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ACÓRDÃO N.º 880/2024

 

PROCESSO N.º 1133-A/2024

Relativo a Partidos Políticos e Coligações (Providência Cautelar Não Especificada)
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Sapalo António, com os demais sinais de identificação nos autos, veio ao Tribunal Constitucional propor a presente Providência Cautelar não Especificada contra o Partido de Renovação Social (PRS), ao abrigo do artigo 29.º da Constituição da República de Angola (CRA) e dos artigos 30.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC) e 399.º do Código de Processo Civil (CPC).

O Requerente expôs os factos e as razões de direito que fundamentam a presente providência, invocando, em síntese, o seguinte:


1. O IV Congresso do PRS realizado em Maio de 2017, elegeu os seus órgãos de direcção, cujo mandato, decorridos 6 anos, cessou no dia 31 de Maio de 2023.

2. Para efeito de renovação dos órgãos electivos, o Presidente do Partido convocou a realização do V Congresso Ordinário, nos termos da alínea i) do artigo 42.º dos Estatutos.

3. Entretanto, no intuito de preparar o V Congresso, o Presidente indicou uma comissão integrada por membros do Secretariado Executivo Nacional, o que configura uma violação grave as alíneas a), b), c) e i) do artigo 39.º dos Estatutos do PRS.

4. Para a constituição da comissão preparatória, o Presidente reuniu apenas com o Secretário Executivo, o Vice-Presidente, o Secretário-Geral e alguns Secretários titulares, quando deveria convocar os 201 membros eleitos que integram o Comité Nacional, órgão com competência para deliberar sobre a convocação do congresso, conforme estabelece o n.º 1 do artigo 37.º e as alíneas a), b), c) e i) do artigo 39.º dos Estatutos do PRS.

5. Quanto à composição da comissão, o Presidente seleccionou e integrou indivíduos da sua confiança com o propósito de iludir a opinião pública, deixando de fora os membros que compõem o Comité Nacional (Comité Central) e o Conselho Político (Bureau Político).

6. Mais ainda, foi sancionado disciplinarmente de forma verbal, por ter manifestado intenção de concorrer à presidência no próximo pleito eleitoral. Em virtude disso, reclamou à Comissão de Ética e Auditoria (CEA), com recurso ao Presidente, para saber das razões que determinaram a aplicação da referida sanção, infelizmente, quer o CEA quer o Presidente mantiveram-se em silêncio.

7. A Comissão coordenada pelo Secretariado Executivo Nacional, em detrimento das competências estatutárias do Comité Nacional do PRS, elaborou um Ante-Projecto de Directiva/2023, que estabelece os procedimentos a serem observados para a realização das Assembleias de Núcleos, Distritais, Comunais, Conferências Municipais, Provinciais e do Congresso, bem como das candidaturas, na eleição dos delegados e candidatos, no âmbito do V Congresso Ordinário.

8. O Secretariado Executivo Nacional não tem competência para apresentar e aprovar o referido Ante-Projecto, onde se estabelece os procedimentos e os assuntos da ordem de trabalho do congresso e da aprovação dos regulamentos necessários para aplicação dos Estatutos do partido.

9. No dia 28 de Dezembro de 2023, em confronto com as regras do partido, o Presidente reuniu o Secretariado Executivo Nacional e desta reunião decidiu-se sobre questões atinentes à preparação do V Congresso, bem como à aprovação de regulamentos e eleição das comissões ao congresso.

10. Nessa reunião, não tomaram parte o Comité Nacional e o Conselho Político do PRS equiparados estatutariamente ao Comité Central e ao Bureau Político de um partido político.

11. Ora, desta preparação conduzida pela sobredita comissão assinalam-se irregularidades graves, sobretudo, na forma como estão a ser implementados os actos conducentes à realização do V Congresso Ordinário.

12. De tudo quanto aqui se relata, a consequência imediata é a impugnação da realização do V Congresso Ordinário por ter havido violação das normas estatutárias na sua preparação.

O Requerente conclui pedindo a procedência da presente Providência Cautelar não Especificada, sem audição prévia do Requerido, a suspensão dos actos praticados pelo Secretariado Executivo Nacional do PRS e a anulação das deliberações tomadas pela aludida comissão. Para o efeito, juntou procuração e demais documentos aos autos.

O Requerido, regularmente notificado, apresentou contestação, alegando, no essencial, o seguinte:


1. O Requerente identifica-se como membro do Conselho Político do PRS, mas de facto não o é, por ter sido suspenso desde 23 de Maio de 2022, na 3.ª Reunião do Comité Nacional, onde esteve presente e tomou conhecimento dessa condição.

2. A suspensão foi promovida pelo Conselho Político, órgão competente para o efeito, nos termos da alínea f) do artigo 46.º dos Estatutos e, posteriormente, confirmada pelo Comité Nacional como prescreve a alínea j) do artigo 39.º do referido diploma estatutário.

3. O regime disciplinar do PRS determina que todo o membro do Partido acusado em processo disciplinar terá o direito de recorrer aos órgãos competentes do partido, antes e depois de ser aplicada a sanção, apresentando a sua defesa por escrito, desde que não concorde com a acusação e/ou sanção de que é vítima.

4. Por isso, o Requerente devia recorrer ao Comité Nacional que é o órgão superior ao Conselho Político, entidade que aplicou a medida (…).

5. Quanto à legitimidade para convocar o V Congresso, tal como refere o próprio Requerente, é ao Presidente que compete convocar o Congresso sob deliberação do Comité Nacional.

6. Da acta da reunião do Comité Nacional realizada a 17 de Novembro de 2023, lavrou-se o seguinte: (…) “de seguida um dos pontos não menos esperado foi o oitavo, onde o Comité Nacional, deliberou que o V Congresso Ordinário do Partido, seja realizado nos dias 2, 3 e 4 de Abril de 2024 e autorizou o Presidente do Partido à sua convocação”.

7. O Secretariado Executivo Nacional é o órgão do PRS com competência estatutária para cumprir e fazer cumprir as orientações emanadas pelo Conselho Político e pelo Comité Nacional tal como se pode ler na alínea a) do artigo 53.º. Ora, tendo sido deliberada em reunião do Comité Nacional, a data para a realização do V Congresso, compete ao Secretariado Executivo Nacional eleger uma Comissão Preparatória para o efeito.

8. Por isso, no dia 23 de Janeiro de 2024, foi realizada a primeira reunião ordinária do Secretariado Executivo Nacional, presidida pelo Dr. Rui Malopa Miguel, Secretário-Geral do PRS, de cuja agenda constava a proposta da constituição da Comissão Preparatória do V Congresso do Partido.

O Requerido termina pedindo que a presente Providência Cautelar não Especificada seja julgada improcedente e o PRS ilibado de quaisquer responsabilidades.

O Processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA
Nos termos do artigo 30.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º e do n.º 1 do artigo 66.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), em conjugação com o n.º 2, segunda parte, do artigo 29.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro – Lei dos Partidos Políticos (LPP), o Plenário do Tribunal Constitucional é competente para conhecer e julgar os conflitos internos resultantes da aplicação dos estatutos ou convenções de partidos políticos. Tratando o presente processo de um conflito partidário, é o Tribunal Constitucional competente para apreciar e decidir a Providência Cautelar não Especificada intentada pelo Requerente.

III. LEGITIMIDADE
Nos termos do artigo 26.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 2.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – LPC, o Requerente, na qualidade de membro do PRS tem interesse directo em demandar e o Requerido, PRS, representado pelo seu Presidente, em contradizer, pelo que lhes assiste legitimidade no presente processo.

IV. OBJECTO
O objecto do presente processo é verificar se estão ou não reunidos os pressupostos da Providência Cautelar não Especificada, intentada pelo Requerente, nomeadamente a probabilidade séria de existência do direito invocado e o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do mesmo.

V. APRECIANDO
O Requerente veio ao Tribunal Constitucional intentar a presente Providência Cautelar não Especificada contra o PRS, invocando uma panóplia de irregularidades atentatórias aos princípios e direitos fundamentais previstos na Constituição, na lei e nos Estatutos, ocorridas no processo orgânico do V Congresso Ordinário do partido, convocado para os dias 2, 3 e 4 de Abril de 2024.
Atente-se, antes de mais, que a providência cautelar é um expediente judicial urgente que visa a prevenção de um dano mediante o preenchimento de requisitos legais essenciais, e a apresentação da produção de prova sumária quando existe a ameaça iminente da lesão de um direito.

No plano legal, dispõe o artigo 399.º do CPC que: Quando alguém mostre fundado receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer, se ao caso não convier nenhum dos procedimentos regulados neste capítulo, as providências adequadas à situação, nomeadamente a autorização para a prática de determinados actos, a intimação para que o réu se abstenha de certa conduta (…).

No caso sub judice, estarão tais pressupostos preenchidos? Vejamos!

O procedimento cautelar, nas palavras de Adelino da Palma Carlos, citado por Jorge Augusto Pais de Amaral, verbis: se destina a evitar um prejuízo grave (periculum in mora), que ameaça um direito subjectivo; prejuízo tão iminente que não pode esperar pela solução final de uma acção declarativa ou executiva (acção principal) instaurada ou a instaurar em curto prazo, e que exige a adopção de medidas urgentes, depois de um breve exame e instrução da causa (summaria cognitio), durante o qual o juiz tem de convencer-se apenas da probabilidade ou verosimilhança da existência do direito (fumus boni juris) e do perigo invocados (Direito Processual Civil, 9.ª ed. Almedina, 2010, p. 25).

Nesta acepção, o primeiro requisito, fumus boni iuris, traduz-se na plausibilidade séria da existência do direito alegado, ou seja, a existência de um direito que, com toda a probabilidade, virá a ser reconhecido ao Requerente numa possível acção principal. O segundo requisito, periculum in mora, consiste na iminência da verificação de qualquer lesão ou dano grave de difícil reparação àquele direito, em virtude da demora na conformação definitiva da lide, justificando-se, assim, a urgência na efectivação desse direito para prevenir os prejuízos que decorrem da natural demora do processo.

No mesmo contexto, tem-se invocado o princípio da proporcionalidade subjacente a teleologia do n.º 1 do artigo 401.º do CPC, que se resume no facto de que o Tribunal deve analisar, também, se, estando preenchidos os dois primeiros requisitos acima enunciados, a providência deverá ser recusada pelo Tribunal quando o prejuízo dela resultante para o Requerido exceda consideravelmente o dano que o Requerente pretende evitar.

Assim, duas questões jurídicas controvertidas, medulares, se suscitam, designadamente, que direito subjectivo do Requerente está ameaçado e que prejuízo o mesmo pretende evitar.

a) Quanto à Convocação do V Congresso Ordinário do PRS

Vislumbram-se dos presentes autos que o Requerente alega que não obstante o Requerido ter convocado o V Congresso Ordinário respaldado no artigo 42.º dos Estatutos do Partido, terá indicado para a preparação do referido conclave, a constituição de uma comissão integrada pelo Secretariado Executivo Nacional que reuniu apenas com o Secretário Executivo, o Vice-Presidente, o Secretário Geral e alguns secretários titulares, preterindo os 201 membros que compõem o Comité Nacional, o que configura uma violação grave as alíneas a), b), c) e i) dos artigo 39.º do Estatutos do PRS.

Porém, as motivações do Requerente quanto à suposta incompetência dos órgãos que invoca nas suas alegações, para a prática dos actos do processo orgânico do Partido, é arredada ex vi do arrimo das competências que lhes são conferidas pelas disposições estatutárias.

Vale aqui anotar, o preceituado nas alíneas a) e b) do artigo 39.º dos Estatutos do PRS, que prevêem o seguinte: compete ao Comité Nacional do Partido eleger o Conselho Político, o Vice-Presidente e o Secretário-Geral sob proposta do Presidente. Deliberar sobre a convocação do Congresso ordinário e extraordinário sempre que necessário.

O mesmo entendimento se extrai da Acta da IV Reunião Ordinária do Comité Nacional, de 17 de Novembro de 2023 (fls. 140 a 161), da qual se destaca o seguinte:
De seguida um dos pontos não menos esperado foi o oitavo, onde o Comité Nacional deliberou que o V Congresso Ordinário do Partido seja realizado nos dias 2, 3 e 4 de Abril de 2024 e autorizou o Presidente do Partido à sua convocação.

Ora, nos termos do disposto nos Estatutos do PRS, tendo sido deliberada em reunião do Comité Nacional, a data para a realização do V Congresso, compete ao Secretariado Executivo Nacional eleger uma Comissão Preparatória para o efeito. Neste sentido, no dia 23 de Janeiro de 2024, foi realizada a primeira reunião ordinária do Secretariado Executivo Nacional, presidida pelo seu Secretário-Geral onde foi aprovada a constituição da Comissão Preparatória do V Congresso do Partido.

Como se observa, do enquadramento normativo consignado nos artigos 39.º e 53.º dos Estatutos, os actos censurados pelo Requerente, foram praticados pelos órgãos internos próprios do partido com competência estatutária para este efeito.

No âmbito das agremiações políticas, o Estatuto é o instrumento jurídico-político reitor que visa assegurar o funcionamento e a organização interna dos partidos, cujas normas, de base constitucional e infraconstitucional, devem preservar a democraticidade, a igualdade e a sua juridicidade. Constitui uma ferramenta de elevada significância enquanto premissa de inestimável valor jurídico na protecção dos princípios do Estado Democrático de Direito.

In casu, quanto a este aspecto, o Tribunal Constitucional constata que o PRS observou as respectivas regras internas para a constituição da Comissão Preparatória do V Congresso, bem como para a sua convocação. Nesta medida, afere-se que os procedimentos legais e estatutários que conformam o processo orgânico do Congresso estão em harmonia com o disposto na lei e nos Estatutos.

b) Quanto à Aplicação da Sanção Disciplinar

Sobre este quesito, alega o Requerente que lhe terá sido aplicada a sanção disciplinar de suspensão para impedi-lo de concorrer à presidência do partido.
Neste ponto, infere-se dos documentos juntos aos autos que a razão da não admissão da sua candidatura à presidência do partido radica no facto de ter sido suspenso do Conselho Político do Partido, ficando, assim, a sua pretensão de concorrer prejudicada, por restrição de direitos políticos.

No caso sub judice, consigna a Acta da 3.ª Reunião Ordinária do Comité Central realizada aos 23 de Maio de 2022 (fls. 91), o seguinte teor:

Em conclusão, o Comité Nacional após uma profunda reflexão em volta do comportamento perverso do membro Sapalo António que de sua livre vontade praticou actos lesivos contra o Partido e o Presidente, passíveis de aplicação de sanções estatutárias. Nestes termos e no uso das suas competentes prerrogativas ratificou a sanção proposta pelo Conselho Político, tendo o membro Sapalo António sido afastado da categoria de membro do Conselho Político, no âmbito da alínea e) do artigo 15.º dos Estatutos do PRS, que foi aprovada por 96 votos a favor e 14 contra.

Deste modo, percebe-se claramente que a suspensão foi promovida pelo Conselho Político, órgão competente para o efeito, nos termos da alínea f) do artigo 46.º dos Estatutos e, posteriormente, ratificada pelo Comité Nacional como prescreve a alínea j) do artigo 39.º do referido diploma estatutário.

Refira-se que os Estatutos estabelecem que pode ser presidente do partido, membro do Comité Nacional e do Conselho Político quem nunca sofreu sanções disciplinares, nos termos das alíneas d), e), f) do artigo 15.º ou criminalmente condenado, ou seja, as alíneas supra mencionadas elencam as sanções de suspensão do cargo, despromoção e expulsão.

No tocante à esta situação fáctica, o Tribunal Constitucional entende que o exercício de direitos civis e políticos, catalogados como direitos fundamentais promotores do exercício democrático não devem ser sacrificados ad intemporum, ou seja, sem previsão exacta do seu término. Ao que se acresce que essa suspensão foi deliberada em 2022, ou seja, transcorridos sensivelmente dois anos, até a presente data.

Cabe realçar que o regime disciplinar do PRS constante do Regulamento de Sanções (artigo 8.º), determina que todo o membro do Partido acusado em processo disciplinar terá o direito de recorrer aos órgãos competentes do partido, antes e depois de ser aplicada a sanção, apresentando a sua defesa por escrito, desde que não concorde com a acusação ou sanção de que é vítima.

Apesar da teleologia deste normativo, verifica-se que dos autos constam duas reclamações (fls. 22-25; 26-28 e 30), que o Requerente endereçou à Comissão de Ética e Auditoria impugnando a aplicação da aludida sanção, sem quaisquer pronunciamentos até a presente data. Ora, o silêncio a que se remeteu a Comissão de Ética e Auditoria teve como consequência a condição de inelegibilidade em que se encontra votado o Requerente. Aqui, é mister realçar que a CRA e a LPP dispõem as condições restritivas impeditivas do exercício de direitos políticos, obstaculizadores de candidaturas eleitorais. Por outro lado, constata-se ainda que o não pronunciamento da Comissão de Ética e Disciplina mitiga os direitos do Requerente a ampla defesa e ao recurso, enquanto direitos fundamentais da ordem jurídica angolana.

Revelam os autos que o Requerente foi suspenso no dia 23 de Maio de 2022, por lhe ter sido aplicada a sanção disciplinar de suspensão do cargo que já decorre há 1 (um) ano e oito meses. Ora, a medida disciplinar, não sendo a mais grave, prescreve e não pode prejudicar o Requerente de concorrer à presidência do partido.

De todo o defluido, decorre que na providência cautelar sub judice, o interesse que o Requerente pretende acautelar é pois, de que a situação conflituosa do partido se agrave ainda mais com a realização de um congresso em que se afasta um candidato para permitir a participação de um único, não havendo, assim, multiplicidade de candidaturas, como consigna o n.º 1 do artigo 41.º dos Estatutos do PRS.

Diante do expendido supra, não obstante, os fundamentos apresentados pelo Requerido estarem fixados nos documentos internos do partido, designadamente nos Estatutos e no Regulamento de sanções, não se pode descurar o que estabelece a Constituição da República de Angola, como lei mãe, de hierarquia superior, ou seja, é preciso analisar-se esta questão do prisma constitucional.

Nesta perspectiva, nos termos da Constituição angolana (n.º 2 do artigo 110.º), são inelegíveis ao cargo de Presidente da República, os cidadãos que tiverem sido condenados com pena de prisão superior a 3 anos. Esta mesma previsão rege, igualmente, os cidadãos candidatos a Deputados, ou seja, são inelegíveis a Deputados dentre outras, os cidadãos que tenham sido condenados com pena superior a 3 anos, nos termos do artigo 145.º da CRA. Por isso, afigura-se irrazoável que a nível de partido político uma sanção de suspensão, sobretudo, sem prazo definido, seja causa de inelegibilidade ao cargo de presidente do partido.

Ademais, invoca o Requerido na sua contestação que o Requerente está suspenso desde 23 de Maio de 2022. Porém, esta sanção não sendo a mais gravosa, como é a expulsão, nos termos dos Estatutos do Partido, não provoca o rompimento definitivo e irremediável do vínculo jurídico-partidário entre o Requerente e o Partido.

À luz da Constituição, a capacidade eleitoral passiva só se restringe em condições intrínsecas, excepcionais, de modo a prestar prevalência aos cânones constitucionais fundantes do Estado Democrático de Direito e das regras válidas do jogo democrático, plural e competitivo assentes na democracia participativa e na isonomia entre os membros militantes do partido. Pelo que, não basta a realização de eleições internas nos partidos, mais do que isso, é necessário que haja, efectivamente, uma verdadeira democratização interna, transparente que granjeie a confiança dos militantes.

Portanto, sendo assim, o membro de um partido que queira candidatar-se à presidência do seu partido não pode ser afastado com fundamento numa sanção de suspensão sem a definição de limites no seu tempo de duração porque ofende o princípio da legalidade sancionatória. Desta feita, deve-se conferir primazia à supremacia da Constituição, designadamente o espírito e a letra dos artigos (110.º e 145º), que admitem a inelegibilidade nas circunstâncias em que o candidato tiver sido condenado a pena de prisão superior a 3 anos, o que não foi o caso vertente.

Vale ressaltar que a providência cautelar constitui uma garantia nuclear que assegura às partes o direito a julgamento justo e conforme, o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, o devido processo legal e demais garantias processuais reconhecidas aos litigantes. Porém, a sua procedência implica, imperiosamente, a verificação cumulativa dos seus requisitos fundamentais, o fumu boni juris e o periculum in mora que devem ser aferidos da alegação de factos que permitam afirmar, com objectividade, distanciamento e actualidade a existência da eventual ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo ou o dano que se pretende acautelar.

Entretanto, o Tribunal Constitucional não pode desconsiderar que o afastamento do aqui Requerente, a concretizar-se, terá como consequência inevitável a violação de princípios, liberdades e garantias fundamentais, bem como o agravamento do conflito intrapartidário que desde algum tempo a esta parte tem assombrado o Partido PRS.

Não restam dúvidas que terá, com toda a probabilidade, consequências graves para a generalidade dos militantes do PRS que entenderão como um extremar da sua divisão, por beliscar as regras da democraticidade interna e da gestão integradora do partido, designadamente o princípio da multiplicidade de candidaturas previsto no n.º 1 do já citado artigo 41.º dos Estatutos do PRS.

Deste modo, na linha da jurisprudência do Tribunal Constitucional fixada no Acórdão n.º 135/2011, de 12 de Julho, admite-se o decretamento de uma providência destinada a durar somente enquanto não se realiza o julgamento da acção principal, para assim, afastar-se o risco e eliminar o dano. Todavia, o Tribunal adopta medidas cautelares na expectativa de que o juízo provisório venha a ser confirmado pela decisão definitiva.

Face ao exposto, o Tribunal Constitucional conclui que os requisitos essenciais do fumu boni juris e do periculum in mora estão objectivamente verificados no presente processo. Por isso, se justifica que a presente Providência Cautelar não Especificada deve ser atendida.

Nestes termos,
DECIDINDO

Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: DAR PROVIMENTO À PRESENTE PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA E, CONSEQUENTEMENTE, INTIMAR O REQUERIDO A ABSTER-SE DE REALIZAR O ANUNCIADO V CONGRESSO ORDINÁRIO.

Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.

Notifique-se.

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 27 de Março de 2024.

OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Dr. Gilberto de Faria Magalhães
Dr. João Carlos António Paulino
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite S. Ferreira (Relatora)
Dra. Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva