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ACÓRDÃO N.º 875/2024

 

PROCESSO N.º 1028-B/2023

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Frederico Jamba, melhor identificado nos presentes autos, veio reclamar do Despacho de indeferimento proferido pelo Juiz Presidente do Tribunal Supremo, nos termos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho - Lei do Processo Constitucional (LPC) e do n.º 1 do artigo 295.º do Código do Processo Penal Angolano, pelo facto de considerar ser o Tribunal da Comarca de Belas, o Tribunal territorialmente competente para conhecer os factos criminais imputados ao arguido e, consequentemente, ser o seu Presidente competente para conhecer do pedido de habeas corpus no âmbito do Processo n.º 34/2022 (fls. 24 e 25).
A reclamação foi autuada por esta Corte, e convolada para recurso extraordinário de inconstitucionalidade, como forma de acautelar o direito constitucional à liberdade e a tutela jurisdicional efectiva, nos termos dos artigos 29.º e 68.º, ambos da Constituição da República de Angola (fls. 17-22 e 49-50).
O Recorrente apresentou as suas alegações, onde aduz, em síntese, o seguinte:
1. Em Março de 2019 foi condenado em primeira instância pelo Tribunal da Comarca de Belas, 14.ª Secção, no crime de Homicídio Voluntário, tendo da referida decisão interposto recurso para o Tribunal Supremo.

2. Passado aquele tempo e sem nenhum pronunciamento do Tribunal Supremo, requereu em 15 de Junho de 2022, uma providência de habeas corpus ao Meritíssimo Juiz Presidente do Tribunal da Comarca de Belas, uma vez que, enquanto decorre a reapreciação da decisão, entrou em excesso de prisão preventiva.

3. Em resposta ao requerimento, o Tribunal proferiu um despacho declarando-se incompetente para decidir sobre a providência de habeas corpus por este já ter decidido o processo principal em primeira instância.

4. Inconformado com a decisão do Juiz Presidente da Comarca de Belas, reclamou para o Venerando Juiz Presidente de Tribunal Supremo, a fim de este decidir a respectiva providência, tendo esta sido indeferida com o fundamento de que é o Tribunal da Comarca de Belas, consequentemente o seu Juiz Presidente, quem tem a competência para decidir.

5. O processo está a correr a sua tramitação no Tribunal Supremo desde o ano de 2019, na vigência da lei anterior, à luz do novo Código de Processo Penal, no seu artigo 290.º n.º 3, a competência para decidir o habeas corpus é do Juiz Presidente do Tribunal da Comarca, coadjuvado com o artigo 294.º n.º 1 do mesmo Código, que atribui a responsabilidade do recurso ao Juiz Presidente do Tribunal imediatamente superior, o que significa que o Tribunal da Relação perdeu a competência para apreciar um processo que já está ao cuidado do Tribunal Supremo, por este mesmo processo nascer na vigência de uma lei anterior onde não existia o Tribunal da Relação.

6. A decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz, de não provimento da providência de habeas corpus, constitui uma violação ao primado da lei, pelo facto de o processo nascer na vigência da lei anterior e o artigo 4.º do CPPA, estabelece que, quando haja conflito entre as normas prevalece a que for mais favorável ao arguido

7. Acrescenta o facto de que nesta altura que se recorre por excesso de prisão preventiva, o processo está a ser apreciado pelo Tribunal Supremo, o que afasta a competência de decisão do Tribunal da Relação, artigo 4.º alínea a) do CPPA.

8. Volvidos quatro anos desde a data da condenação em primeira instância e do pedido de revisão da decisão, o Tribunal, por não se ter pronunciado, excedeu o limite estabelecido legalmente, o Recorrente entrou em evidente excesso de prisão preventiva, nos termos dos artigos 283.º alínea c) e 290.º n.º 4 alínea c) do CPPA, a consequência do incumprimento dos prazos para a realização dos actos processuais é a ilegalidade da prisão, obrigando à soltura do réu.

9. Ademais, o arguido encontra-se em prisão preventiva há 5 anos e 7 meses sem decisão condenatória transitada em julgado, atropelando claramente aquele que é o limite máximo de 24 meses estabelecido na lei.

10. Entretanto, havendo conflitos de leis e por se violar princípios e direitos fundamentalmente consagrados na Constituição, é competência do Tribunal Constitucional apreciar, pois a liberdade é um direito constitucional consagrado.

11. A sustentação da decisão foi baseada numa interpretação equivocada dos artigos 290.º e 291.º, uma clara divergência dos dois órgãos com legitimidade para apreciar e decidir o habeas corpus. Eis a pergunta que não podemos afastar: se os tribunais competentes cada um joga a responsabilidade ao outro, onde se podia requerer a providência?

12. Após ter percebido a decisão errada do Meritíssimo Juiz Presidente do Tribunal da Comarca de Belas, devia, a nosso entender, o Venerando Juiz Presidente do Tribunal Supremo corrigir e decidir, uma vez que a lei confere ao mesmo competência.

13. O requerente está a ser privado da sua liberdade fora das condições determinadas por lei, passado 4 anos desde a data do pedido de reapreciação da decisão, violando, também, o princípio da dignidade da pessoa humana, um dos princípios do alicerce social fundamental, artigo 64.º da Constituição.

O Recorrente termina pedindo ao Tribunal Constitucional para julgar procedente o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade e, consequentemente, anular o Despacho do Venerando Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Supremo por violar os direitos fundamentais do arguido, restituindo-lhe a liberdade provisória em sede da Providência de Habeas Corpus, mediante termo de identidade e residência, sujeitando-o a qualquer das obrigações que lhe venham a ser impostas.
O Processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) do artigo 49.º da LPC e da alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC).

III. LEGITIMIDADE
O Recorrente é parte legítima por ser o autor da providência de Habeas Corpus, Processo n.º 34/2022, cujo pedido não foi conhecido pelo Juiz Presidente do Tribunal da Comarca de Belas, que se declarou incompetente para o conhecimento da causa, pelo que tem legitimidade para interpor o presente recurso nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC.


IV. OBJECTO
O presente recurso extraordinário tem como objecto apreciar se o Despacho proferido pelo Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Supremo, ao não conhecer a Providência de Habeas Corpus n.º 34/22, no âmbito do Processo n.º 265/2018-A, ofendeu ou não princípios e direitos constitucionalmente consagrados.

V. APRECIANDO
Questão prévia
Alega o ora Recorrente que foi condenado em primeira instância pelo Tribunal de Comarca de Belas, aos 28 de Março de 2019, tendo da referida decisão interposto recurso para o Tribunal Supremo. Porém, enquanto está a decorrer a reapreciação da decisão, entrou em excesso de prisão preventiva, razão pela qual interpôs uma providência de habeas corpus junto do Juiz Presidente da Comarca de Belas, tendo, em resposta ao pedido, o mesmo proferido um Despacho alegando a incompetência do Tribunal da Comarca de Belas para decidir a providência de habeas corpus.
Face ao despacho de indeferimento, ou seja, por não ter sido conhecida, por aquela instância, a providência de habeas corpus, reclamou junto do Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Supremo (cfr. fls. 8 a 11).
No âmbito da reclamação ao Tribunal Supremo, em 10 de Agosto de 2022, o Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Supremo proferiu o despacho de indeferimento, que se transcreve:
“In casu, o Tribunal territorial e hierarquicamente competente para conhecer dos factos criminais imputados ao arguido é o de Comarca de Belas e, consequentemente, o seu Presidente o competente para conhecer do pedido de habeas corpus, podendo ser apreciado em primeira instância pelo Presidente do Tribunal Supremo quando seja aquele Tribunal o competente para julgar, em primeira instância, os factos criminais imputados ao arguido, atendendo a qualidade do mesmo, que não é o caso.
Nesta conformidade, vai indeferido o presente requerimento, devendo o ilustre causídico, se for o caso, recorrer de decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz Presidente da Comarca de Belas” (fls. 24-25).
Ora, embora a reclamação que o Recorrente submete à apreciação e decisão do Tribunal Constitucional seja inerente à providência de habeas corpus (fls. 4), o que, na verdade, o Recorrente pretende é precisar qual é o Tribunal competente para decidir a providência de habeas corpus e lograr a sua liberdade, diante do conflito negativo que julga ter emergido no confronto dos dois Despachos, o do Juiz Presidente da Comarca de Belas e o do Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Supremo.
Sucede, porém, que, estando em tramitação o recurso extraordinário de inconstitucionalidade, de acordo com informação a fls. 65 dos autos, este Tribunal tomou conhecimento de que o ora Recorrente interpôs, junto do Tribunal da Comarca de Belas, uma nova Providência de habeas corpus, com o n.º 63/2023-B, datada de 21 de Setembro de 2023, que corre os seus termos naquela instância judicial.
Com a proposição desta nova providência cautelar de habeas corpus, o Recorrente optou por outra solução legal para dirimir o objecto do presente recurso que, por sinal, é a mesma que foi recomendada nos termos da decisão reclamada, que é objecto do presente recurso (fls. 24-25). Na verdade, o Despacho do Juiz Presidente do Tribunal Supremo, deixou bem claro que, nos termos do n.º 2 do artigo 290.º do CPPA “a competência para decidir a petição de habeas corpus é do Juiz Presidente do Tribunal competente para apreciação dos factos criminais que são imputados ao detido ou preso”, que no caso vertente é o Juiz Presidente do Tribunal da Comarca de Belas.
O habeas corpus é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar, de forma especial, o direito à liberdade constitucionalmente garantido e que visa reagir de modo imediato e urgente, contra o abuso de poder em virtude de detenção ou prisão, efectiva e actual, ferida de ilegalidade (Raul Araújo e Elisa Rangel Nunes, Constituição da República de Angola Anotada, Tomo I, 2014, p. 389).
Assim, deixa de haver fundamento para esta Corte apreciar e decidir, se o Despacho prolactado pelo Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Supremo enferma ou não de inconstitucionalidade, como alega o Recorrente.
Ensinam José Lebre de Freitas, João Rendinha e João Pinto, que “A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar (…) por ele já ter sido atingido por outro meio” (Código de Processo Civil Anotado, 2008, Vol. I, Coimbra, p. 555).
Perfilha no mesmo sentido, a jurisprudência firmada nesta magna Corte relativamente à inutilidade superveniente da lide, de que se destacam, entre outros, os Acórdãos n.ºs 485/2018 e 708/2021. (Disponível in https://jurisprudencia.tribunalconstitucional.ao).
Destarte, com a superveniência do facto da propositura de uma outra providência de habeas corpus, que corre os seus termos, torna-se despiciendo a apreciação da questão controvertida e, consequentemente, inútil a presente lide, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicado por força do n.º 2 do artigo 3.º do CPPA.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: DECLARAR EXTINTA A INSTÂNCIA, POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE, NOS TERMOS DA ALÍNEA E) DO ARTIGO 287.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.

Notifique-se.

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 05 de Março de 2024.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva (Relator)
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Dr. Gilberto de Faria Magalhães
Dr. João Carlos António Paulino (Declarou-se impedido)
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite S. Ferreira
Dra. Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva
Dr. Vitorino Domingos Hossi