º, ambos do CPPA, é nula a sentença que omitir na fundamentação as provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

9. O Tribunal a quo não obedeceu à orientação do perito (psicólogo), fls. 204, no sentido de averiguar as reais tendências sexuais do arguido com menores, em vez disso, foram arroladas pessoas inexistentes em detrimento das crianças e adolescentes que pertencem à comunidade, as que frequentavam de facto o local. Entendemos assim que esta omissão do tribunal em ouvir as orientações do médico psicólogo viola o princípio do julgamento justo.

10. O Acórdão recorrido violou o n.º 3 do artigo 417.º do CPPA, bem como o n.º 1 do artigo 177.º da CRA, pelo que o referido Acórdão é nulo, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 426.º do CPPA.

11. O Acórdão do Tribunal recorrido, viola o princípio da legalidade pelo facto de proceder ao exame de infecções sexualmente transmissíveis apenas às vítimas (exame de urina e do exame vaginal), ao passo que teria de ser feito também o exame de urina e exame uretral ao arguido de formas a identificar os resultados compatíveis.

12. Outrossim, não foram realizados exames complementares de hepatite B e VIH. O relatório médico é um meio de prova, pois, negligenciar os seus resultados é uma violação dos princípios constitucionais da legalidade e do julgamento justo e conforme a lei.

Termina pedindo que seja julgado procedente o presente recurso e inconstitucional o Acórdão recorrido.

O Processo foi à vista do Ministério Público, que, a fls. 450 e 451 dos autos, pugnou pelo não provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) e do § único do artigo 49.º e do artigo 53.º, ambos da LPC, bem como das disposições conjugadas da alínea m) do artigo 16.º e do n.º 4 do artigo 21.º, da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC).

III. LEGITIMIDADE

Nos termos do disposto na alínea a) do artigo 50.º da LPC, conjugado com a alínea b) do n.º 1 do artigo 463.º do Código de Processo Penal Angolano (CPPA), tem, o Recorrente, legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, por ter ficado vencido no âmbito do Processo n.º 6124/21, que correu os seus termos na 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo.

IV. OBJECTO

O presente recurso tem como objecto a decisão da 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, proferida no âmbito do Processo n.º 6124/21, que, confirmando os factos dados como provados em primeira instância, condenou o Recorrente pela prática de dois crimes de violação.

V. APRECIANDO

Para sindicar a constitucionalidade da decisão recorrida, o Acórdão da 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, proferido no âmbito do Processo n.º 6124/21, o Recorrente narra um conjunto de factos que entende ofenderem, simultaneamente, os princípios constitucionais da legalidade e do julgamento justo e conforme.
No entanto, de modo a conferir maior clareza e sistematização à fundamentação deste aresto, à análise sobre a violação do princípio da legalidade reservar-se-ão os factos alegados pelo Recorrente sobre o erro na apreciação e valoração da prova e, relativamente à alegada violação do princípio do julgamento justo e conforme, a questão sobre a inobservância do número legal de juízes para realização da audiência de julgamento em primeira instância.
Assim sendo,

a) Sobre a violação do princípio da legalidade
Assevera o Recorrente que a decisão do Tribunal recorrido está eivada de inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade, por entender que as provas carreadas aos autos não são contundentes, tampouco são as suficientes para criar a convicção de que o arguido cometeu os crimes de violação que lhe foram imputados.
Na perspectiva do Recorrente, não existem nos autos provas cabais de que tenha cometido tal ilícito, na medida em que o relatório médico-legal do exame efectuado às crianças não demonstra que houve efectivamente rompimento do hímen, sangramento ou a existência de sémen, tendo ainda o Tribunal ignorado que este relatório faz menção apenas ao facto de ter havido prática sexual não recente.
Ora, atento às alegações do Recorrente, é patente que este pretende ver discutidas e apreciadas as diligências de prova efectuadas nos autos, porquanto, na sua opinião, as instâncias revidendas realizaram de modo errôneo o juízo de certeza em relação à imputação objectiva do crime ao Recorrente.
No entanto, compulsados os autos, e analisado o Acórdão de primeira instância, fls. 328 e seguintes, confirmado pelo Tribunal Supremo, verifica-se que a responsabilidade criminal do então arguido, aqui Recorrente, foi apurada não só em função dos relatórios médicos constantes dos autos, mas também, tendo por base outros elementos de prova aí carreados, designadamente as declarações das ofendidas e do arguido, a prova testemunhal, pericial e documental.
Contrariamente ao que alega o Recorrente, a referência a “lesões de natureza traumática observadas a nível da região genital compatíveis com prática sexual não recente”, constante do relatório médico-legal de fls. 37 a 46, não determina por si só a inexistência da agressão sexual de que foram vítimas as ofendidas. Esta significa tão-só que o exame foi efectuado às lesadas decorridos alguns dias após a consumação da resolução criminosa, daí que o relatório contenha a conclusão de que “a lesão sofrida pelas ofendidas é compatível com a informação [entenda-se, sobre a ocorrência do crime] do representante legal e da própria vítima, sendo possível estabelecer o nexo de causalidade entre as lesões e a agressão sexual”.
Como se sabe, vigoram no nosso ordenamento jurídico, com relação às diligências de prova, os princípios da liberdade e da livre apreciação da prova (artigos 146.º e 147.º do CPPA, respectivamente) que determinam: a) que a prova pode ser carreada aos autos por qualquer meio que não seja proibido por lei, podendo o tribunal dispor de quaisquer meios de prova que sejam indispensáveis à descoberta da verdade material; b) e que o juiz, na apreciação e valoração da prova produzida nos autos não está sujeito a regras predeterminadas, devendo apreciá-la de acordo com as regras da experiência comum e a sua livre convicção (a propósito, vide Grandão Ramos, Direito Processual Penal, Escolar Editora, 2013, pp. 77 e ss.).
Tais princípios não impõem, para o apuramento da responsabilidade criminal dos arguidos, por exemplo, nos crimes contra a liberdade ou autodeterminação sexual, a valoração de um específico meio de prova para subsunção dos factos àqueles tipos legais.
Apesar de sindicar o juízo probatório do tribunal, não se vislumbram nas decisões recorridas quaisquer resquícios de que o juiz tenha apreciado a prova de forma arbitrária e subjectiva, estando a decisão de condenação do Recorrente objectivamente fundamentada nos factos dados como provados nos autos. Da resposta aos quesitos (fls. 324 e ss.) não se retira outra ilação que não seja a responsabilidade criminal do Recorrente pelos crimes de que vem acusado e condenado e, portanto, não corresponde à verdade que não exista nos autos substracto factual que sirva de suporte à decisão sobre o apuramento da sua culpa e imputabilidade, bem como à sua condenação.
Na verdade, pretende o Recorrente que este Tribunal reaprecie os factos, como se de mais uma instância da jurisdição comum se tratasse. Ao Tribunal Constitucional compete, no âmbito dos recursos extraordinários de inconstitucionalidade, apreciar e sindicar as decisões recorridas que contenham fundamentos de direito e/ou que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição.
Não é competência do Tribunal Constitucional reapreciar a prova e a matéria de facto, com o intuito de daí retirar conclusões que apenas relevam do ponto de vista do direito ordinário, na medida em que esta Corte não se deve substituir ao Tribunal recorrido, proferindo a decisão de mérito que deveria ter sido proferida por aquela instância (cf. Adlézio Agostinho, Manual de Direito Processual Constitucional: Princípios Doutrinários e Procedimentais sobre as Garantias Constitucionais, Parte Especial e Parte Geral, AAFDL, Lisboa, 2023, pp. 758 e 774).
Esta “não é uma instância suprema de mérito, ou um Tribunal de super-revisão, não lhe compete aferir a justeza da decisão jurídica segundo o direito ordinário aplicado ao processo (…)” (vide, Carlos Blanco de Morais, Justiça Constitucional, Tomo II – O Direito do Contencioso Constitucional, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 619, 2011).
Assim, por não se tratar esta Corte de uma terceira instância de jurisdição comum, cujas competências estão escalpelizadas nas disposições conjugadas dos artigos 181.º da CRA e 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho (redacção dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 24/10, de 3 de Dezembro), que são estritamente as de administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional, não pode este Tribunal proceder à reapreciação e valoração das provas produzidas nos autos, tal como pretende o Recorrente, pelo que improcede a pretensão deste, neste domínio.

b) Sobre a violação ao princípio do Julgamento Justo e conforme.
Afirma o Recorrente que se revela, também, ofendido o princípio do julgamento justo e conforme, por ter sido julgado, em primeira instância, por um tribunal singular, quando, por força de lei, deveria tê-lo sido por um tribunal colectivo.
O direito a julgamento justo e conforme, também caracterizado como princípio fundamental a um processo equitativo, vem previsto no artigo 72.º da CRA, no artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), no artigo 14.º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), bem como no artigo 7.º da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP).
Tal princípio tem um “conceito dinâmico, em constante aprofundamento, atendendo as circunstâncias de tempo e lugar, mas sempre dominado pela ideia de que o processo penal deve assegurar aos suspeitos/acusados as mais amplas garantias de defesa em ordem à realização da justiça em cada caso” (Mamadú Embaló, Garantias do Processo Penal, in Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e do protocolo adicional, Universidade Católica Editora, 2020, p. 505).
Segundo a jurisprudência deste Tribunal (conforme os Acórdãos n.ºs 650/2020, 822/2023 e 851/2023, acessíveis em www.tribunalconstitucional.ao): o princípio do julgamento justo e equitativo é um “princípio fundamental de qualquer sociedade democrática, profundamente imbricado com o Estado de Direito (rule of law), não havendo fundamento para qualquer interpretação restritiva, e que visa, acima de tudo, defender os interesses das partes e os próprios da administração da justiça, para que os litigantes possam apresentar o seu caso ao tribunal de forma efectiva (…)”.
O princípio é, na verdade, afirmam Raul Araújo e Elisa Rangel Nunes, “um pressuposto do Estado democrático e de direito e uma garantia que supõe a existência de uma administração da justiça funcional, imparcial e independente, que deve assegurar um julgamento público e num prazo razoável, bem como as garantias de defesa material” (Constituição da República de Angola, Anotada, Tomo I, FDUAN, 2014, pág. 398).
O seu núcleo essencial é determinado através de outros valores, direitos ou princípios constitucionais, analisados casuisticamente à luz das ponderações impostas pelo caso concreto, designadamente, os princípios do Estado de direito, do acesso ao direito, da igualdade, da presunção da inocência, da proporcionalidade, o direito ao contraditório, o direito à fundamentação das decisões, o direito à prova e o direito a prazos razoáveis de acção e de recurso.
Revertendo ao caso, e compulsados os autos, verifica-se, a fls. 328 a 344v, que o Recorrente foi, efectivamente, julgado, pelos crimes de violação de menor de 12 anos, a que corresponde a pena, em abstracto, de 8 a 12 anos de prisão, por um tribunal singular, isto é, composto apenas por um juiz de direito.
Nos termos do n.º 1 do artigo 45.º da Lei n.º 2/15, de 2 de Fevereiro, Lei sobre a Organização e Funcionamento dos Tribunais da Jurisdição Comum (LOFTJC), em vigor à data dos factos, as causas criminais, em que o crime seja punível com pena, em abstracto, superior a 5 anos de prisão, deveriam ser julgadas por um tribunal colectivo, composto por três Magistrados Judiciais.
Ora, a inobservância de uma estruturante disciplina processual, como o é a regra da composição mínima dos tribunais, posterga, de facto, o princípio do julgamento justo e conforme, na medida em que esse demanda a que os processos sejam desencadeados com rectidão, observando-se as formalidades adjectivas prescritas por lei.
As normas adjectivas, apesar de serem instrumentais, visam também assegurar que da sua concreta aplicação resultem processos equitativos, uma vez que as soluções previstas na lei substantiva podem revelar-se iníquas, em virtude de uma errónea disciplina processual ou de uma má aplicação dessa mesma disciplina.
No mesmo diapasão, o Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas, na sua Comunicação n.º 2465/2016, firmou o entendimento de que um julgamento levado a cabo sem que se observe o número mínimo de juízes exigidos por lei viola o direito do arguido a que a sua causa seja equitativamente julgada por um tribunal competente, imparcial e independente, direito este vertido no artigo 14.º do PIDC (CDHNU, Eugéne Diomi Ndongala Nzo Mambu v. República Democrática do Congo, §9.5, acessível em https://www.ohchr.org).
Com efeito, haverá violação do referido princípio sempre que se conclua que o processo não está estruturado em termos que permita a sua conformação de forma materialmente adequada a uma tutela jurisdicional plena, efectiva e conforme à lei [com interesse, entre outros, Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos (TADHP), ACHPR v. Líbia, n.º 002/2013, 3 de Junho de 2016, §86 e ss.; TADHP, Diocles William c. República Unida da Tanzânia, n.º 016/2016, de 21 de Setembro de 2018, § 62 e ss; (acessíveis em https://www.african-court.org)].
Todavia, apesar da conclusão acima expendida, verifica-se que no caso vertente preteriu-se a referida formalidade adjectiva tendo em atenção aos também fundamentais, direitos à tutela jurisdicional efectiva (artigo 29.º, n.º 1, da CRA) e a uma decisão em prazo razoável (artigo 29.º, n.º 4 da CRA).
Isto porque, in casu, subjacente ao facto de não ter sido observada a devida composição do tribunal, encontra-se a circunstância de não existir, à data, naquela comarca judicial, condições materiais para que se observasse a prescrição do n.º 1 do artigo 45.º da LOFTJC, na medida em que não havia Magistrados Judiciais suficientes para efeitos de cumprimento do disposto na lei.
Tal como denotam os Ofícios n.ºs 37/GJDP/TCB/2024 e 13/TCB/2.ª SSC/2024, do Tribunal Judicial da Comarca de Benguela (fls. 476 a 478), aquando da apreciação dos autos, a 2.ª Secção da Sala Criminal do Tribunal Provincial de Benguela contava apenas com dois juízes de direito em efectividade de funções.
Deste modo, sopesando os direitos em causa e os interesses jazentes entende-se que, no caso dos autos, devem prevalecer o princípio da tutela jurisdicional efectiva e o direito a uma decisão em prazo razoável, por considerar que o formalismo da composição do tribunal não poderia privar as lesadas, as suas respectivas famílias, e até mesmo o Recorrente, de terem, tempestivamente, a sua causa apreciada por um tribunal. A tutela jurisdicional deve ser eficaz e efectiva e verificar-se em tempo útil ou em prazo consentâneo.
As condições práticas para o funcionamento dos tribunais não podem obstaculizar ou tornar impossível, de forma não objectivamente exigível, o acesso aos tribunais e o direito dos cidadãos a obterem dos tribunais a solução para os seus dissídios, sem dilações indevidas.
Outrossim, é neste sentido que a Lei n.º 29/22, de 29 de Agosto, Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento dos Tribunais de Jurisdição Comum, traz uma nova perspectiva, estabelecendo no seu artigo 53.º, a possibilidade de os tribunais de comarca funcionarem como tribunal singular ou colectivo, sendo obrigatória a constituição de tribunal colectivo, em matéria criminal, quando se esteja perante homicídios qualificados ou sempre que o crime seja punível com pena de prisão superior a quinze anos.
Assim sendo, improcede o presente recurso, por estar a preterição de tribunal colectivo devidamente justificada na salvaguarda de outros direitos e interesses fundamentais das ofendidas, das suas famílias e do Recorrente, nomeadamente a tutela jurisdicional efectiva e o direito a ter uma decisão em prazo razoável.

Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO.
Custas pelo Recorrente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique-se.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 20 de Fevereiro de 2024.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira (Relator)
Dr. Gilberto de Faria Magalhães
Dr. João Carlos António Paulino
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite S. Ferreira
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dra. Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva