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ACÓRDÃO N.º 878/2024

 

PROCESSO N.º 1096-D/2023

Processo Relativo a Partidos Políticos e Coligações (Recurso para o Plenário)
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Abel Epalanga Chivukuvuku, Recorrente nos autos de recurso extraordinário de revisão, interposto nos termos do preceituado nas alíneas b) e c) do artigo 771.º do Código de Processo Civil, veio, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 5.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), interpor recurso para o Plenário, do Despacho de indeferimento liminar do recurso extraordinário de revisão do Acórdão n.º 632/2020, proferido pela Juíza Conselheira Presidente deste Tribunal, no âmbito do Processo n.º 1094-B/2023.
Para o efeito, o Recorrente alega, em síntese, o seguinte:
1. Deu entrada no Tribunal Constitucional de um requerimento de interposição de recurso extraordinário de revisão do Acórdão n.º 632/2020, devidamente fundamentado.

2. Tal requerimento fundou-se na existência de documentos nos autos que foram determinantes para a prolacção do Acórdão e respectiva fundamentação, mas sem que a existência dos mesmos tivesse sido levada ao conhecimento do Recorrente para que, em homenagem ao princípio do contraditório, pudesse pronunciar-se sobre a sua natureza, admissibilidade e valoração nos autos.
3. Os referidos documentos deram entrada nesta Magna Corte nos dias 09 e 16 de Junho de 2020. Quatro (4) dias depois, ou melhor, a 22 de Junho de 2020, esta Magna Corte constitucional proferiu a decisão sem, no entanto, ter notificado o Recorrente sobre os aludidos documentos ou ter decorrido o prazo legal de 5 dias para o proferimento da decisão.

4. Além do facto acima descrito, o aqui Recorrente nunca solicitou a junção nos autos de quaisquer documentos, e tampouco consta dos autos qualquer ordem do Tribunal para o efeito.

5. Tais documentos se mostram em termos de teor, tal como o brocardo latino “venire contra factum proprium”, pois contradizem os documentos que os remetentes entregaram, em outra circunstância, ao Recorrente. Apesar disto, o Tribunal, diante daqueles documentos, não buscou apreciar a autenticidade de uns ou de outros, com a abertura do competente incidente de falsidade.

6. A Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional indeferiu liminarmente o requerimento de interposição do recurso extraordinário de Revisão do Acórdão acima referenciado, com base no fundamento de que os documentos citados pelo Recorrente não são susceptíveis de o sustentar, porquanto, não consubstanciam e nem preenchem o requisito da novidade para efeito de revisão da decisão.

7. A Veneranda Juíza Presidente afirma também que tais documentos já foram objecto de apreciação e reapreciação por esta Magna Corte. Não sendo o suficiente, a Conselheira concluiu o seu Despacho de indeferimento com a seguinte afirmação: “(...) indefiro liminarmente o presente requerimento com base nas disposições combinadas da 2.ª parte da alínea b) do artigo 771.º e de parte do artigo 774.º, ambos do CPC”.

8. Ora, discordando do entendimento vertido no Despacho de fls. 43 e 43 verso, o Recorrente, que em momento algum foi notificado de tais documentos, relembra que tomou ciência dos mesmos apenas no dia 25 de Julho de 2023, após solicitar certidões narrativas e de teor.

9. Em que circunstância esta Corte Constitucional apreciou e reapreciou tais documentos, se não contou com o pronunciamento do Recorrente, que é, nos termos da lei, o único com legitimidade para exercer o direito do contraditório nos autos.

10. Ora, o Tribunal, por via do Despacho de fls. 43 e 43 verso, andou bastante mal, pois nunca devia na sua decisão usar alguns documentos, estranhos e desconhecidos pela parte com superior interesse nos autos.
11. Não se percebe a lógica do Despacho da Veneranda Juíza Conselheira Presidente, pois tal como o Tribunal usou tais documentos como determinantes na sua decisão, também deve tê-lo em consideração no pedido que lhe é formulado de revisão do Acórdão antes proferido. Para indeferir, tais documentos foram uma novidade e para revisão já não são novidade!

12. Nunca houve discussão, tampouco apreciação e reapreciação de tais documentos que, não sendo novidade para o Tribunal, o é para o Recorrente que se surpreendeu com matéria nova levada aos autos por ilegítimos na causa.

13. É nula toda decisão que se funda em matéria contrária à lei e, no caso em apreço, em nenhum momento o Recorrente participou de qualquer discussão sobre tais documentos.

14. Há, neste caso, uma violação flagrante do princípio estruturante e transversal a todo o processo judicial, o princípio do contraditório, vertido nos artigos 3.º e 517.º do CPC, que não admite que se junte aos autos prova sem o pronunciamento das partes interessadas ou que estas não se pronunciem sobre a sua valoração.

15. Se atentarmos à descrição dos factos que serviram de fundamento ao pedido de recurso extraordinário de revisão do Acórdão n.º 632/2020, notar-se-á que estão presentes os fundamentos para sua admissão.

16. Os documentos em referência no recurso extraordinário de revisão são sim novidade para o Recorrente que não teve a oportunidade de se pronunciar sobre os mesmos na devida altura.

O Recorrente termina pedindo que se julgue procedente o presente recurso e, em consequência, revogue-se o Despacho da Juíza Conselheira Presidente deste Tribunal e admita-se o recurso extraordinário de revisão do Acórdão n.º 632/2020 para ulteriores termos processuais.
O Processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º da LPC.

 

III. LEGITIMIDADE
O Recorrente, por ter sido o subscritor dos pedidos de credenciamento e de inscrição da cancelada Comissão Instaladora do Partido do Renascimento Angolano – Juntos Por Angola, Servir Angola, na qualidade de ex-coordenador, tem legitimidade para interpor o presente recurso para o Plenário, do Despacho de indeferimento liminar do recurso extraordinário de revisão, proferido pela Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional, conforme estabelece o n.º 3 do artigo 5.º da LPC.

IV. OBJECTO
O presente recurso incide sobre o Despacho de indeferimento liminar do recurso extraordinário de revisão, proferido pela Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional a fls. 43 e 43v dos autos do Processo n.º 1094-B/2023.

V. APRECIANDO
Neste Tribunal, após ter sido rejeitada a sua inscrição e cancelado o seu credenciamento, por Despacho do Juiz Conselheiro Presidente, datado de 17 de Abril de 2020 (fls. 24 a 27 dos autos do Processo n.º 807-C/2020), a Comissão Instaladora do Partido do Renascimento Angolano - Juntos por Angola – Servir Angola, com a sigla PRA-JA SERVIR ANGOLA, interpôs recurso para o Plenário que foi julgado improcedente, por não ter a formação política em causa reunido os requisitos essenciais para o seu reconhecimento.
Desta decisão, vertida no Acórdão n.º 632/2020, sob o Processo n.º 807-C/2020, a referida Comissão Instaladora interpôs recurso extraordinário de revisão, com fundamento no disposto nas alíneas b) e c) do artigo 771.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ao processo constitucional por força do artigo 2.º da LPC, que foi liminarmente indeferido por Despacho da Juíza Conselheira Presidente, datado de 23 de Agosto de 2023, fundamentando-se que os documentos apresentados para efeitos de revisão não preenchiam o requisito de novidade (fls. 43 e 43v dos autos do Processo n.º 1094-B/2023).
Uma vez mais, irresignado, o Recorrente, em representação da aludida Comissão Instaladora, interpôs recurso para o Plenário, porquanto, entende estarem reunidos os requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário de revisão previamente impetrado.
Assistirá razão ao Recorrente?
Veja-se.
O recurso extraordinário de revisão está previsto no artigo 771.º do CPC e traduz-se, como a própria designação revela, num recurso excepcional que visa reparar vícios de tal forma graves, de entre um elenco taxativamente previsto, susceptíveis de reverter uma decisão já transitada em julgado. Por meio deste expediente processual é possível obter-se uma nova decisão, com fundamento na ocorrência de novos factos, diferenciando-se, assim, dos recursos ordinários, que incidem sobre decisões não transitadas em julgado.
Como nota Lebre de Freitas, este recurso delimita-se exclusivamente pelos seus fundamentos, que dizem respeito ao tribunal, às partes, ao objecto e à prova, podendo distinguir-se errores in procedendo e errores in iudicando (Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, Artigos 676.º a 800.º, Tomo I, 2.ª Edição, 2008, p. 224).
Atento ao seu carácter extraordinário e excepcional, os fundamentos deste recurso estão previstos nas alíneas do artigo 771.º do CPC, e somente estes podem sustentar uma eventual decisão de procedência do recurso, dado que a enumeração é taxativa.
Entretanto, compulsados os autos, verifica-se que, para fundamentar o seu recurso de revisão, a supracitada Comissão Instaladora tinha indicado como razões de interposição do recurso o disposto nas alíneas b) e c) do referido preceito, afirmando, no entanto, que o Tribunal violou os princípios do contraditório e do julgamento justo e conforme, e que as declarações emitidas e juntas ao Processo pelas Administrações Municipais do Kilamba Kiaxi (Província de Luanda) e do Libolo (Província do Cuanza-Sul) são falsas.
A norma da alínea b) do artigo 771.º do CPC dispõe o seguinte: A decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão “quando se apresente sentença já transitada que tenha verificado a falsidade de documento ou acto judicial, de depoimento ou das declarações de perito, que possam em qualquer dos casos ter determinado a decisão a rever. A falsidade de documento ou acto judicial não é, todavia, fundamento de revisão, se proferida na decisão a rever”.
Por sua vez, a alínea c) do mesmo preceito prevê que a decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão “quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificação da decisão em sentido mais favorável à parte vencida”.
Ora, de acordo com a alínea b), poderá haver lugar a recurso de revisão quando outra sentença transitada em julgado tenha declarado a falsidade de documentos que tenham sido determinantes para a decisão da causa.
Tal preceito exige, em primeiro lugar, que a apreciação da falsidade de documento ou acto judicial seja feita em acção autónoma e prévia ao recurso de revisão e que a decisão tenha adquirido já a qualidade de caso julgado no momento em que se apresenta o requerimento de interposição do recurso de revisão, sendo que tal falsidade não pode ter sido discutida no processo em que a decisão revidenda foi proferida.
Num segundo momento, esta norma impõe a verificação de um nexo de causalidade entre o vício e o teor da decisão a rever. A revisão só tem razão de ser quando haja nexo de causalidade entre o documento arguido de falso e a decisão visada. “O documento há-de estar para com a sentença na relação de causa para o efeito” (vide, a propósito, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. VI, 3.ª Ed. 1953, pp. 344 e 345).
Nestes termos, não é indispensável que a sentença tenha por base única ou se funde exclusivamente no documento cuja falsidade se alega; o essencial é que se apure que, sem o documento, o conteúdo da sentença não seria o mesmo. Se o documento não exerceu influência relevante na decisão ou se as circunstâncias mostrarem que, embora a sentença se tenha apoiado no documento, a decisão seria precisamente a mesma no caso de ele não ter sido produzido, não deve admitir-se a revisão.
No caso dos autos, não há nenhuma sentença que tenha tido por objecto ajuizar a veracidade ou falsidade dos documentos aludidos pelo Recorrente, concluindo pela sua falsidade. Sendo, sobretudo, uma mera alegação do Recorrente, não se mostra reconhecida a falsidade dos documentos que contribuíram para a formação da convicção do colectivo deste Tribunal, tal como impõe a norma em causa.
Ademais, analisado o aresto que se pretendia rever, verifica-se que, ainda que o Tribunal não tivesse valorado os referidos documentos, este chegaria à mesma conclusão, pois constatou outras irregularidades, relativas às assinaturas e ao princípio da representatividade mínima fixada por lei, que não se prendiam exclusivamente com as declarações de atestado de residência emitidas por aqueles Municípios.
Assim, no caso vertente, além de não se verificar a decisão transitada em julgado que se tenha pronunciado sobre a falsidade dos aludidos documentos, também não está demonstrado que, caso estes documentos fossem, por decisão judicial, considerados falsos, o Tribunal teria tomado outra decisão, na medida em que estes não foram os determinantes para que o Tribunal decidisse conforme decidiu.
No que diz respeito ao fundamento previsto na alínea c), este assenta na possibilidade de a parte interessada apresentar documentos novos de que não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso no processo em que foi proferida a decisão a rever, e de que esse documento, por si só, sem necessidade de conjugação com outras provas, tenha força probatória bastante para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
O documento deve fazer prova de um facto inconciliável com a decisão a rever, isto é, reporta-se a documento superveniente, de relevância determinante, anteriormente omitido, por a parte dele não ter tido conhecimento ou não o ter podido apresentar ao tribunal. São “supervenientes tanto os documentos formados antes do trânsito em julgado da decisão a rever, como os que já existiam na pendência da acção, mas que o recorrente não conhecia, ou conhecendo-os, deles não pudesse fazer uso” (Hermenegildo Cachimbombo, Manual dos Recursos no Processo Civil Angolano, 3.ª Ed., WA, 2021, p. 156).
No entanto, o Recorrente, para lograr a sua pretensão, não apresentou documentos novos ou supervenientes, limitando-se a afirmar que os documentos constantes dos autos são falsos e que, por desconhecimento, não pôde contraditá-los.
Ora, ao colocar em causa a autenticidade desses documentos e os princípios do contraditório e do julgamento justo e conforme, o Recorrente fundamentou o seu recurso extraordinário de revisão como se de um recurso ordinário se tratasse, impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto e não invocando quaisquer novos factos ou novos meios de prova, dos quais se possa inferir a inexistência dos factos dados como provados na decisão a rever.
Os documentos aqui imputados como novos ou supervenientes pelo Recorrente foram já apreciados pelo Tribunal para sustentar a sua decisão sobre a rejeição da inscrição da formação política em causa, e, portanto, não podem ser fundamento de revisão, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 771.º do CPC.
Como se disse, o recurso extraordinário de revisão é um recurso excepcional que visa combater um vício ou anomalia processual de especial gravidade e tem os seus fundamentos taxativamente previstos no citado artigo.
Para efeitos do disposto na alínea c) deste preceito não basta que a parte alegue não ter tido conhecimento do documento. O documento há-de ser novo também para o tribunal, no sentido de não se lhe ter sido apresentado para que, apreciando-o, proferisse a sua decisão.
Na verdade, a novidade do documento, enquanto primeiro requisito exigido por essa alínea, refere-se “ao processo anterior; o documento é novo, no sentido de que não foi produzido no processo de que emanou a sentença cuja revisão se requer. Se o documento já foi aí apresentado, a revisão é inadmissível” (Alberto dos Reis, ob. cit., p. 353).
Assim, uma vez que o Recorrente não indicou documentos novos ou supervenientes, nem sequer juntou aos autos sentença transitada em julgado que se tenha pronunciado sobre a falsidade de tais documentos, conclui-se que não se verificam os fundamentos de revisão previstos nas alíneas b) e c) do artigo 771.º do CPC, pelo que andou bem a decisão recorrida.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO INTERPOSTO PELO RECORRENTE E MANTER O DESPACHO RECORRIDO.
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.

Notifique-se.

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 06 de Março de 2024.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) (Declarou-se impedida)
Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira (Relator)
Dr. Gilberto de Faria Magalhães
Dr. João Carlos António Paulino
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite S. Ferreira
Dra. Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva
Dr. Vitorino Domingos Hossi