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ACÓRDÃO N.º 888/2024

PROCESSO N.º 1114-B/2023

Recurso Para o Plenário

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Carlos Alberto Da Silva Ramos, com os demais sinais de identificação nos autos, veio, por intermédio do seu mandatário judicial, nos termos do n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), interpor o presente recurso para o Plenário, contra o despacho de indeferimento proferido pela Veneranda Juíza Conselheira Presidente deste Tribunal, nos autos de reclamação apresentada pelo Recorrente, no Processo n.º 1112-D/2023, alegando em síntese o seguinte:
1. O Recorrente interpôs Recurso Ordinário de Inconstitucionalidade, junto do Tribunal da Relação de Luanda, no âmbito do Processo n.º 07/23-J, que correu trâmites junto da 2.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Família, Fiscal e Aduaneiro, o qual foi indeferido por extemporaneidade.

2. Do despacho de indeferimento, apresentou reclamação junto da Veneranda Juíza Conselheira Presidente desta Corte, por não se conformar, tendo a mesma sido indeferida, por extemporaneidade, com fundamento no n.º 5 do artigo 42.º da LPC, conjugado com o n.º 2 do artigo 688.º do CPC, aplicável, subsidiariamente, por força do artigo 2.º da LPC.

3. O recurso de rejeição é um dos expedientes legais permitidos, sujeito a jurisdição do Tribunal Constitucional, nos termos do n.º 2 do artigo 8.º da LPC.

4. Tanto o despacho da Veneranda Juíza Conselheira Presidente, quanto o da Veneranda Juíza Desembargadora são manifestamente contrários à Constituição, por se basearem em normas que devem ser consideradas não vigentes, por serem contrárias à Constituição, por força dos preceitos 226.º e 239.º, todos da CRA.

5. Que a Constituição nos n.ºs 1 e 2 do artigo 13.º, do artigo 26.º e n.ºs 4 e 5 do artigo 29.º, todos da CRA, impõe que, por força da lei, não seja admissível, nos termos do n.º 2 do artigo 5.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP), qualquer restrição ou suspensão de direitos fundamentais, combinado com a alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP) e artigo 8.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), reconhecidos ou vigentes em Angola.

6. Neste sentido, o Despacho Recorrido viola o princípio consagrado nos n.ºs 2 e 3 do artigo 29.º da CRA.

O Recorrente termina, requerendo que seja dado inteiro provimento ao presente recurso e, por via dele, se revogue o despacho recorrido, por inconstitucionalidade e, consequentemente, ser admitido o recurso ordinário de inconstitucionalidade, com efeito suspensivo e subida nos próprios autos.

O processo foi à vista do Digníssimo Magistrado do Ministério Público junto desta instância, que se pronunciou no sentido de não ser dado provimento ao recurso, porquanto o Despacho recorrido não violou os princípios e preceitos constitucionais invocados pelo Recorrente.
Colhidos os vistos legais cumpre, agora, apreciar, para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O Plenário do Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º da Lei n.º 3/08, 17 de Junho - Lei do Processo Constitucional (LPC).

III. LEGITIMIDADE

Nos termos do n.º 3 do artigo 5.º LPC e do n.º 2 do artigo 8.º da LPC, o Recorrente tem legitimidade para interpor o presente recurso para o Plenário, por não se conformar com o Despacho de indeferimento, por extemporaneidade, prolactado pela Veneranda Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional.
IV. OBJECTO
O objecto do presente recurso é de verificar se a decisão vertida no Despacho de indeferimento proferido pela Veneranda Juíza Conselheira Presidente desta Corte, nos autos de reclamação apresentada pelo Recorrente, em sede do Processo 1112-D/2023, violou, ou não, direitos ou princípios constitucionalmente consagrados.

V. APRECIANDO
O recurso para o Tribunal Constitucional resultou do facto de o Recorrente estar inconformado com o Despacho de indeferimento liminar que recaiu sobre a interposição de recurso ordinário de inconstitucionalidade apresentado no âmbito do Processo n.º 07/23-J, que correu trâmites junto da 2.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Família, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal da Relação de Luanda.

Para tal, apresentou reclamação junto desta Corte, conforme fls. 2 dos autos do Processo n.º 1112-D/2023, com fundamento nas disposições combinadas do n.º 5 do artigo 42.º da LPC e do n.º 2 do artigo 688.º do CPC, tendo sido a mesma indeferida, por extemporaneidade, mediante Despacho proferido pela Veneranda Juíza Conselheira Presidente e, não se conformando com o mesmo, interpôs o presente recurso para o Plenário.
Na sequência, o Recorrente afirma que o referido Despacho carece de uma interpretação mais consentânea com os ditames da aplicação constitucional dos direitos fundamentais, em harmonia com o que está consagrado nos artigos 13.º e 26.º da CRA.

Para sustentar a sua posição, alega que os prazos estabelecidos para a interposição da Reclamação por indeferimento do recurso, decorrem do direito ordinário e, são anteriores à entrada em vigor da Constituição da República de Angola, não devendo, por isso, ser aplicáveis no ordenamento jurídico angolano, por se acharem inconstitucionais, na medida em que existe uma contradição entre as mesmas e a Constituição, nos termos dos artigos 226.º e 239.º da CRA.

Deste modo, sustenta, ainda, o Recorrente, que os tribunais ao aplicarem aquelas normas, não sendo elas conforme a Constituição, afastam as garantias plasmadas na CRA, mormente o artigo 13.º, n.ºs 1 e 2 do artigo 26.º, n.ºs 4 e 5 do artigo 29.º e artigo 177.º, conjugados com o n.º 2 do artigo 5.º da PIDCP, alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º da CADHP e artigo 8.º da DUDH, instrumentos internacionais ratificados por Angola, cuja aplicação deve ser observada, quando se trata de violação dos direitos fundamentais, bem como o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, previsto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 29.º da CRA;

Dos argumentos trazidos à liça pelo Recorrente, facilmente se infere que, na sua convicção, as normas da legislação angolana infra constitucional que estabelecem prazos para a prática e o exercício de um direito, contrariam e ofendem normas e princípios constitucionais.

Sucede que, os actos processuais peremptórios devem ser praticados nos prazos legalmente previstos, sob pena do direito subjacente à prática do referido acto sucumbir, por inércia do seu titular.

Daniel Ferreira, Mário Palassu e outros, defendem que “Por questão de certeza e segurança jurídica, os actos processuais, sob pena de preclusão do direito, devem ser praticados em obediência aos prazos a que estiverem sujeitos. Assim também sucede para a instância de recursos, pelo que, sendo um prazo para a prática dos actos processuais peremptórios, a sua inobservância equivale a renúncia para o exercício do direito para a prática dos actos e, consequentemente, a sua preclusão, ou seja depois do prazo indicado, extingue-se o direito para a prática do acto” (Manual de Tramitação Processual Angolano, A Marcha dos Processos Civis, Laborais, Familiares, e Penais, incluindo Actos Processuais, Termos e Formulários, Vol. I, 2022, Editora Azul, p. 258).

Ora, constata-se dos autos que o Recorrente deu entrada da reclamação contra a decisão que rejeitou liminarmente o requerimento de interposição do recurso, no Tribunal da Relação de Luanda, no dia 24/07/2023 (fls. 26), e nesta instância constitucional, apenas no dia 17/11/2023 (fls. 2), ou seja, cerca de quatro (4) meses depois, quando o ritual processual para a reclamação retro referida, estabelece que deve ser interposta directamente no Tribunal Constitucional com conhecimento ao Juiz da causa. Logo, não tendo sido interposta tal reclamação no período que fica assinalado nos termos do n.º 2 do artigo 688.º do CPC, conjugado com o n.º 5 do artigo 42.º da LPC, ficou precludida a possibilidade de o fazer, ou seja, a reclamação apresentada é extemporânea e improcede.

Foi o que ocorreu no caso em tela, pois o Recorrente não procedeu de acordo com o preceituado na legislação supra referenciada. Por conseguinte, não é curial desvincular-se da sua inação, por não cumprimento dos prazos estabelecidos por lei, alegando inconstitucionalidade das normas que serviram de fundamento para rejeição da sobredita reclamação, tendo como argumentos de razão, de que as mesmas não se encontram em vigor, por força dos artigos 226.º e 239.º da CRA.

Diante do expendido, este Tribunal denota que o impetrante recorre à um exercício hermenêutico bastante arrojado, a fim de concluir que as normas do n.º 2 do artigo 688.º do CPC e o n.º 5 do artigo 42.º da LPC são inconstitucionais, mais do que isso, não são vigentes. Não é de acolher tais fundamentos, pois estão em contramão com a realidade legislativa processual e a praxis judiciária angolana.
Ademais, é este o entendimento perfilhado por esta Corte nos Acórdãos n.º 652/2020 e n.º 685/2021 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.ao).

Por outro lado, o Recorrente faz menção da ofensa ao princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, recorrendo ao suporte de instrumentos jurídicos internacionais, os quais a República de Angola ratificou, todavia, não fundamenta com clarividência, de que forma as normas aplicadas para o indeferimento da reclamação, contendem, em termos de interpretação e integração com os aludidos instrumentos internacionais, tal como dispõe, o n.º 2 do artigo 26.º da CRA.

Em bom rigor, a caducidade é a inadmissibilidade da prática de um acto processual pela parte, depois do prazo peremptório para a sua realização, sendo que uma das funções que realiza é a de estabilização, o que significa que uma vez inobservado o ónus de praticar o acto, estabiliza-se a situação processual decorrente da omissão do acto, não mais podendo esta situação ser alterada, ou só podendo ser alterada com um fundamento específico. Dito de forma diversa, o não exercício de um direito ou a prática de um acto dentro do prazo, estão sujeitos à caducidade.
O fundamento específico da caducidade reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período tido como razoável pelo legislador e, durante o qual, seja legítimo esperar o seu exercício, se nisso estivesse interessado. A negligência faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos, o titular indigno de protecção jurídica, como se diz no velho aforismo, dormientibus non succurrit jus.
Deste modo, importa referir que o fundamento invocado no Despacho Recorrido para que a pretensão do Recorrente fosse indeferida, não ofendeu o princípio da tutela jurisdicional efectiva, sendo certo que, o referido princípio garante que as partes no processo possuam um arsenal de direitos processuais que lhes permita influir na decisão final da lide. Direitos em relação aos quais o legislador ordinário possui uma razoável dose de discricionariedade de atribuição, tendo este, porém, em qualquer caso, de se mover na órbita do direito a um processo equitativo e no respeito pelo princípio do contraditório.

Na perspectiva de Pedro Manuel Luís, o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva “(…) pressupõe a possibilidade de que todos, indistintamente, possam pleitear as suas demandas junto dos órgãos do Poder Judiciário, desde que obedecidas as regras estabelecidas pela legislação processual para o exercício do direito” (Curso de Direito Constitucional Angolano, 2014, Qualifica Editora, p. 202).

Destarte, a garantia de acesso ao direito e a tutela jurisdicional efectiva são conceitos de conteúdos abstratos, cuja densificação cabe ao legislador ordinário que, in casu, estabeleceu prazos legais para apresentar reclamação junto desta Corte.

Assim sendo, face ao exposto, este Tribunal constata que, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, o Despacho recorrido não violou preceitos constitucionais, nem ofendeu o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, previsto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 29.º da CRA.

Nestes termos,

DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, POR ENTENDER QUE O DESPACHO RECORRIDO NÃO OFENDE PRINCÍPIOS NEM VIOLA DIREITOS CONSAGRADOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE ANGOLA.

Custas pelo Recorrente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.

Notifique-se.

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 15 de Maio de 2024.

OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) (Declarou-se Impedida)
Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva
Dr. Gilberto de Faria Magalhães
Dr. João Carlos António Paulino
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite S. Ferreira
Dra. Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva
Dr. Vitorino Domingos Hossi (Relator)