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Jurisprudência

 

ACÓRDÃO N.º 890/2024

 

PROCESSO N.º 1134-B/2024
Processo Relativo a Partidos Políticos e Coligações (Recurso para o Plenário)
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

A Comissão Instaladora do Partido da Justiça – Força Organizada de Angola, com a sigla PJ-FA, melhor identificada nos autos, aqui representada pelo seu Coordenador, o senhor Albino Bravo da Costa, veio interpor o presente recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional do Despacho da Juíza Conselheira Presidente, exarado a 19 de Janeiro de 2024, que rejeitou o seu pedido de inscrição e cancelou o seu credenciamento.

O Despacho sindicado tem como fundamento a não apresentação pela Comissão Instaladora do PJ-FA, ao Tribunal Constitucional, dos elementos essenciais definidos para a inscrição do Partido e previstos no artigo 14.º, conforme dispõe a alínea b) do artigo 16.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos (LPP), designadamente:

a) O mínimo de 150 assinaturas válidas para as províncias do Bengo, Bié, Cabinda, Cuanza-Norte, Cuanza-Sul, Cunene, Huíla, Lunda-Norte, Lunda-Sul, Malanje, Moxico e Zaire, conforme o n.º 1, in fine, do artigo 14.º da LPP;

b) Apresentação de declarações de aceitação suportadas por fotocópias de Bilhetes de Identidade ilegíveis e caducados, factor que põe em causa o disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 14.º da LPP;
c) Junção de declarações de aceitação desacompanhadas das declarações colectivas ou atestados individuais de residência, violando as normas da alínea g) do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 14.º da LPP;

d) Junção de declarações de aceitação sem assinatura dos subscritores, violando a norma da alínea e) do n.º 2 do artigo 14.º da LPP;

e) Junção de declarações de aceitação cujos subscritores têm menos de 18 anos de idade, o que viola o disposto no n.º 1 do artigo 14.º da LPP.

A Recorrente, inconformada com o Despacho de rejeição, interpôs o presente recurso para o Plenário deste Tribunal, alegando, no essencial, que:

1. O Despacho recorrido não se reveste na base constitucional nem legal, na medida em que violou flagrantemente a Constituição da República de Angola, a Lei do Processo Constitucional, a Lei dos Partidos Políticos, bem como princípios, direitos, liberdades e garantias constitucionais da Recorrente.

2. A Recorrente foi credenciada no dia 22 de Fevereiro de 2023, tendo começado imediatamente com o seu trabalho de recolha de assinaturas e verificado morosidade intencional por parte das administrações municipais na emissão dos atestados de residência.

3. Estranhamente, o Despacho recorrido apresentou dados completamente contrários aos apresentados pela Comissão Instaladora.

4. Ora, o Despacho recorrido decidiu com base em dados criados pelo próprio Tribunal, e não os que foram apresentados pela comissão instaladora, violando, deste modo, os princípios do julgamento justo e conforme, da repressão a violações, bem como o da legalidade democrática.

5. Consequentemente, foram violados direitos, liberdades e garantias constitucionais da Recorrente, porque não foi notificada para que pudesse suprir as insuficiências que serviram de fundamento para o Despacho recorrido, violando, assim, o disposto no artigo 16.º da Lei dos Partidos Políticos.

Termina pedindo que o Despacho da Juíza Conselheira Presidente deste Tribunal seja declarado nulo.

O Processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA


O Tribunal Constitucional é competente para credenciar Comissões Instaladoras e inscrever e registar partidos políticos, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 181.º da Constituição da República de Angola, dos artigos 12.º, 13.º, 14.º e 15.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro, da Lei dos Partidos Políticos (LPP), do artigo 28.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 63.º e do n.º 1 do artigo 64.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC).

Ao abrigo do n.º 1 do artigo 18.º da LPP, cabe recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional do acto do Presidente do Tribunal Constitucional que ordene ou rejeite a inscrição de um partido político.

Assim, o Plenário do Tribunal Constitucional é competente para apreciar e decidir sobre o presente recurso.

III. LEGITIMIDADE

A Comissão Instaladora do PJ-FA, enquanto subscritora do pedido de inscrição e parte vencida, é a interessada em que o Plenário aprecie o seu pedido, pelo que, nos termos do n.º 2 do artigo 18.º da LPP, tem legitimidade para interpor o presente recurso.

IV. OBJECTO

O presente recurso tem por objecto verificar se o Despacho da Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional, exarado a 19 de Janeiro de 2024, que rejeitou a inscrição da Comissão Instaladora do Partido da Justiça – Força Organizada de Angola, com a sigla PJ-FA, e, consequentemente, determinou a extinção da sua Comissão Instaladora, violou ou não a Constituição e a Lei.

V. APRECIANDO

A Constituição da República de Angola, para a formação de partido político consagrou como princípios basilares o da liberdade e da livre iniciativa, o que significa que apenas podem ser constituídos no quadro do Estado Democrático de Direito e devem funcionar de acordo com as regras democráticas. Com efeito, na sua constituição, estes princípios são restringidos por alguns pressupostos legais, designadamente, possuir carácter e âmbito nacionais.

Fazendo um enquadramento geral do presente processo, nota-se claramente que a questão de fundo que se coloca é a de saber que razões assistem à Recorrente relativamente aos argumentos invocados, face a Constituição da República de Angola (CRA) e da lei.

Desde logo, é importante reter que a Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos (LPP), estipula no n.º 1 do artigo 14.º que a inscrição de um partido político é feita a requerimento de, no mínimo 7.500 cidadãos maiores de 18 anos e no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, devendo, entre os requerentes, figurar, pelo menos, 150 cidadãos residentes em cada uma das 18 províncias que integram o país.

Na sequência, o n.º 2 do citado artigo estabelece a exigência de entrega de um conjunto de documentos que, imperativamente, devem ser apresentados ao Tribunal Constitucional, apensos ao requerimento, de inscrição de um partido político. Assim, os cidadãos que requeiram a inscrição de um partido político devem remeter ao Tribunal Constitucional os documentos enumerados de forma taxativa e cumulativa no sobredito artigo, dentre os quais, se enfatizam, as fotocópias dos bilhetes de identidade ou dos cartões de eleitor dos 7.500 cidadãos subscritores e os respectivos atestados de residência.

Deste modo, não restam quaisquer dúvidas de que o processo de inscrição de um partido político é formal e, rege-se pelos princípios da legalidade, da tipicidade, da taxatividade e da representatividade mínima, os quais impõem a escrupulosa obediência aos ditames legais, formais e materiais. Tem sido este o entendimento sufragado na vasta jurisprudência deste Tribunal Constitucional, conforme sedimentado nos Acórdãos n.ºs 867/2023, 601/2020, 500/2018 e 370/2015 (acessíveis em www.tribunalconstitucional.ao).

E se bastante não fosse, recorrendo ao direito comparado, traz-se à colação o Acórdão n.º 145/85, do Tribunal Constitucional português que, em processo de inscrição de partido político, indeferiu o requerimento respeitante ao Partido Ecologista, por não apresentar o número mínimo de subscritores, reforçando a sua decisão, mencionando que tal consequência foi, igualmente, aplicada aos requerimentos de inscrição do Partido Movimento Ecologista Português, do Partido os Verdes (MEP/PV) e do Partido Liga Socialista dos Trabalhadores (LST), a 7 de Setembro de 1982 e a 24 de Janeiro de 1983, respectivamente.

Verifica-se assim que, a natureza específica da forma de associação que é “o Partido Político” justifica a existência de um estatuto especial quanto a requisitos de constituição que, porventura, seria relativa do direito de constituir outras formas de associação.

A limitação ou o direito de constituir Partidos Políticos passa pela exigência de ser requerida, pelo menos, por 7.500 cidadãos – que tem paralelo no direito comparado (por exemplo no da Finlândia – 5.000 cidadãos) é proporcionada ao peso dos valores constitucionalmente consagrados que se pretendem acautelar, não excedendo por isso os limites constitucionais imanentes aplicáveis.

Do pedido de inscrição apresentado pela Comissão Instaladora em questão, no dia 22 de Novembro de 2023, esta entregou apenas assinaturas relativas a 9 (nove) províncias do País, o que vem referido no documento subscrito pelo próprio coordenador e constatado por este Tribunal no âmbito do trabalho técnico-jurídico de apreciação do processo.

Daqui resulta que a Recorrente desrespeitou o dever de não possuir carácter local ou regional, pois resulta claro do quadro contido no Despacho recorrido e dos documentos entregues pela própria, que não possui assinaturas recolhidas em todo o território nacional, ou seja, não conseguiu comprovar que o seu projecto de partido político emana da vontade expressa dos cidadãos residentes em todo o território do País.

Em sede do critério referente ao carácter e âmbito nacionais, é fundamental e indispensável que as assinaturas e respectivos atestados de residência que as suportam sejam recolhidas (as assinaturas) e emitidos (os atestados de residência) taxativamente – num mínimo de 150 – em cada província do País. Ou seja, o País tem 18 províncias e a Comissão Instaladora apresentou assinaturas recolhidas em apenas 9 províncias, conforme fls. 11 e 12 dos autos.

Neste diapasão, constata-se que a Comissão Instaladora do PJ-FA só preencheu o requisito legalmente exigido, isto é, de representação do número mínimo de 150 assinaturas válidas, em 6 (seis) províncias, nomeadamente: Benguela (229 assinaturas conformes), Cuando Cubango (599 assinaturas conformes), Huambo (253 assinaturas conformes), Luanda (2.646 assinaturas conformes), Namibe (349 assinaturas conformes) e Uíge (306 assinaturas conformes).

De acordo com as disposições conjugadas da alínea a) do n.º 2 do artigo 17.º da CRA e do artigo 5.º da LPP, os partidos políticos devem possuir carácter e âmbito nacionais.

É por causa desta obrigação jurídico-constitucional e legal que os partidos políticos devem fazer prova, no momento da sua inscrição, da recolha válida e fiel de assinaturas de subscritores das 18 províncias do país, com vista a validação das respectivas subscrições. Porém, a Recorrente incumpriu esse imperativo legal.

Outrossim, esta Corte acautelou que tais irregularidades fossem sanadas, concedendo à Recorrente, para além do prazo regular de 6 (seis) meses, nos termos do n.º 3 do artigo 12.º da LPP, para se ocupar dos preparativos da organização do Partido para o efeito de registo, um prazo adicional de mais 3 (três) meses de prorrogação (fls. 14 dos autos), para que completasse o processo de inscrição, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 16.º da LPP. Portanto, não assiste razão à Recorrente ao arguir a falta de notificação para suprimento das insuficiências detectadas no seu processo de inscrição.

Pelo exposto, este Tribunal conclui que o Despacho de rejeição da inscrição do PJ-FA, com fundamento na “falta dos elementos essenciais” para a sua constituição, nos termos da alínea b) do artigo 16.º da LPP que, em consequência, decretou o cancelamento da sua Comissão Instaladora, está em conformidade com a CRA e com a lei.
Nestes termos,

DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA RECORRENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, MANTER O DESPACHO RECORRIDO.

Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique-se.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 16 de Maio de 2024.

OS JUIZES CONSELHEIROS

Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) (Declarou-se Impedida)
Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva
Dr. Gilberto de Faria Magalhães
Dr. João Carlos António Paulino
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite S. Ferreira
Dra. Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva
Dr. Vitorino Domingos Hossi (Relator)