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ACÓRDÃO N.º 889/2024

 

PROCESSO N.º 1099-C/2023

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO
Pedro Monteiro Cardoso, com os demais sinais de identificação nos autos, veio ao Tribunal Constitucional interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade contra o Acórdão do Tribunal Pleno e de Recurso que manteve a decisão proferida pela Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, tendo na sua génese um acto administrativo praticado pelo Director do Instituto Nacional de Segurança Social (INSS), que reduziu a pensão de reforma por velhice do Recorrente e um segundo acto administrativo de indeferimento do recurso tutelar, praticado pelo Director do Gabinete Jurídico do MAPESS.
O Recorrente apresentou as alegações transcrevendo-se, em síntese, o seguinte:
1. Nos termos do n.º 2 do artigo 119.º do Decreto-Lei n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro (em vigor à data dos factos), o recurso tutelar só existe nos casos expressamente previstos na Lei e tem carácter facultativo.

2. O Decreto n.º 18/98, de 17 de Julho, do Conselho de Ministros (em vigor à data dos factos), que aprovou o Estatuto Orgânico do INSS, não previa expressamente o recurso tutelar para o Ministro do MAPESS contra os actos do Director do INSS.

3. Não havendo essa previsão legal, a decisão do recurso tutelar interposto ao Ministro, não pode produzir efeitos porque é legalmente inexistente.

4. O recurso tutelar tem natureza facultativa, o que significa que o Recorrente não estava obrigado a apresentá-lo, sendo que a sua apresentação não suspendia a decisão recorrida, nem o prazo para a impugnação contenciosa.

5. O acto do Director do INSS é definitivo e executório, posto que ele representa o mais alto grau de hierarquia do referido Instituto.

6. Assim, o Recorrente tanto podia interpor recurso tutelar, como podia interpor directamente o recurso contencioso.

7. Em qualquer um dos casos, ao Recorrente sempre interessaria que o recurso contencioso fosse decidido, posto que o Tribunal ad quem, ao considerar que o acto administrativo que interessava apreciar era a decisão do recurso tutelar, violou o princípio da legalidade e o direito à protecção e assistência social na velhice, conforme n.º 2 do artigo 6.º, artigo 77.º e 177, todos da CRA.

8. Ainda que se aplicasse ao caso a precedência obrigatória, o meio gracioso obrigatório nunca seria o recurso tutelar, até porque a CRA reconhece a todos os cidadãos o direito de acesso ao direito e a tutela jurisdicional efectiva.

9. Por outro lado, o Recorrente desconhece se terá havido um acto administrativo sobre a forma escrita de delegação de poderes do Ministro do MAPESS para o Director do Gabinete Jurídico do mesmo Ministério. Se sim, os actos do delegado têm a mesma força jurídica que teriam se fossem praticados pelo delegante. Assim, cai por terra a tese da ilegitimidade sufragada pelo Tribunal recorrido.
Termina pedindo que a decisão recorrida seja declarada inconstitucional por violação dos artigos 6.º, 29.º, 77.º e 177.º, todos da CRA.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso, nos termos e fundamentos da alínea a) do artigo 49.º e 53.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), norma que estabelece o âmbito do recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional, que são “as sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República de Angola”.

III. LEGITIMIDADE
O Recorrente é parte vencida no processo que correu trâmites no Tribunal Pleno e de Recurso do Tribunal Supremo, assim sendo, tem legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) do artigo 50.º LPC, que dispõe: “têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.

IV. OBJECTO
O presente recurso tem por objecto, aferir se a decisão proferida pelo Tribunal Pleno e de Recurso do Tribunal Supremo, nos autos do Processo n.º 132/2011, ofendeu ou não princípios, direitos e garantias previstos na Constituição da República de Angola.

V. APRECIANDO

Indagados os autos, verifica-se, ter sido apresentada uma reclamação (requerimento) aos 29 de Agosto de 2008, dirigida ao Director do Instituto Nacional de Segurança Social, doravante INSS, pelo facto deste órgão ter, alegadamente, reduzido a pensão de reforma por velhice do aqui Recorrente que, mediante despacho do Director em causa, foi negado provimento aos 31 de Dezembro do mesmo ano (fls. 24 e25).
Irresignado com o indeferimento da reclamação, o Recorrente interpôs o recurso tutelar para o Ministro da Administração Pública, Emprego e Segurança Social contra o acto administrativo praticado pelo Director do INSS (fls. 26), que não logrou alcançar os fins pretendidos, na medida em que foi igualmente negado provimento ao recurso em questão (fls. 27 a 29 dos autos).
Prosseguindo, nesta conjuntura, interpôs recurso contencioso de anulação (impugnação do acto administrativo) para a Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo contra a decisão proferida pelo Ministro no recurso tutelar e, fê-lo, a fls. 4 a 20 do processo, porém, indicou o Director do Gabinete Jurídico do Ministério da Administração Pública, Emprego e Segurança Social e o Director do INSS, como órgãos recorridos.

Conclusos os autos e por exposição a fls. 73 a 74, foi o Recorrido Director do Gabinete Jurídico do MAPESS, declarado parte ilegítima e absolvido da instância. Inconformado com a decisão da Câmara, o Recorrente recorreu para o Plenário do Tribunal Supremo, que confirmou a decisão impugnada.

Quanto ao Director do INSS, o Tribunal ad quem considerou, com a interposição do recurso tutelar, que a questão a resolver passou da esfera da competência do Director do INSS, para a esfera do Ministro do MAPESS, concebendo ao contrário do entendimento do Recorrente, tratar-se apenas de um acto administrativo a julgar ao invés de dois.

Desta feita, veio o Recorrente a esta instância constitucional, interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, contra o douto Acórdão do Plenário do Tribunal Supremo, considerando que ao decidir como decidiu, violou ostensivamente normas e princípios fundamentais consagrados na Constituição da República de Angola (CRA), designadamente, o princípio constitucional da legalidade e do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (artigos 6.º, 29.º, 77.º e 177.º da CRA).

Assim, numa óptica de enquadramento das questões suscitadas, pelo aqui Recorrente, impõe-se para efeito da apreciação da constitucionalidade da decisão recorrida, operar uma destrinça no tratamento dogmático entre a circunstância de terem sido demandados pelo Recorrente, tanto o Director do Gabinete Jurídico do MAPESS como o Director do INSS, tendo como pano de fundo a natureza dos actos administrativos respectivamente praticados.

1. Quanto ao acto administrativo praticado pelo Director do Gabinete Jurídico do MAPESS
O Recorrente invoca no primeiro ponto das alegações, que interpôs na Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, um recurso contencioso de anulação de acto administrativo praticado pelo Director do INSS, que reduziu a pensão de reforma por velhice do Recorrente e do acto administrativo de indeferimento do recurso tutelar praticado pelo Director do Gabinete Jurídico do MAPESS.
Atentemos, num primeiro momento, sobre o segmento da decisão recorrida, que julgou o Director do Gabinete Jurídico do MAPESS, parte ilegítima e, consequentemente, o absolveu da instância.

Analisemos,

Ser parte legítima “(...) é ter poder de dirimir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ela oponível. A parte terá legitimidade como autor se for ela quem juridicamente pode fazer valer a pretensão em face do demandado, admitindo que a pretensão exista, e terá legitimidade como réu, se for ela a pessoa que juridicamente pode opor-se à procedência da pretensão, por ser ela a pessoa cuja esfera jurídica é directamente atingida pela providência requerida” (Antunes Varela, João Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2004, 2.ª Ed., Coimbra Editora, p. 129).

Dito de outra forma, “A legitimidade das partes é o pressuposto processual através do qual a lei selecciona os sujeitos de direito admitidos a participar em cada Recurso Contencioso Administrativo levado a Tribunal” (Diogo Freitas do Amaral e Carlos Feijó, Direito Administrativo Angolano. Almedina, 2016, p. 790).

Portanto, é uma questão que deriva da própria lei, isto é, não é admissível presumir a legitimidade das partes. Sendo que em todos ramos do direito, a respectiva lei processual se encarrega em definir quem e como pode ser considerada parte numa relação jurídica controvertida, deixando claro quem é Autor/Requerente/Demandante e quem deve figurar como Réu/Requerido/Demandado.

No âmbito do processo contencioso administrativo, tal como ocorre nos demais ramos de direito, a legitimidade pode ser activa ou passiva, sendo que, a activa diz respeito a faculdade de poder demandar no processo, ao passo que a passiva é relativa a capacidade de ser demandado.

Por conseguinte, inexistindo dúvidas relativamente a legitimidade activa do Recorrente, apenas importa reflectir sobre a legitimidade passiva que está estipulada na alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 4-A/96, de 5 de Abril (Regulamento do Processo do Contencioso Administrativo, doravante RPCA), vigente à data dos factos, sendo este, cristalino ao definir que tem legitimidade para ser demandado “ o Órgão da Administração do Estado de que promana o acto impugnado ou que praticou a violação do direito”.

Ora, em conformidade com o disposto no artigo supra referido, tem legitimidade passiva, o órgão do Estado que praticou o acto administrativo que fez nascer o recurso contencioso. Ou seja, a autoridade administrativa que em ultima ratio proferiu um despacho ou qualquer acto que feriu direitos e interesses legalmente protegidos do Requerente.

Aqui chegados, importa salientar que, o ora Recorrente fez uso de todas as garantias impugnatórias que estavam ao seu alcance, para então poder atacar o acto praticado pela Administração Pública, que considerou inadequado por ilegalidade.

Com efeito, a impugnação do acto administrativo pode ser feita por meio de reclamação, recurso hierárquico, recurso tutelar (implicitamente) e o recurso contencioso, nos termos do artigo 9.º, da Lei n.º 2/94, de 14 de Janeiro (Lei da Impugnação dos Actos Administrativos), que vigorava à data dos factos.

Nos presentes autos, após reclamação, o Recorrente apresentou recurso tutelar para o Ministro da Administração Pública, Emprego e Segurança Social, isto porque, a estrutura orgânica do INSS, não admitia recurso hierárquico uma vez que o seu Director era a entidade máxima.

O Ministro supra indicado, é o órgão singular a quem compete dirigir e coordenar toda actividade dos serviços do Ministério, bem como exercer poderes de superintendência aos organismos colocados por lei na sua dependência, em conformidade com o n.º 1, do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 8/07, de 4 de Maio (Estatuto Orgânico do Ministério da Administração Pública, Emprego e Segurança Social), igualmente em vigor no momento dos factos.

Ora, foi perante o referido quadro jurídico, que o Recorrente interpôs recurso tutelar para o Ministro do MAPESS, que, na qualidade de órgão de superintendência do INSS, mediante Despacho, decidiu desfavoravelmente o petitório do Recorrente, tendo o Director do Gabinete Jurídico do Ministério procedido a transcrição do referido Despacho, dando conhecimento do seu conteúdo ao interessado.

Porém, na perspectiva do Recorrente, teria existido um acto administrativo sobre a forma de delegação de poderes do então Ministro do MAPESS para o Director do Gabinete Jurídico do mesmo Ministério, razão pela qual, diante do insucesso decisório no recurso tutelar, interpôs o recurso contencioso na Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, contra o acto administrativo do mencionado Director de Gabinete Jurídico.

Assiste-lhe razão?

Vejamos,
Para melhor elucidação do acima expendido, vale asseverar que a competência pode ser definida como o conjunto de poderes funcionais, que a lei confere aos órgãos das pessoas colectivas públicas para a prossecução das suas atribuições. Já as atribuições são os fins ou interesses que a lei incumbe às pessoas colectivas de prosseguir.

Como afirmam Diogo Freitas do Amaral e Carlos Feijó “nas pessoas colectivas públicas, as atribuições referem-se à pessoa colectiva em si mesma, enquanto a competência se reporta aos órgãos” (op. cit. p. 57).

No mesmo sentido foi o legislador angolano ao estabelecer que “Os órgãos administrativos com competência de decisão em determinada matéria podem, desde que para tal estejam legalmente habilitados, permitir, através de um acto de delegação de poderes, que outro órgão pratique actos administrativos sobre idêntica matéria” artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro – do Procedimento Administrativo, em vigor à data dos factos.

Tanto a doutrina como a lei, estabelecem a delegação de poderes como a faculdade que um órgão tem de atribuir competências próprias a outro órgão ou agente, ou seja, permitir que outro órgão ou agente pratique um acto que é uma competência originária do delegante. Ainda nos termos da lei referida supra, o delegante teria de especificar com exactidão que poderes delega, com a obrigação de publicar o acto de delegação em Diário da República.

Assim, o Ministro, enquanto órgão de uma pessoa colectiva pública tem competências próprias. Estas competências podem ser delegadas a um outro órgão do Ministério.

João Caupers, define a delegação de poderes (ou de competências) como “o acto pelo qual o órgão de uma pessoa colectiva envolvida no exercício de uma actividade administrativa pública, normalmente competente em determinada matéria e devidamente habilitado por lei, possibilita que outro órgão ou agente pratiquem actos administrativos sobre a mesma matéria” (Introdução ao Direito Administrativo, 2009, 10.ª ed., Âncora, p. 162).

O documento assinado pelo Director do Gabinete Jurídico principia como se transcreve (fls. 27 dos autos):

“Assunto: RECURSO TUTELAR DE PEDRO MONTEIRO CARDOSO”.

“Acusamos a recepção da vossa exposição referente ao assunto em título, de 16 de Março de 2009, pelo que após apreciação e por incumbência de sua Excelência Senhor Ministro da Administração Pública, Emprego e Segurança Social, cumpre-nos informar que foram os pedidos indeferidos (…)”.

O documento é claro e sem margem de dúvidas, na medida em que, após a apreciação do recurso tutelar pelo Ministro e por incumbência deste, ao Gabinete Jurídico coube, informar a decisão tomada pelo Ministro de indeferir os pedidos solicitados pelo Recorrente naquele recurso.

Nas circunstâncias do caso, não se verificou o procedimento imposto, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 12.º e, consequentemente o n.º 1 do artigo 14.º, ambos do Decreto-Lei n.º 16-A/ 95 de 15 de Dezembro, revelando-se a inexistência da sobredita delegação de competências, tanto do ponto de vista formal como do ponto de vista substancial.

Ou seja, ao cumprir a missão de apenas informar sobre a decisão daquele dossier, aquele Gabinete e o seu Director, não praticaram nenhum acto administrativo em nome próprio, pois naquele momento da informação, o acto já tinha sido praticado pelo Ministro competente e a eles apenas restava levar a informação para o destinatário final.

Em termos semelhantes, para que o Director em causa tivesse legitimidade passiva, seria necessário que o acto administrativo tivesse sido praticado por ele, ainda que de modo irregular o que não se verificou.
Desta sorte, não se vislumbrando a alegada delegação de competência expressa, no Director do Gabinete Jurídico do MAPESS, o impugnado acto administrativo de indeferimento do recurso tutelar, não foi, pois, nestes termos, da autoria do Director, mas sim, do titular do órgão.

Em suma, é mister afirmar que neste caso, o Director não dispõe de legitimidade passiva. Com efeito, o n.º 3 do artigo 26.º do Código de Processo Civil, considera parte legítima, os sujeitos da relação material controvertida. Claramente, nesta relação jurídica, o Director do Gabinete não tem vez, pois o mesmo foi apenas o emissário de uma decisão tomada ao mais alto nível da hierarquia do Ministério.
Percebe-se, neste quesito, que a decisão recorrida não merece censura jurídico constitucional, ao confirmar a decisão da primeira instância, que considerou parte ilegítima o Director do Gabinete Jurídico do MAPESS, posto que assim, se obedeceu aos ditames legais em matéria de legitimidade.

2. Quanto ao acto administrativo exarado pelo Director do INSS.
Como se destacou acima, sucedeu que o Recorrente interpôs, na Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, um recurso contencioso de anulação de acto administrativo, igualmente praticado pelo Director do INSS, que reduziu a sua pensão de reforma por velhice.

No entanto, limitou-se o aresto sindicado, quanto a este aspecto, a considerar que, com a interposição do recurso contencioso de anulação sobre a decisão operada no recurso tutelar, a questão a resolver passou da esfera de competência do Director do INSS, para a esfera do Ministro do MAPESS, deste modo, decidindo tratar-se apenas de um acto administrativo a julgar ao invés de dois, subsequentemente indeferindo a pretensão do Recorrente, propugnando pela ilegitimidade passiva de ambos órgãos figurados na acção.

Na realidade, concebendo-se o acto administrativo praticado pelo Director do INSS (redução do valor da pensão de reforma por velhice) definitivo e executório, compreende-se que o referido despacho pode ser objecto de impugnação contenciosa.

A doutrina define o acto administrativo como sendo o “acto jurídico unilateral praticado no exercício do poder administrativo, por um órgão da administração pública ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz uma decisão de uma questão de Direito Administrativo, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta” (op. cit. 2016 p.p 440-441).

A nossa lei segue um caminho idêntico, ao definir acto administrativo como sendo “as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos imediatos numa situação individual e concreta” artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro – do Procedimento Administrativo, em vigor à data dos factos.

Propugnam Diogo Freitas do Amaral e Carlos Feijó, que o acto administrativo pode ser horizontalmente definitivo (quando o acto definitivo é precedido de uma série de formalidades procedimentais) e verticalmente definitivo (quando o acto é praticado por aqueles órgãos administrativos que em dado momento ocupam o topo da respectiva hierarquia). É esta última classificação que interessa para a presente análise (op. cit. 2016, pp. 492-495).

Continuam os mesmos autores, explicitando que os actos praticados pelos dirigentes máximos de institutos públicos, só não são definitivos quando a lei, a título excepcional, os submete a recurso tutelar necessário. Ou seja, nos casos regra, em que a lei prevê recurso tutelar facultativo, os actos administrativos praticados pelos dirigentes máximos de institutos públicos, são definitivos.

No caso vertente, o INSS é um Instituto Público e o seu Director é o dirigente máximo. Por fim, não menos importante, a lei não submete os actos deste ao regime do recurso tutelar obrigatório, pelo que ele segue o regime regra: isto é facultativo, conforme postulado nos artigos 2.º e 9.º do Decreto n.º 18/98, de 17 de Julho do decreto em vigor à data dos factos.

Ademais, o Recorrente afirma, e o Tribunal ad quem não rebate, que o recurso hierárquico interposto pelo Recorrente é facultativo, por ser tutelar, pelo que a via contenciosa se encontrava disponível para o Recorrente, que a usou, por força da tutela jurisdicional efectiva prevista no artigo 29.º da CRA.

Quanto à executoriedade, Diogo Freitas do Amaral e Carlos Feijó definem actos executórios como “os actos administrativos que sejam simultaneamente exequíveis e eficazes, e cuja execução coerciva por via administrativa seja permitida por lei” Ob. Cit., p. 495. Afirmam os mesmos autores que, regra geral, “o acto administrativo definitivo, é executório”, salvo raras excepções, nenhuma delas aplicável ao caso concreto.

Assim, o acto administrativo praticado pelo Director do INSS, é definitivo e executório, pelo que pode ser objecto directo de impugnação contenciosa.

Ademais, não restam dúvidas que o referido acto administrativo é também passível de recurso tutelar, mas decorre da lei que, mesmo nestes casos, a decisão deste recurso tutelar sempre pode/deve pronunciar-se sobre a legalidade e conveniência do acto, conforme n.º 2 do artigo 109.º do Decreto-Lei n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro, do Procedimento Administrativo, aplicável ao caso concreto por força no n.º 5 do artigo 119.º do mesmo diploma.

Dito doutro modo, o recurso tutelar facultativo não invalida e nem condiciona, em nenhuma dimensão, o recurso contencioso, podendo o Recorrente optar tanto por um, como pelo outro, ou, como foi o caso, pelos dois, sem que nenhum deles fique prejudicado.

Implica referir que o Director do INSS, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º, do Dec. Lei n.º 4-A/96, de 5 de Abril, teria legitimidade passiva para ser demandado no tribunal competente, justificando-se a impugnação judicial autónoma contra o acto por ele praticado.

Nesta vertente, o Tribunal ad quem, ao apreciar o recurso, na parte referente ao acto administrativo exarado pelo Director do INSS, com o fundamento de que com o recurso tutelar, o acto administrativo objecto do recurso deixou de ser qualquer outro e passou a ser o acto exarado pelo Ministro, ficou prejudicado o princípio do julgamento justo e conforme, previsto no artigo 72.º da CRA.

Com efeito, ficou firmado no Acórdão n.º 799/2023 desta Corte, prolactado no âmbito do Processo n.º 903-A/2021, que este princípio tem ligação incindível com o princípio da legalidade.
Pelo que, tece-se, entre outros considerandos que, “a hermenêutica constitucional resultante da norma do artigo 72.º da Constituição, reporta o direito ao julgamento justo e conforme uma ligação com o princípio da legalidade, e tal resulta da interpretação sistemática da Constituição. Se a decisão for ilegal ela será injusta, se for legal será justa”.

Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: DAR PROVIMENTO AO RECURSO E DECLARAR A DECISÃO RECORRIDA INCONSTITUCIONAL POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E DO DIREITO A JULGAMENTO JUSTO E CONFORME.

Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.

Notifique-se.

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 15 de Maio de 2024.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) (Declarou-se Impedida)

Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva
Dr. Gilberto de Faria Magalhães
Dr. João Carlos António Paulino
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite S. Ferreira
Dra. Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva (Relatora)
Dr. Vitorino Domingos Hossi